Discurso no Senado Federal

CRITICAS A AFIRMAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA SOBRE A INEXISTENCIA DE OPOSIÇÃO POLITICA A SEU GOVERNO. AVANÇO DOS PARTIDOS DE ESQUERDA NAS ULTIMAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS. ANALISE DAS MEDIDAS DE CONTENÇÃO DE GASTOS PUBLICOS, ANUNCIADAS PELO GOVERNO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. ELEIÇÕES. ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.:
  • CRITICAS A AFIRMAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA SOBRE A INEXISTENCIA DE OPOSIÇÃO POLITICA A SEU GOVERNO. AVANÇO DOS PARTIDOS DE ESQUERDA NAS ULTIMAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS. ANALISE DAS MEDIDAS DE CONTENÇÃO DE GASTOS PUBLICOS, ANUNCIADAS PELO GOVERNO.
Publicação
Publicação no DSF de 15/10/1996 - Página 16983
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. ELEIÇÕES. ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • CRITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, COMENTARIO, INEXISTENCIA, OPOSIÇÃO, PARTIDO POLITICO, GOVERNO.
  • ANALISE, EFICACIA, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, OPOSIÇÃO, GOVERNO, ELEIÇÃO MUNICIPAL.
  • CRITICA, JUSTIFICAÇÃO, GOVERNO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), INCLUSÃO, MEDIDAS ADMINISTRATIVAS, DEMISSÃO, EXTINÇÃO, CARGO PUBLICO, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, PREJUIZO, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, CONTENÇÃO, GASTOS PUBLICOS, ORÇAMENTO, PAIS.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quase que em tom de lamúria, de ressentimento, Sua Excelência, FHC, afirmou que não há oposição ao seu Governo. Realmente, a Oposição está e sempre esteve amordaçada. Como partidos minoritários, não temos senão uma 5ª Secretaria nesta Mesa do Senado; na Câmara, a mesma coisa. Não temos nenhuma presidência em nenhuma das Comissões Permanentes, nem das Comissões Provisórias. Portanto, se não temos presidentes nestas Comissões não podemos designar os relatores; aqueles relatores que sobem para as manchetes do jornais, quando relatam projetos de grande importância, de grande relevância, de grande destaque.

Quando vem um projeto como o Sivam, ou o da Lei de Patentes, sabemos que os ilustres relatores já vêm predeterminados, com endereço certo para que eminentes e entusiastas defensores desses projetos assumam a relatoria.

No dia em que houver um projeto de lei sobre, por exemplo, o combate ao bicho-de-pé, talvez se lembrem que o Senador Lauro Campos poderia ser, também, o relator. E um projeto sobre o combate ao bicho-de-pé é muito adequado a um senador de oposição.

Portanto, não vamos aqui nos estender a respeito dessa dita democracia existente no País e em suas instituições viciadas.

O Senhor Presidente reclama que a oposição, que Sua Excelência amordaçou e ajudou a amordaçar, não existe. Os sindicatos também estão perdendo cada dia mais a sua capacidade de reação, a sua capacidade de oposição, de defesa aos seus interesses que estão sendo ameaçados.

Como continuar, por exemplo, pertencendo ao Sindicato dos Petroleiros com aquela promessa feita no ano passado, testemunhada pelo Presidente Itamar Franco, de que, se os petroleiros aguardassem um pouco, as suas reivindicações seriam atendidas. A alegação era que, naquele momento, não seria possível, para não ameaçar o bom andamento do Plano Real. E os petroleiros esperaram, esperaram e, finalmente, quando chegou uma outra data-base, o Governo, que havia empenhado o seu fio de barba, mostra que é imberbe, que não vale o fio de barba que empenhou. E os petroleiros são acusados de estar praticando atos contrários à paz da família brasileira, provocando a falta de gás nos lares e conseqüente dificuldade de cozimento dos alimentos e sobrevivência da família brasileira.

Vieram as eleições e a mídia está aí: são 59 empresas de rádio e televisão apenas no sistema Radiobrás, cujo Presidente declarou "sem pudor" que está inteiramente integrado naquilo que ele chamou de "guerrilha televisiva" a serviço do iluminado - diz ele - projeto do Presidente FHC.

Apesar de tudo o que vimos nessas eleições municipais, em algumas capitais, emblematicamente, os partidos de esquerda avançaram. E, agora, um outro dado surge: o Partido dos Trabalhadores, o partido que não existe do ponto de vista de Fernando Henrique Cardoso, que não conta como partido de oposição, vem agradecer a Sua Excelência, pois com o que tem feito no Governo não é preciso oposição. Sua Excelência faz a sua própria oposição e sua própria perdição.

É por isso que o Partido dos Trabalhadores foi o mais votado nas capitais brasileiras. Portanto, a consciência ainda não foi totalmente soterrada pela força e pela prepotência dos meios de comunicação encastelados no poder.

Diz, agora, o Senhor Presidente da República, para surpresa de todos, que Sua Excelência, seu Governo e seu plano não têm nada a ver com o FMI. Então, trata-se de mera coincidência. Quem pode tapar o sol com a peneira e deixar de enxergar que aquilo que foi feito na Argentina, no México e se repetiu em diversos países periféricos, em nome do combate à inflação, foi um longo processo iniciado nos anos 80, graças à presença, à inspiração, à redação feita pelo FMI. Não há dúvida nenhuma, ninguém pode negar, e para isso o Cavallo veio ao Brasil no dia 7 de setembro de 1995 para reforçar suas lições aprendidas no FMI.

Há pouco tempo o próprio Ministro Pedro Malan, nos Estados Unidos, censurava o FMI por estar usando dois pesos e duas medidas, permitindo que o Governo norte-americano, por exemplo, tivesse um déficit orçamentário de US$108,6 bilhões este ano, enquanto o Brasil tem que zerar seu déficit.

Assim sendo, o FMI sabe em quem manda. Sabe por que manda e para que manda. Em certo sentido, tem razão o Presidente da República, Sua Excelência não obedece ao FMI. Sua Excelência enfrenta o FMI, mas de joelhos. Se Sua Excelência fosse dado a leituras sobre economia e não tivesse mandado esquecer tudo aquilo que escreveu e ensinou, talvez se lembrasse do governo de Campos Sales, quando - o FMI não, porque não existia, pois foi criado em 1944 - medidas lhe foram impostas pelo grande credor, o detentor da dívida externa brasileira, residente na Inglaterra.

Campos Sales, antes de tomar posse, foi à Inglaterra para cuidar da dívida externa brasileira. E de lá veio com a incumbência de vender as empresas estatais, de enxugar a base monetária. No ano seguinte, ele queimou o dinheiro brasileiro. Dizem que só louco queima dinheiro. Pois levaram o Brasil a tal grau de insanidade que Campos Sales mandou queimar dinheiro. Rothschild, o nosso credor externo, nos obrigou a tanto, a demitir funcionários públicos para reduzir a dívida pública e a aumentar a carga tributária. Foi criado, entre outros impostos, o Imposto Ouro sobre as Importações, a fim de que o Governo brasileiro tivesse ouro para entregar a Rothschild, em pagamento desta dívida impagável.

Portanto, o FMI realmente é apenas o órgão que pronuncia a voz da dominação, depois de 1944. Antes, era a dominação pura e simples, transparente, como diz o Sr. Fernando Henrique Cardoso, imperialista; agora, é o FMI que vem nos impor.

Trinta mil demissões de funcionários públicos, há 10 dias, na Argentina, e, por mera coincidência, temos agora, aqui, neste pacote, a extinção de 100.700 cargos da Administração Direta. Cerca de 70 mil vagas não estão preenchidas.

A economia com estas medidas não foi divulgada. Será limitado o número de vagas nas estatais federais para 546.700; serão fechadas 94 mil vagas. Serão exonerados até 50% dos 55 mil servidores contratados no período de outubro de 1983 a outubro de 1988, proporcionando uma economia anual de R$385 milhões. Ocorrerá o fim do pagamento de gratificação para servidores que substituam temporariamente os seus chefes, obtendo, com isso, uma economia de R$58 milhões. Será feita a extinção da licença-prêmio por assiduidade e será criada a licença-capacitação.

Enquanto o Brasil faz coisas como essas, a lição que nos é dada pelo Japão é justamente contrária ao que aqui ocorre. Em 1946, para soerguer o Japão que atravessava uma profunda crise diante da derrota na Segunda Guerra Mundial, para criar a única potência que conseguiu entrar neste século na lista dos vinte países mais ricos do mundo, deu-se vitaliciedade não apenas aos funcionários, como também aos trabalhadores manuais, aos trabalhadores das fábricas japonesas. Ao invés de fazer o que o FMI manda, ao invés de liquidar sindicatos e de desanimar os sindicalizados, o Japão escutou a voz dos sindicatos e não apenas permitiu a participação dos trabalhadores japoneses no lucro das empresas, como também passou a pagar uma parte dos salários em ações, e, assim, os trabalhadores japoneses passaram a ser sócios de suas empresas.

Portanto, existem outras saídas. O que não existem são homens de inteligência para enxergar essas saídas. Neste País é muito mais fácil destituir, desrespeitar a vida e se ajoelhar diante de exigências irracionais partidas dos dominadores externos do que acharmos saídas em que a dignidade humana e o futuro encontrem uma avenida mais aberta e mais iluminada.

Isso é realmente revoltante. E essa revolta não atinge apenas nós, que, como professores, estamos sendo castigados, como funcionários públicos, estamos sendo vilipendiados e que como pessoas que desejam trabalhar, estamos sendo destituídos das condições de trabalho, mas atinge até mesmo ilustres Senadores da oposição que aqui estiveram hoje falando antes de mim e que não esconderam a sua revolta, a sua surpresa e a sua indignação diante dessas medidas que se repetem no Brasil e que, obviamente, têm como conseqüência inevitável a perda das eleições no segundo turno, uma vez que o primeiro turno já foi perdido.

Agora, para limpar e colocar de uma vez sobre o caminho da reeleição o pó do esquecimento, para que haja tempo para que a poeira se assente sobre essas perversões, preferem perder o segundo turno em muitos Municípios brasileiros, porque outra não poderá ser a conseqüência dessas medidas antipopulares e desumanas, que mostram que o Governo brasileiro se encontra mais perdido do que o personagem da novela, cujo avião caiu no Amazonas, ou seja, o Governo brasileiro está mais perdido do que o Mezenga na Floresta Amazônica.

Extingue a promoção na época da aposentadoria e promove uma economia de R$78 milhões; somando todas essas economias porcas, miseráveis, sabe quanto dá? São R$6 bilhões para fazer ou para se aproximar do tal equilíbrio orçamentário a que os Estados Unidos, o Japão, a Inglaterra, ou seja, nenhum país avançado jamais se submeteu.

Gar Alperovitz afirma, em artigo recente, que "jamais houve crescimento econômico com equilíbrio orçamentário". E ele, que não é completamente saudosista do keynesianismo, que desequilibra o orçamento para reabsorver a mão-de-obra desempregada, para enfrentar guerras; ele, que não é um keynesiano saudosista, afirma que só existe uma solução para minorar o sofrimento dessa decadência do capitalismo mundial, ou seja, continuar com aquelas medidas que amparam os trabalhadores desempregados, que impedem que os trabalhadores sejam oferecidos à sanha do capital, do aumento de produtividade desumana, do aumento de lucro, que se tem de fazer agora às expensas, única e exclusivamente, do sacrifício dos trabalhadores, de vez que o Estado não mais fornece o lucro não-operacional, as vantagens e as benesses que as décadas de keynesianismo permitiram fossem fornecidas.

Portanto, de agora em diante, voltarei sempre a esta tribuna para comparar as soluções inteligentes que, dentro das relações capitalistas, foram mentadas e postas em prática no Japão. Por exemplo, nos respeitados sindicatos japoneses, nas relações existentes entre empregados e empregadores no Japão.

De acordo com Tiichi Ohno, o renovador da indústria Toyota, a forma norte-americana de capitalismo e de eficiência, a forma de Ford e Taylor - Ford+Taylor=americanismos - é desumana e não seria aceita na cultura japonesa. Então, ele transformou essas relações, criou condições totalmente diferentes em que as relações de concorrência, as relações de uma sociedade competitiva se transformaram em relações comunitárias, em relações de cooperações, em relações muito diferentes daquelas que o FMI impõe a nós porque só sabe uma linguagem, embora albergue mais de 160 países: a linguagem do dono.

O SR. PRESIDENTE (Sebastião Rocha) - Senador Lauro Campos, lamento informar que o seu tempo está esgotado.

O SR. LAURO CAMPOS - Pois não. Agradeço a V. Exª a gentileza de não me ter interrompido antes.

Pretendo apenas dizer que todas essas medidas estão sendo tomadas em nome dessa loucura, dessa esquizofrenia que é o equilíbrio orçamentário.

Freud, em seu livro intitulado Totem e Tabu, afirma que são os conflitos criados pelo trabalho humano que fazem com que os homens, impossibilitados de resolver esses problemas, criem um mundo acolchoado, imaginário, do equilíbrio geral, do bem comum, sem atritos. E para lá os esquizofrênicos mudam. Isso é esquizofrenia.

Roberto Campos disse certa vez que esses neoclássicos plantam jardins no mundo da lua. Portanto, os lunáticos estão aí, impondo-nos esses sacrifícios, um mundo sem futuro, um caminho sem volta.

Há outras soluções, sim. A dignidade humana sempre encontrará soluções.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/10/1996 - Página 16983