Discurso no Senado Federal

PROJETO DE LEI EM ELABORAÇÃO, QUE REFORMULA O IMPOSTO TERRITORIAL RURAL-ITR.

Autor
Odacir Soares (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRIBUTOS.:
  • PROJETO DE LEI EM ELABORAÇÃO, QUE REFORMULA O IMPOSTO TERRITORIAL RURAL-ITR.
Publicação
Publicação no DSF de 18/10/1996 - Página 17203
Assunto
Outros > TRIBUTOS.
Indexação
  • ANALISE, PROJETO DE LEI, REFORMULAÇÃO, IMPOSTO TERRITORIAL RURAL.

O SR. ODACIR SOARES (PFL-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o tema da Reforma Agrária, pela importância social e econômica e pela repercussão que alcança na sociedade, tem merecido sucessivos discursos meus nesta Casa. Na sessão do dia 28 de agosto, manifestei-me sobre o papel que poderia vir novamente a desempenhar a Colonização Particular, como instrumento de política agrária, complementando o desempenho, que vem tendo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA, seja nos assentamentos de "sem-terra", seja na implantação de Projetos de Colonização.

Manifestei-me novamente nos dias 4 e 12 de setembro, trazendo ao conhecimento desta Casa os resultados da pesquisa intitulada "Pesquisa de Opinião Pública e Caracterização Sócio-econômica em Projetos de Assentamento do INCRA, no País", que a Confederação Nacional da Agricultura-CNA, contratou com o "Vox Populi", e divulgou maciçamente na mídia.

No dia 19 de setembro, discorri sobre aspectos da concentração fundiária das terras no Brasil, comentando o "Atlas Fundiário do Brasil", editado pelo INCRA.

O tema referenciado à Reforma Agrária, que me traz a tribuna desta Casa, é a proposta de um Projeto de Lei, que estabelecerá nova redação à Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994. Esta foi divulgada em caráter preliminar na imprensa sob o título de "Progressividade do Imposto Territorial Rural - ITR".

A nova legislação do Imposto Territorial Rural-ITR, em elaboração no INCRA, e já submetida à apreciação da CNA em caráter preliminar, pretende concentrar a fiscalização sobre cerca de 95 mil proprietários rurais no Brasil, ou seja, sobre aqueles que detêm áreas acima de 500 hectares.

Esses proprietários terão de comprovar em uma declaração detalhada o grau de utilização das terras, ao contrários dos demais, (dos pequenos e médios proprietários, abaixo dos 500 hectares), que poderão apresentar uma declaração simplificada.

Os dados sobre os níveis de produtividade dos imóveis rurais com mais de 500 hectares fornecerão ao INCRA e à Receita Federal subsídios para a desapropriação de terras improdutivas que poderão ser destinadas à Reforma Agrária.

O projeto de lei que reformula o ITR aumenta cerca de três vezes as alíquotas do imposto para as terras com menor grau de utilização. Para a apuração do valor do imposto, aplicar-se-á sobre o valor da Terra Nua Tributado-VTN a alíquota constante na tabela anexa, considerada a área total do imóvel e o seu Grau de Utilização-GU.

Com a reformulação do ITR, mais a implantação de um maior controle sobre os devedores do tributo, o governo espera elevar a arrecadação do ITR dos atuais R$500 milhões para R$ 1,8 bilhões anuais.

Sr. Presidente, quando inicialmente mencionei que a modificação a ser introduzida no ITR, sê-lo-ia mediante projeto de lei a ser enviado ao Congresso Nacional, não descartava a hipótese da utilização de outro instrumento legal. Hoje, estou convencido, ou alimento fortes suspeitas de que, mais uma vez, venha a ser editada uma Medida Provisória para garantir que as alterações passem a vigorar a partir de primeiro de janeiro do próximo ano.

A modificação para dois tipos de declaração para o ITR, uma referente às propriedades de menos de 500 hectares (declaração simplificada) e outra referente aos imóveis rurais com mais de 500 hectares (declaração detalhada, com o grau de utilização das terras) deve-se à decisão do governo de tornar o ITR um imposto declaratório, cobrado com base nas informações prestadas pelo contribuinte.

Hoje, Sr. Presidente e Srs. Senadores, é importante lembrar que o ITR adota como base de cálculo o Valor da Terra Nua-VTN, calculado, a pedido da Receita Federal, pela Fundação Getúlio Vargas-FGV.

A idéia de que o Imposto Territorial Rural, incida sobre o Valor da Terra Nua declarado, visa a que essas informações sirvam também como base para fixar o preço da indenização do imóvel, caso este seja desapropriado para projetos de assentamento. Essa é a justificativa do Ministro Extraordinário de Política Fundiária, Raul Jungmann, para tornar o ITR um imposto declaratório, apesar do alto grau de inadimplência.

O Projeto de Lei, ainda em discussão, prevê a adjudicação, ou seja, a transferência à União das terras dos devedores, como forma de pagamento do imposto.

Pela proposta em estudo, Sr. Presidente, um imóvel improdutivo com área superior a 5.000 hectares poderá ser transferido à União, depois de seis anos consecutivos, sem o recolhimento do ITR. Para esses imóveis, as alíquotas do imposto vão variar entre 1% e 15%, dependendo do grau de utilização da terra.

Outro bom motivo que teria levado o governo a decidir por uma declaração simplificada para os imóveis de até 500 hectares foi a constatação de que, quanto menor a área, menor é o nível de inadimplência.

Dados da Receita Federal mostram a regressividade desse imposto: de 1991 a 1994, a tributação efetiva do ITR, incluindo os que não pagaram, foi irrisória. Até 100 hectares, os imóveis pagaram, em média, por hectare, vinte centavos. Esse valor caiu para 17 centavos nas terras com 100 a 1.000 hectares, e chegou a somente TRÊS CENTAVOS nas propriedades rurais situadas na faixa de 100 mil a 500 mil hectares.

Nos imóveis acima de 500 mil hectares, segundo a Receita Federal, a tributação efetiva foi de ZERO, ou seja, ninguém pagou o Imposto Territorial Rural.

A elevação das alíquotas do ITR também se deve à baixa tributação efetiva da propriedade rural no Brasil. Levantamento da Receita Federal revela que a mesma equivale a apenas 0,08% da arrecadação tributária federal contra 24% representados pelo Imposto de Renda global, incluídas as empresas e as pessoas físicas.

Com base nesses levantamentos procedidos pela Receita Federal, a quem compete a cobrança do ITR, nos últimos cinco anos, a participação tributária sobre a propriedade rural, em relação ao Produto Interno Bruto-PIB, atingiu o inexpressivo índice de 0,00016%, muito aquém dos padrões internacionais, inclusive no Mercado Comum do Sul - Mercosul

É preciso que se informe a esta Casa que em outros países a exação sobre a terra é muito superior aos padrões cobrados no Brasil. Na Coréia do Sul, a tributação da terra alcança 12% do Produto Interno Bruto; na Espanha e Alemanha, 4%, e, na Argentina e Uruguai, 2% (contra os já citados 0,00016% do Brasil...).

A versão inicial do Imposto Territorial Rural, recebeu a leitura e apreciação tanto dos proprietários rurais, por intermédio da Confederação Nacional da Agricultura-CNA, quanto de entidades que apóiam a Reforma Agrária. Esta primeira versão é a que serviu de base para os comentários que hoje apresento. Uma segunda versão de reformulação do ITR, deverá ser apresentada pelo Ministro Raul Jungmann ao Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel.

A Confederação Nacional da Agricultura-CNA teria considerado inconstitucional o artigo do texto que fixa o preço de indenização do imóvel desapropriado com base no valor declarado do ITR. O art. 21 do projeto de lei do ITR, diz:

"A definição de preço da indenização a que se refere o caput do Art. 5º, o Art. 10, e os parágrafos 1º a 3º do Art. 12, bem como as determinações conexas constantes na Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993, e o Art. 12 da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, terá como limite máximo da soma do valor da terra nua com as benfeitorias indenizáveis, o valor total do imóvel constante no Documento de Informação e Apuração do ITR-DIA."

A Confederação dos Trabalhadores da Agricultura-CONTAG reivindicou que a elevação de alíquotas do ITR se concentrasse mais nos imóveis com área superior a 500 hectares, e não nos de menor tamanho.

Tenho informação que o ITR das pequenas e médias propriedades ficará entre 0,3% e 1%. As alíquotas vão variar segundo o tamanho das propriedades  e o grau de utilização das terras. Não é demais lembrar que a perversa concentração das terras no Brasil é, nos dias de hoje, igual àquela existente nos idos de 1940, ou seja, no quadro agrário, o Brasil mantém um atraso de 56 anos.

Quanto maior o estabelecimento, maior é a proporção improdutiva de suas terras. Assim os pequenos produtores lavram 65% dos seus estabelecimentos; os de 10 a 100 hectares lavram 25%; os de 100 a 1.000 hectares lavram 13% da gleba.

Os estabelecimentos de mais de 1.000 hectares lavram apenas 6,7%. Os proprietários com áreas maiores do que 10 mil hectares lavram apenas, 2,3% de suas glebas. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE informa a situação de 61 estabelecimentos de mais de 100 mil hectares, que utilizam para lavouras apenas 0,14% das terras.

O objetivo final da proposta, Sr. Presidente, é que o imposto seja progressivo, vale dizer, a tributação considera não só o tamanho da propriedade, mas penaliza as áreas improdutivas. Este procedimento, certamente, concorrerá para que a União possa desapropriar terras ociosas para executar a Reforma Agrária.

Com o desmonte progressivo da inflação indexada, a terra ociosa perde a condição colonial de reserva de valor. Tanto assim é que os proprietários menos submissos à "posse atávica" estão desmobilizando esse ativo e desencadeando pressão de oferta de terras no mercado.

Com esse enfoque a terra já perdeu metade do valor de mercado nestes dois últimos anos de Plano Real. Na região Centro-Sul, o espaço mais valorizado do País, os preços da terra acumulam queda de 57% desde julho de 1994.

Com a chegada, logo mais, da comentada reformulação do Imposto Territorial Rural-ITR, a pressão de oferta de terras potencialmente produtivas ganhará força. A terra ociosa acabará confiscada pelo novo ITR, em menos de uma década.

É preciso que se alerte, ademais, que, em certas regiões, a venda de terras ociosas, e até mesmo das produtivas, encontrou outra justificativa: o Movimento dos Sem-Terra (MST), que já ganhou os espaços urbanos, com ampla difusão da mídia, e inspira até a novela das oito horas, em horário nobre.

Que esta Casa tenha a visão, o entendimento e o discernimento de analisar corretamente o Projeto de Lei ou mesmo a Medida Provisória que disciplinará a exação do Imposto Territorial Rural-ITR. 

Eis uma responsabilidade das mais graves, a qual cabe-nos assumir sem omissão nem adiamento. Que saibamos entender o conceito básico de Reforma Agrária, o qual não se esgota na simples distribuição de terras, mas exige o ingrediente da reforma agrícola, para culminar numa agricultura de mercado e não na lavoura de subsistência, sem renda e sem bem estar social no campo. 

É o que penso, Sr. Presidente


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/10/1996 - Página 17203