Pronunciamento de Renan Calheiros em 17/10/1996
Discurso no Senado Federal
APROFUNDAMENTO DA REFLEXÃO SOBRE O TEMA DO DESEMPREGO. DEFESA DA FLEXIBILIDADE DOS ENCARGOS TRABALHISTAS E DO CONTRATO DE TRABALHO POR TEMPO DETERMINADO.
- Autor
- Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
- Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
DESEMPREGO.
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
- APROFUNDAMENTO DA REFLEXÃO SOBRE O TEMA DO DESEMPREGO. DEFESA DA FLEXIBILIDADE DOS ENCARGOS TRABALHISTAS E DO CONTRATO DE TRABALHO POR TEMPO DETERMINADO.
- Publicação
- Publicação no DSF de 18/10/1996 - Página 17184
- Assunto
- Outros > DESEMPREGO. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
- Indexação
-
- ANALISE, SITUAÇÃO, DESEMPREGO, PAIS, REFERENCIA, EXAME, DADOS, ESTATISTICA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE).
- DEFESA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, EXECUTIVO, ENCAMINHAMENTO, CONGRESSO NACIONAL, ALTERAÇÃO, CONTRATO DE TRABALHO, PRAZO DETERMINADO, OBJETIVO, AUMENTO, OFERTA, EMPREGO, BRASIL.
O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB-AL. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pretendo, na tarde de hoje, aprofundar minha reflexão sobre um importante tema de nossa atualidade socioeconômica. Trata-se, Sr. Presidente, da angustiante questão do desemprego.
A bem da verdade, os mais recentes indicadores disponíveis apontam para um discreto recuo da taxa de desemprego. Em junho último, segundo o IBGE, essa taxa ficou em 5,58%, abaixo dos 5,92% do mesmo período no ano passado. Foi, Sr. Presidente, o quarto mês consecutivo em que o índice se manteve estável ou apresentou queda. Em relação a julho de 1995, quando a taxa fora 4,83%, o resultado de julho deste ano é 16% maior. Em abril, porém, essa diferença chegava a 39% em relação ao mesmo período de 1995.
Na avaliação dos técnicos do IBGE, quado se comparam os resultados mensais deste ano com os equivalentes do ano passado, verifica-se, Sr. Presidente, uma diferença decrescente. Ocorre, porém, que não basta observar a evolução da taxa apenas sob esse ângulo para entender a situação do emprego/desemprego no País. A mera diminuição do contingente de empregados não significa, em absoluto, necessariamente, que todos encontraram trabalho.
Como esclarece a economista Shyrlene Ramos de Souza, houve aumento do número de inativos, porque muita gente simplesmente desiste de procurar emprego. Isso é possível, pois só em São Paulo estudantes e donas de casa correspondem a 33,6% da população em idade ativa. É uma fatia muito grande de pessoas que pode ora estar procurando emprego, ora empregada.
Um outro dado relevante dessa complexa equação é que o Estado de São Paulo, com praticamente metade de todos os desempregados do País, 1,3 milhão, dos quais apenas sete mil conseguiram ocupação em julho último, teve um comportamento atípico: em vez de registrar queda no número de pessoas ocupadas, apresentou migração para o subemprego ou mercado informal. Tanto que, Sr. Presidente, o número de trabalhadores sem carteira assinada aumentou 6%. A maior parte desses empregados está vindo do setor industrial e apresenta uma sistemática contração dos postos de trabalho.
Para completar a configuração desse quadro socioeconômico em rápida e perturbadora transformação, o IBGE informa, também, que a variação do rendimento médio das pessoas ocupadas no primeiro semestre do corrente ano teve aumento de 9%, descontada a inflação, em relação ao mesmo período do ano passado, ou seja, a tendência é de que apenas as pessoas com melhor qualificação e salários mais elevados tenham maiores oportunidades de escapar das demissões.
De acordo com equipe de analistas do Dieese, a crise do emprego em São Paulo reflete a dificuldade da indústria de fazer frente à concorrência externa. Afinal, Sr. Presidente, a indústria é o setor que hoje mais elimina vagas e tem o maior peso no mercado de trabalho dessa região, e os outros setores de atividade, como o comércio e os serviços, não são capazes de absorver a mão-de-obra industrial demitida.
Nesses tempos de globalização, Sr. Presidente, não podemos perder a dimensão mundial do problema.
Conforme dados apresentados no último Fórum Econômico Internacional de Davos (Suíça) pela Federação Internacional de Empregados e Técnicos - representante de 11 milhões de trabalhadores de mais de uma centena de países -, o número total de desempregados e subempregados alcança 800 milhões de pessoas. Isso representa 13 vezes a população economicamente ativa brasileira, que é de 60 milhões de trabalhadores.
Mais grave ainda é que esse desemprego tecnológico, gerado pela Terceira Revolução Industrial (a da microeletrônica, da informática e da robótica), caracteriza-se pelo mais longo e, até onde a vista alcança, irreversível divórcio entre crescimento da produção e a geração de novos postos de trabalho da história econômica mundial nos últimos dois séculos.
Nas duas primeiras revoluções industriais - a da máquina a vapor e a do binômio motor a explosão/energia elétrica -, se, num primeiro momento, o ganho tecnológico também permitia produzir cada vez mais com menos gente e a custos mais baixos, os empregos perdidos não tardavam, entretanto, a ser mais que compensados pelo contínuo aparecimento de novas fábricas, instaladas para atender a uma demanda sempre crescente.
Agora, Sr. Presidente, o efeito "poupador de emprego" produzido pelo avanço tecnológico é tão rápido, profundo e radical, que, ao que tudo indica, pode-se aumentar continuamente a produção, gerando cada vez menos empregos.
No Brasil, Sr. Presidente, esse dilema adquire contornos particularmente dramáticos quando lembramos que, ao lado desse novo desemprego tecnológico nos centros mais avançados da nossa economia, subsiste um velho desemprego causado pelo arcaísmo das estruturas produtivas e sociais das regiões mais atrasadas, com seu cortejo tradicional de baixos salários, subemprego e informalidade.
Nesse ponto, cabe a todos nós, cidadãos que detemos alguma parcela de responsabilidade pelo destino desta Nação, seja na mídia, seja no Governo, seja na arena parlamentar, seja no mundo dos negócios, seja no movimento sindical, proceder a uma análise profunda, sincera e desapaixonada das propostas e alternativas que começam a ser apresentadas para a solução do problema do desemprego.
Um diagnóstico que ganha circulação cada vez mais ampla entre os formadores de opinião enfatiza o efeito perverso dos encargos trabalhistas, sociais e previdenciários na elevação dos custos da mão-de-obra e, conseqüentemente, Sr. Presidente, na perpetuação da dupla chaga social do desemprego/subemprego.
Para os adeptos desse ponto de vista, a única saída consiste "na flexibilização dos encargos", o que implicará a mais ampla revisão de numerosos dispositivos contidos na Constituição Federal e na cinqüentenária Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com a revogação pura e simples de muitos deles.
É essa a inspiração básica do Projeto de Lei nº 1.724, do Executivo, enviado ao Congresso este ano, centrado em uma inovação: o contrato de trabalho por tempo determinado. Uma vez adotada, essa medida funcionaria como "laboratório" para aplicação de uma série de mudanças também embutidas no projeto. Desde já, porém, é fácil deduzir que o Ministro do Trabalho, Paulo Paiva, e sua equipe técnica nutrem a expectativa de ver essas modificações, inicialmente restritas ao projetado contrato por tempo determinado, estenderem-se a todo o universo das relações laborais, a médio prazo.
As principais alterações pretendidas pelo Governo em sua proposta são as seguintes:
- em primeiro lugar, a contratação por tempo determinado. As empresas são autorizadas a contratar 20% do total de funcionários por prazo determinado e em condições especiais. A sistemática da contratação terá que ser em comum acordo com os sindicatos das categorias profissionais e só poderá durar dois anos. Permaneceria a obrigatoriedade de as empresas assinarem a carteira de trabalho;
- em segundo lugar, é eliminada a multa de 40% sobre o valor do FGTS nas demissões sem justa causa;
- em terceiro lugar, o projeto reduz a alíquota do FGTS dos atuais 8% para 25%;
- em quarto lugar, a empresa é desobrigada de pagar o "aviso prévio" de 30 dias em caso de desligamento de seus empregados por tempo determinado;
- em quinto lugar, as alíquotas incidentes sobre a contribuição previdenciária das empresas, calculadas com base em sua folha de pagamento, e destinadas a financiar os sistemas Sesi/Senai, Sesc/Senac e Sest/Senat são reduzidas em 90%;
- em sexto e último lugar, cada trabalhador fica limitado a um máximo de 120 horas extras por ano.
Na verdade, setores empresariais e sindicais mostram-se desde já dispostos a "fazer a hora", sem esperar por essas alterações constitucionais e legais. O exemplo mais eloqüente dessa disposição foram os entendimentos de março último, entre os metalúrgicos de São Paulo e os empresários da FIESP para a redução dos encargos previdenciários e do FGTS, em troca do compromisso de manutenção e ampliação dos postos de trabalho na indústria.
Ocorre que essa solução negociada pelas duas partes diretamente envolvidas na relação do trabalho esbarrou de pronto em uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho paulista, que se manifestou pela ilegalidade do ajuste. A postura do Presidente desse TRT, Juiz Rubens Tavares Aidar, foi clara e concisa: "Retirar direitos é retrocesso (...). Se uma brecha for aberta para alguns, todos vão querer o mesmo direito." Numa palavra, naquilo que depender da Justiça trabalhista, não se contrata passando por cima da lei.
Provavelmente por isso e também em razão das múltiplas exigências, pressões e prioridades de uma alentada agenda de negociações com o Congresso Nacional, no contexto de um ano eleitoral, de reformas estruturais (administrativa, tributária e previdenciária), tomou o Governo a recente decisão de não trabalhar pela rápida tramitação do PL nº 1.724/96. Uma terceira influência nessa decisão possivelmente derivou do fato, noticiado pelos maiores veículos de comunicação, de que as poucas empresas de São Paulo que haviam adotado, a título experimental, o contrato por tempo indeterminado resolveram encerrar o experimento e assinar as carteiras de trabalho dos seus funcionários, nos termos da legislação vigente.
Os entusiastas da "flexibilização", Sr. Presidente, alegam, naturalmente, que esse posicionamento em defesa dos direitos dos trabalhadores já empregados faz tábula rasa dos interesses dos desempregados, para quem o importante é o emprego, mesmo que isso signifique abrir mão de alguns direitos em benefício do sustento de suas famílias.
Entendo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que essas controvérsias relevantes jamais se resolverão no abstrato por meio do embate de argumentos cuja elegância lógico-formal não consegue disfarçar seu precário embasamento nas realidades da experiência concreta.
Nesse sentido, recomendaria a todos nós, membros do Senado e da Câmara - mais cedo ou mais tarde, seremos chamados a opinar sobre as referidas propostas trabalhistas do Executivo - uma reflexão cuidadosa sobre os resultados de políticas de flexibilização adotadas por governos estrangeiros, na expectativa de conjurar o espectro do desemprego tecnológico e estrutural.
A experiência recente da França me parece rica em ensinamentos. No ano passado, o Presidente Jacques Chirac veio a público para criticar as empresas que simplesmente embolsaram o dinheiro da redução dos encargos, sem consideração pelos compromissos assumidos de multiplicar as oportunidades de novos empregos em seus quadros.
Na França dos anos 70 e 80, líderes empresariais se queixavam de que o custo muito elevado dos salários e encargos impedia as firmas de contratar. Ora, o salário mínimo francês era e é muito mais alto de que o brasileiro (na faixa de 1.300 dólares). Acrescente-se, Sr. Presidente, que, por motivos sociais e políticos, não foi possível reduzir esse salário mínimo francês. Daí a solução encontrada foi a de diminuir a contribuição social baseado nele.
Em conseqüência dessas medidas, a situação financeira das empresas melhorou substancialmente a ponto de, hoje em dia, exibirem elas uma taxa de autofinanciamento da ordem de 120%, ou seja, em média, elas têm 20% de recursos a mais do que normalmente necessitariam para investir e crescer. Apesar disso, não houve, nem de longe, um correspondente aumento do número de vagas. Em suma, os custos salariais baixaram, mas os empregos não apareceram.
No caso do Brasil, Sr. Presidente, acredito que tenhamos de examinar, com cautela ainda maior, essa alternativa da flexibilização, uma vez que, como ressaltei anteriormente, a participação dos salários na riqueza nacional é extremamente pequena em comparação com os países capitalistas centrais. Ora, isso torna no mínimo problemático atribuir a direitos e garantias duramente conquistados pela classe trabalhadora brasileira responsabilidade unilateral pela presente situação.
Por essa razão, uma ponderável parcela de analistas vem chamando a atenção para um fator alternativo, de ordem conjuntural, qual seja, o impacto negativo sobre o nível de atividade econômica da sobrevalorização cambial do início do Plano Real.
No insuspeito testemunho do Deputado e ex-Ministro Delfim Netto, expresso em artigo publicado, no início deste ano, na Gazeta Mercantil, sob o título "A CLT, os salários e o desemprego neo-social", "o desemprego que hoje estamos sofrendo (...) tem muito pouco a ver com a ausência de flexibilidade nas relações de trabalho, que parece ser muito maior do que se pensa". E prossegue o articulista: "É difícil calcular os efeitos sobre o nível de emprego de uma redução de crescimento de 6% para 4%, em 1995, que o Governo teve de produzir pela contração do crédito só para sustentar o câmbio valorizado. Um cálculo grosseiro permite uma visão aproximada. O PIB de 1995 foi da ordem de R$620 bilhões. A redução de 2% significa que deixaram de ser produzidos R$12 bilhões em bens e serviços, que incluem qualquer coisa como 16% de impostos indiretos (R$2 bilhões). Isso nos deixa com R$10 bilhões para serem distribuídos entre salários e outras remunerações (lucros, juros, aluguéis.) Se supusermos que 40% são salários, temos R$4 bilhões. Supondo um salário médio mensal de 400, com os encargos incluídos nas contas nacionais, isso significa um desemprego aproximado de 800 mil pessoas. Esse número talvez pareça exagerado, mas ele adquire verossimilhança quando sabemos que, em 1995, mais de 400 mil trabalhadores deixaram o mercado formal de carteira assinada, segundo os números do Ministério do Trabalho", conclui o ex-Ministro Delfim Netto.
Eis aí, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um quadro sucinto e eloqüente dos indesejáveis efeitos sobre o salário de decisões de políticas monetária e cambial, sem qualquer relação, portanto, com os custos da mão-de-obra nacional.
Antes de avançar na apresentação de alternativas para essa problemática geral do desemprego, gostaria de chamar a atenção dos que me ouvem para uma questão específica e que afeta gravemente a economia e os trabalhadores da Região Nordeste, em particular do meu Estado de Alagoas. Refiro-me aos efeitos perversos do já longo abandono a que foi submetida a agroindústria sulcroalcooleira. Já tive a oportunidade de ocupar esta tribuna para relatar em doloroso detalhe o desemprego em massa provocado pelo fechamento das principais usinas alagoanas. Muitos desses desempregados e suas famílias não encontram alternativa digna para ganhar seu sustento e são obrigados a mendigar nas cidades maiores, especialmente Maceió, o que torna mais aflitivo e desesperador o quadro social de um Estado pequeno e pobre com o meu e que hoje luta com enorme dificuldade para livrar-se da insolvência.
Há poucos anos, o professor emérito da Unicamp e cientista de renome internacional, Dr. Rogério de Cerqueira Leite, publicou o interessante livro Pró-Álcool, a única alternativa para o futuro. Nele, a par de enaltecer os benefícios econômicos e tecnológicos produzidos pelo programa ao longo de duas décadas, o autor também destaca sua decisiva função social como gerador de empregos. Permitam-me, Srªs e Srs., citar aqui alguns trechos relevantes da obra (à página 46):
"De acordo com dados da Sudene, um emprego industrial em sua área de atuação demanda cerca de quarenta mil dólares, enquanto a agroindústria sucroalcooleira exige apenas a metade desse valor, mesmo quando incluída a sazonalidade. Portanto, do ponto de vista puramente da geração de emprego, as vantagens da agroindústria [...] ultrapassam enormemente aquelas de seus concorrentes diretos, a eletricidade e o petróleo [...] A automação progressiva da atividade alcooleira é inevitável. Mas, certamente, pelo menos a médio prazo, nas próximas duas ou três décadas, o Pró-Álcool deverá manter-se como um importante gerador de empregos no cenário nacional".
O abalizado testemunho do professor Cerqueira Leite dramatiza a urgente necessidade de salvar e fortalecer o Pró-Álcool. Em grande medida, a solução do grave problema do desemprego nordestino, em geral, e alagoano, em particular, passa pela efetivação e ampliação das medidas anunciadas recentemente pelo Governo Federal e também pela incorporação das propostas formuladas no âmbito de uma subcomissão especial do setor sucroalcooleiro instalada na Câmara dos Deputados por iniciativa do nobre Deputado Aldo Rebelo.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não caberia, nos limites de tempo e espaço deste pronunciamento, propor uma alternativa ampla, minuciosa e sistemática de políticas públicas com vistas a resolver ou minimizar o problema do desemprego/subemprego na atualidade brasileira. Como meu objetivo aqui é tão-somente o de ampliar o debate, permito-me apenas alinhar algumas recomendações que parecem contar com as preferências dos especialistas nacionais e estrangeiros, de modo que, aí sim, possa o Poder Legislativo encaminhar soluções oportunas, frutíferas e duradouras.
Para tanto, valho-me extensamente dos resultados do seminário sobre "O Plano Real e o Desemprego", organizado pela Fundação Pedroso Horta, do PMDB, que se realizou no último dia 02 de fevereiro na Câmara Municipal de São Paulo
Na presença do presidente Paes de Andrade, da maioria dos companheiros da Direção Nacional do Partido, bem como dos legisladores federais, estaduais e municipais, peemedebistas ou não, sucederam-se interessantes exposições de sindicalistas, empresários, técnicos, acadêmicos e militantes de organizações não-governamentais. Eis aqui um resumo das principais recomendações:
1 - O economista Felipe Ohana, do IPEA, destacou a importância de linhas especiais de financiamento a pequenos e microempresários em projetos situados na órbita de grandes grupos ou setores industriais e de serviços. Por exemplo, empresas de manutenção, de limpeza, ou produção específica, com baixa relação capital/produto. Para o Dr. Ohana, os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) poderiam ser produtivamente canalizados para a construção de casas populares em pequenas e médias cidades. Explicou o economista que do patrimônio total do FAT, equivalente a US$20,5 bilhões, cerca de US$5 bilhões acham-se depositados no Banco Central, e outros US$3,5 bilhões emprestados a diversos setores. Os financiamentos propostos teriam um horizonte de longo prazo, com taxa de juros correspondente às necessidades atuariais do Fundo;
2 - Outros expositores, como o Secretário-Executivo da Fundação Pedroso Horta, o ex-Ministro da Desburocratização Paulo Lustosa, voltaram a enfatizar o papel central das microempresas em uma estratégia consistente de combate ao desemprego. Desse modo, incentivos fiscais e creditícios a essas unidades produtivas de menor porte, sobretudo àquelas que atuam no setor agroindustrial, voltadas para o abastecimento do mercado local, tendem a fortalecer sua capacidade de incorporar substanciais contingentes de mão-de-obra;
3 - Nessa mesma chave, Sr. Presidente, alguns palestrantes garantiram a relevância de se formular uma nova estrutura de estímulos adequados à agricultura familiar. Isso porque, convenientemente modernizada, ela ajudará a estancar o êxodo de trabalhadores e suas famílias, que, sem qualificações mínimas para preencher as poucas vagas que surgem nas cidades, vão inchar nossos caóticos centros urbanos e exercer uma pressão insuportável sobre a já escassa oferta de serviços de saneamento, saúde pública, escolas, habitação e equipamentos coletivos diversos;
4. Sindicalistas e empresários convergiram na defesa das indústrias de bens de consumo popular, desde que, paralelamente, contem com um mínimo de proteção governamental para enfrentar a concorrência de importações, quase sempre oriunda de países que subsidiam fortemente sua produção ou praticam o dumping, pura e simplesmente para esmagar a concorrência;
5 - Outro grande consenso entre todos os participantes estabeleceu-se em torno da necessidade de elevação geral do nível de qualidade dos sistemas educacionais e de capacitação profissional, com o objetivo de preparar os trabalhadores menos qualificados para as oportunidades que se abrem nos setores de vanguarda da Terceira Revolução Industrial. A meu ver, isso evidenciaria, ainda mais, a utilidade do Senai, do Senac, do Senar e do Senat, que há longos anos tanto contribuem para a formação, o aperfeiçoamento e a reciclagem dos trabalhadores. Não vejo sentido, portanto, em propostas que levem ao enfraquecimento financeiro dessas entidades. A curto e médio prazos, nem o Estado nem as empresas seriam capazes de instalar e financiar uma alternativa de qualidade e confiabilidade equivalentes;
6 - Não foram esquecidas as mais recentes experiências que estão sendo postas em prática em economias desenvolvidas, como é o caso da limitação da jornada de trabalho e das restrições, cada vez mais rigorosas, à prática das horas extras. Governos do Primeiro Mundo estudam alternativas que permitam fazer com que o peso dos encargos sociais varie em proporção inversa ao tempo trabalhado em cada empresa. Na França, por exemplo, deverão ser adotadas medidas para obrigar a pagar mais aqueles empregadores que façam trabalhar mais do que 32 horas. Na Alemanha, o poderoso sindicato metalúrgico IG-Metall está negociando com os empresários para que as horas extras sejam compensadas não mais com pagamentos, e sim com folgas, o que deverá abrir 80 mil novos postos de trabalho;
7 - Os expositores também abordaram soluções originais, apropriadas a um País como o nosso, marcado por dramáticos desníveis de desenvolvimento e em permanente confronto com o desafio do desenvolvimento ecologicamente sustentado. Afinal de contas, as bioenergias e as indústrias transformadoras da biomassa - aí incluído o ramo sucroalcooleiro - configuram um grande multiplicador de empregos, toda vez que são utilizadas inteligentemente como alternativa econômica e ecológica ao combustível fóssil importado. Da mesma forma, fomos alertados por especialistas ambientais presentes ao encontro de São Paulo de que grande é o potencial gerador de empregos das atividades ligadas à redução do desperdício da energia e da água, à reciclagem de dejetos e à reutilização de materiais, bem como à conservação das infra-estruturas, dos equipamentos e do parque imobiliário (maneira de economizar o capital de reposição), com estes empregos se financiando, ao menos parcialmente, pela poupança das fontes que trazem;
8 - Finalmente, Sr. Presidente, a multiplicação de parcerias entre o Poder Público e as organizações não-governamentais, voltadas a serviços sociais de verdadeiro alcance comunitário, poderia representar um escoadouro criativo e benéfico para excedentes de mão-de-obra qualificada e semi-qualificada.
Em síntese, acredito que o caminho realmente seguro para sair da crise é o das políticas ativas de emprego. Esse ponto de vista é defendido por economistas e sociólogos que, dentro do circuito acadêmico ou prestando assessoria a organizações não-governamentais e humanitárias, há bastante tempo debruçam-se sobre o problema. É o caso de um destacado expositor no Seminário sobre o Desemprego, o Dr. Márcio Pochman, professor do Instituto de Economia e diretor-adjunto do Centro de Estudos Sociais e de Economia do Trabalho da Unicamp, que, em estudo intitulado "O risco das falsas saídas para o desemprego", afirma:
"A redefinição de um projeto nacional de inserção ativa da economia brasileira no contexto internacional, de retomada sustentável do crescimento econômico e de políticas ativas de geração de emprego e de renda constitui o caminho mais adequado e eficaz para resolver os problemas do mercado de trabalho. Convém não esquecer medidas necessárias, tais como a reforma agrária, a desconcentração de renda (renda mínima e salário mínimo), os novos investimentos em infra-estrutura, a ampliação dos serviços sociais e do crédito público, a democratização do sistema de relações de trabalho, a abertura de uma agência pública de emprego e a redução da jornada de trabalho, pois todas elas possuem impacto positivo sobre o nível de emprego."
Mais adiante, o Professor Pochman conclui com esta verdadeira exortação:
"Este novo compromisso nacional em torno do emprego (políticas ativas) e de defesa da produção nacional deveriam fazer parte urgentemente da agenda de prioridades nacionais deste ano, como forma de enfrentamento do desemprego neste País. Ao contrário disso, as propostas hoje existentes, em vez de contribuírem para a geração de emprego e renda para todos, podem levar à deterioração ainda maior do padrão de vida das classes trabalhadoras."
Repito, Sr. Presidente, que as sugestões há pouco enumeradas nem de longe esgotam o repertório que a imaginação criadora dos agentes políticos e sociais pode colocar a serviço da profilaxia da angustiante mácula do desemprego.
Elas são aqui mencionadas como um modesto lembrete de que não podemos, não devemos, nem muito menos somos obrigados a cruzar os braços diante dessa tragédia, na fatalística suposição de que ela é o fruto inevitável e necessário do progresso tecnológico.
Ao contrário, considero do dever de todo homem público trabalhar para a canalização das forças do mercado e da produção em prol do atendimento dos imperativos da dignidade humana e da promoção da felicidade das futuras gerações.
Obviamente, não é possível ainda formular um juízo definitivo sobre o programa de geração de empregos lançado na última quarta-feira, dia 16, pelo Senhor Presidente da República e que disporá de R$640 milhões para pequenas e microempresas cooperativas, associações, pequenos empreendimentos e pessoas físicas (aí incluídos os profissionais recém-formados, que terão acesso a financiamentos de até R$5 mil a serem pagos em 24 meses).
Espero voltar a esta Tribuna, em futuro não muito distante, para avaliar os resultados concretos da aplicação desses recursos, que vão ser repassados pela Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Banco do Nordeste e BNDES.
Gostaria de finalizar lembrando as palavras do Presidente sul-africano, Nelson Mandela, em sua contribuição ao Relatório de Desenvolvimento Humano/1996, do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas. Elas transmitem com eloqüência a natureza e a magnitude do desafio de fortalecer em escala global os laços entre crescimento econômico e justiça social: "Apesar de um crescimento aceitável" - diz Mandela - "poucos empregos têm sido criados. De fato, contra o pano de fundo das novas entradas no mercado de trabalho, tem havido uma diminuição das oportunidades. Precisamos de um objetivo nacional para sairmos deste atoleiro".
Era o que tinha a comunicar, Sr. Presidente.
Muito obrigado.