Discurso no Senado Federal

PROJETO DE LEI DE SUA AUTORIA, QUE TRATA DA REGULAMENTAÇÃO DO ACESSO DOS RECURSOS DA BIODIVERSIDADE. RESSALTANDO O PAPEL DO SR. OSMAR DIAS, NA RELATORIA DA MATERIA.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • PROJETO DE LEI DE SUA AUTORIA, QUE TRATA DA REGULAMENTAÇÃO DO ACESSO DOS RECURSOS DA BIODIVERSIDADE. RESSALTANDO O PAPEL DO SR. OSMAR DIAS, NA RELATORIA DA MATERIA.
Publicação
Publicação no DSF de 15/10/1996 - Página 16989
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ANALISE, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REGULAMENTAÇÃO, ACESSO, RECURSOS, BIODIVERSIDADE, PAIS.
  • ELOGIO, EMPENHO, OSMAR DIAS, SENADOR, QUALIDADE, RELATOR, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REGULAMENTAÇÃO, CONVENÇÃO, BIODIVERSIDADE, PAIS.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de registrar a tramitação, nesta Casa, do projeto de minha autoria que trata da regulamentação do acesso dos recursos da nossa diversidade biológica, cujo Relator é o Senador Osmar Dias. Com uma determinação tanto minha, como autora, quanto do Relator, iniciamos um processo de audiências públicas, em função da magnitude do projeto e do seu grau de complexidade, já que, pela primeira vez no mundo, está-se tentando regulamentar a Convenção da Biodiversidade, fazendo com que o nosso País passe a ter uma lei de acesso aos seus recursos biológicos.

Como parte desse entendimento, tivemos três audiências públicas. Uma delas ocorreu no dia 19, no Estado de São Paulo, e contou com a participação de 81 pessoas, entre representantes de entidades não-governamentais, de instituições do Governo e de comunidades científicas. Uma outra audiência ocorreu no dia 26 de agosto, no Estado de Amazonas, onde também tivemos a participação de um público com as características semelhantes àquela ocorrida em São Paulo. E como última audiência pública realizada, tivemos a que ocorreu no dia 10 de setembro em Brasília, com uma grande participação da comunidade científica, do Poder Executivo e do Legislativo, de entidades não-governamentais e de pessoas interessadas no tema. Fechando essa rodada de discussões, tivemos recentemente o seminário que aconteceu nos dias 9, 10, 11 e 12 do corrente, um workshop com a participação da WWF, do Ministério do Meio Ambiente, da Embrapa, através de seu Núcleo de Pesquisas, o Cenargen, do ASPTA, do Instituto Sócioambiental, da Vitae Civilis, de representantes do Poder Executivo, de um modo geral, das pessoas ligadas a essa área e da própria Comissão do Senado, a CAS.

Essa discussão tem sido muito importante para o enriquecimento e a apresentação do parecer do Relator, Senador Osmar Dias, que se mostrou uma pessoa muito aberta, respeitando todos esses segmentos que precisavam de um espaço dessa natureza para debater o projeto de lei.

Tivemos também uma demanda muito grande por parte de outros países, que já nos pediram cópia do projeto. Porém, em se tratando de uma lei inédita, é fundamental que os outros países que também estão às vésperas de apresentarem leis de acesso aos recursos biológicos tomem conhecimento de que no Brasil estamos com esse desafio.

Quando tomei a iniciativa da apresentação do projeto de lei, tinha como objetivo o seguinte aspecto: primeiro, o de regulamentar a Convenção da Biodiversidade - que foi um dos resultados da ECO-92 -, tendo como indicativo que os países deveriam, na medida do possível, apresentar um projeto de lei de acesso, para que se tivesse a regulamentação da forma como a pesquisa seria feita nos países de megadiversidade, como o Brasil.

O projeto também atendeu às inúmeras denúncias ocorridas, principalmente na minha região, que alguns pesquisadores chamam de garimpagem genética ou biopirataria, ou seja, a retirada de material tanto de fungo quanto de areia, plantas e animais para pesquisa em laboratórios estrangeiros, do que não temos nenhum retorno e nenhum controle.

Inúmeras denúncias foram feitas a mim, inclusive o Prof. Luís Fernando Arruda, da Universidade da Amazônia, diz que só na Amazônia cerca de 20 mil extratos vegetais são retirados por ano, sem que o Brasil tenha nenhum controle sobre essas pesquisas. Inclusive, nossas instituições de pesquisa são utilizadas para ajudar na indicação desses materiais levados para fora do Brasil.

Um outro aspecto que me levou a apresentar o projeto é a Lei de Cultivares, que está tramitando no Congresso Nacional, e a recente aprovação, nesta Casa, da Lei de Patentes.

A Lei de Patentes deixou muito a desejar, tendo extrapolado inclusive as exigências do GATT. O Brasil foi mais real que o rei, e a minha determinação em apresentar o Projeto de Lei de Acesso se fez para que, por meio dele, pudéssemos corrigir alguns prejuízos que tivemos com a Lei de Patentes.

Um outro aspecto que considerei fundamental, bem como o Sr. Relator, Senador Osmar Dias, é o de que uma lei com essa magnitude não poderia ser resultado da ação apenas do Poder Legislativo ou das pessoas que estão imbuídas de dar o parecer e votar a matéria, mas, sobretudo, resultado de um processo amplo de discussão. Com esse espírito, realizamos várias audiências públicas, inclusive invertendo um pouco aquilo que aconteceu na Lei de Patentes. Se nesta fomos obrigados, pela grande pressão exercida de parte da sociedade organizada, a abrir-lhe espaço para poder apresentar suas sugestões, para poder discutir a matéria e, de alguma forma, dar alguma contribuição, seguimos um caminho inverso na Lei de Acesso à Biodiversidade. Fomos nós que desejamos a participação da sociedade, muito embora ela, de forma latente, também o desejasse.

Sr. Presidente, com muita alegria, devo registrar que o projeto original já foi bastante enriquecido, que o relatório do Senador Osmar Dias, com certeza, buscará contemplar as inúmeras contribuições dadas tanto pelas entidades quanto pela comunidade científica e pelos representantes do Governo, que vêm participando dessa discussão, a fim de que se possa pactuar um projeto de lei que seja o resultado do acúmulo de uma discussão que acontece no País, pelo menos nos setores afins. Tudo isso para que não se tenha uma lei que apareça para a sociedade como que descendo de pára-quedas, sem corresponder às exigências, tanto da comunidade científica, quanto do Governo, do Poder Legislativo e das populações locais.

Em se tratando de comunidades locais, comunidades tradicionais, o projeto também é inovador. No momento da discussão da Lei de Patentes, tentei apresentar uma emenda que reconhecia o saber das populações tradicionais. Lamentavelmente, sequer tive a oportunidade de discuti-la e debatê-la no plenário desta Casa.

Na Lei de Acesso, estamos buscando uma forma de regulamentar e de reconhecer o valor do saber das populações tradicionais, o chamado etnoconhecimento ou conhecimento difuso, como chamam as pessoas da área do Direito. O que significa isso, Sr. Presidente? Os estudos realizados dão conta de que, a cada mil indicações feitas por um representante de populações tradicionais - seja ele seringueiro, índio, caboclo, ribeirinha ou caiçara -, tem-se retorno econômico líquido e certo de uma indicação.

Os índios, por exemplo, indicam umas mil variedades de plantas que servem para algum tipo de doença. Dessas mil plantas pesquisadas, é líquido e certo que uma terá retorno econômico para um laboratório. Se não for pela indicação das populações tradicionais, se não for levado em conta o etnoconhecimento, para se ter retorno líquido e certo do que é pesquisado, do material coletado, seria preciso pesquisar dez mil amostras, ou seja, aumentaria em nove mil vezes o trabalho do pesquisador. Quiçá ele conseguisse identificar a planta que pode ajudar a curar determinadas doenças, como aconteceu com o quebra-pedra, na Costa Rica, que já foi patenteado por um laboratório americano, a partir de uma indicação das populações tradicionais.

Essas populações não têm nenhum retorno, mas o seu conhecimento é muito valioso. O projeto reconhece esse saber, busca uma forma de remunerar esse conhecimento por meio de um fundo a ser repartido em forma de benefício. Ainda estamos buscando uma formulação, mas o que importa é que há o desejo de que esse saber seja reconhecido.

Outro aspecto é o de que não haverá pesquisa sem o consentimento das populações tradicionais. Hoje, entra-se na área indígena e recolhe-se o material. De acordo com o projeto de lei, será preciso que elas dêem o consentimento para que se tenha o acesso, além da autorização das autoridades competentes e do órgão cedente, que seria o Poder Público.

O projeto é bastante amplo e está em discussão. Espero que, a partir das contribuições dadas e do relatório do Senador Osmar Dias, que está trabalhando com muito cuidado e respeito por aqueles que já se debruçaram sobre o projeto, oferecendo inúmeras sugestões, esta Casa o aprove e o envie para a Câmara dos Deputados, para que o Brasil, em breve, seja o primeiro a ter uma Lei de Acesso aos recursos biológicos e genéticos, como uma grande inovação e contribuição para os países vizinhos. Por isso, temos uma responsabilidade maior.

Se fizermos uma lei subserviente, que atenda às pressões internacionais e não aos interesses locais e nacionais, vamos estar nos configurando num péssimo exemplo a ser seguido pelos países irmãos.

Se tivermos uma lei altiva que esteja de acordo com a ética de que o conhecimento e os recursos naturais devam ser partilhados, mas não explorados da forma com que vem sendo feito, seremos um bom exemplo para os países irmãos, que precisam, também, de uma Lei de Acesso. Do contrário, não teria sentido o Brasil ter uma lei se os países que, igualmente, têm a Amazônia continuem fornecendo, sem nenhuma exigência, esses materiais.

É fundamental que o Peru, a Bolívia e os demais países também tenham uma Lei de Acesso, para que possamos agir em bloco contra aqueles que praticam a biopirataria e a garimpagem genética nos nossos territórios.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/10/1996 - Página 16989