Discurso no Senado Federal

REGOZIJO COM O ANUNCIO DOS GANHADORES DO PREMIO NOBEL DA PAZ, OS SRS. DOM CARLOS FILIPE XIMENES BELO E JOSE RAMOS-HORTA, LIDERES DA RESISTENCIA DE TIMOR LESTE. HISTORICO DAS TENTATIVAS INDONESIAS DE ANEXAR O TIMOR LESTE. APELO PELA LIBERDADE DO SR. XANANA GUSMÃO, QUE ESTA PRESO EM JAKARTA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA EXTERNA.:
  • REGOZIJO COM O ANUNCIO DOS GANHADORES DO PREMIO NOBEL DA PAZ, OS SRS. DOM CARLOS FILIPE XIMENES BELO E JOSE RAMOS-HORTA, LIDERES DA RESISTENCIA DE TIMOR LESTE. HISTORICO DAS TENTATIVAS INDONESIAS DE ANEXAR O TIMOR LESTE. APELO PELA LIBERDADE DO SR. XANANA GUSMÃO, QUE ESTA PRESO EM JAKARTA.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 18/10/1996 - Página 17163
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ELOGIO, CONCESSÃO, PREMIO, AMBITO INTERNACIONAL, CARLOS FILIPE XIMENES BELO, JOSE RAMOS-HORTA, SACERDOTE, JORNALISTA, LIDER, RESISTENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, TIMOR LESTE.
  • ANALISE, HISTORIA, PRETENSÃO, INVASÃO, ANEXAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, INDONESIA, TIMOR LESTE.
  • COMENTARIO, ENCAMINHAMENTO, DOCUMENTO, EMBAIXADA DO BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, TIMOR LESTE, OBJETIVO, LIBERDADE, XANANA GUSMÃO, LIDER, RESISTENCIA, PRISÃO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu não poderia deixar de registrar, com imensa alegria e especial contentamento, o reconhecimento do Comitê Internacional do Nobel, que decidiu premiar, para 1996, duas figuras históricas, dois grandes líderes que lutam por uma causa que, aos olhos do mundo, ainda está bastante esquecida. Refiro-me a Dom Carlos Felipe Ximenes Belo e José Ramos-Horta, que receberão o Prêmio Nobel da Paz deste ano por seu trabalho na busca de uma solução justa e pacífica para o conflito armado em Timor Leste.

E onde fica Timor Leste? A maioria de nós pouco ou nada ouviu falar desse lugar. Timor Leste é uma ilha localizada ao norte da Austrália, cujos habitantes são nossos irmãos de língua. Colonizada por volta de 1600 por Portugal, toda a sua cultura e a sua história moderna e contemporânea estão assentadas na secular colonização lusitana. Sua identidade étnica, sua religião, sua língua, sua cultura e seus costumes são distintos, nada têm a ver com a "realidade da grande Indonésia", país 250 vezes maior que, em 1975, entendeu por bem invadir com seus exércitos (cujo efetivo conta com um soldado para cada dois civis mauberes) a pequena ilha de Timor Leste e tomá-la para si, anexando-a como a 27ª província indonésia.

Porém, Timor Leste, que recentemente havia logrado ser descolonizada por Portugal (após a Revolução dos Cravos e o fim do fascismo naquele país), estava muito perto de realizar o sonho de tornar-se uma nação livre e soberana. Assim, quando a Indonésia, auxiliada por algumas das maiores potências mundiais, invadiu Timor Leste com o fim de dominá-la e passá-la, desta vez, para o jugo de um regime de opressão militar, o povo ergueu-se, com a força e a coragem de um leão, para resistir ao invasor e buscar sua independência.

E lá se vão mais de 20 anos, pois, que a Indonésia tenta ocupar definitivamente aquela ilha, matando, torturando e saqueando o povo maubere. De uma população de aproximadamente 800 mil pessoas, cerca de 200 mil já foram mortas nessa guerra profundamente desigual, caracterizando um verdadeiro genocídio.

Porém, como eu já havia ressaltado anteriormente, poucos ouviram falar de Timor Leste. E por quê? Se outras invasões mereceram destaque e repúdio da comunidade internacional, a exemplo do Camboja, que foi invadido pelo Vietnã. A exemplo do Kuwait, invadido pelo Iraque, para citar apenas dois exemplos.

A resposta será encontrada, talvez, nos interesses econômicos e políticos que falaram mais alto do que a ética, os acordos internacionais de não-agressão e os direitos humanos, fazendo silenciar a diplomacia e a imprensa internacionais.

Timor Leste é riquíssima em petróleo e, às portas da descolonização portuguesa, organizava-se, no que tange a partidos políticos, contrariamente aos interesses da nova ordem mundial ocidental.

Esse é um assunto ao qual já me referi outras vezes desta tribuna. Entendo que não é uma tarefa fácil para o Parlamento debater sobre política externa. Mas é preciso. E é preciso ir além do debate, da assinatura de acordos, de compromissos em papéis.

Enquanto o mundo ignorava a situação de Timor Leste, massacrado por um regime militar de opressão que proibiu, inclusive, que se falasse a língua portuguesa, a brava luta de resistência do povo maubere forjou alguns líderes, que hoje já não podem mais passar despercebidos do mundo, como Xanana Gusmão, talvez o mais ativo, o mais destemido, o mais bravo entre todos, julgado sumariamente por um tribunal indonésio e condenado a 20 anos de prisão, cativo e incomunicável nas masmorras de Jacarta. Outros dois líderes se sobressaíram e, finalmente, estão sendo reconhecidos pela comunidade internacional, a partir do Comitê do Nobel. São as duas figuras históricas às quais me referi, no início do meu discurso, e às quais desejo prestar a minha homenagem: Dom Carlos Felipe Ximenes Belo, cujo trabalho pastoral de orientação, educação e organização comunitária é marcado pela busca da solução pacífica pela causa de Timor Leste; e o jornalista, professor universitário e escritor José Ramos-Horta, que, exilado já há alguns anos da Austrália, tem gestionado incansavelmente junto ao Congresso americano, ao Parlamento europeu, a todos os governantes, embaixadores e diplomatas estrangeiros, no sentido de buscar uma solução pacífica e definitiva para seu país.

O Sr. Pedro Simon - Permite V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Com muito prazer.

O Sr. Pedro Simon - Felicito V. Exª pelo pronunciamento que está fazendo. Não tenho certeza, mas deve ser a primeira vez, nesta oportunidade, que se fala em Timor Leste, no Parlamento brasileiro. Ao longo da história, eu próprio tomei conhecimento dessa questão de maneira mais profunda, quando o então Embaixador do Brasil em Portugal, o Embaixador Itamar Franco, no seu pronunciamento de posse, naquela Embaixada, defendeu que o Brasil devia se posicionar em defesa de Timor Leste. Naquela ocasião, houve críticas veladas ao Embaixador Itamar Franco, que teria feito o que o Itamaraty ainda não tinha feito porque estava agindo com muita cautela nessa matéria. Havia interesses do Brasil junto ao opressor, e o então Embaixador teria tomado, por conta própria, uma posição que deixaria mal o Brasil. Veja que situação estranha! Não mais do que de repente, como muito bem diz V. Exª, o mundo inteiro toma conhecimento do problema de Timor Leste, um problema dramático, cruel: tropas invasoras, com a proteção de grandes potências, com o silêncio e a omissão da humanidade, fizeram a barbárie que fizeram e que estão fazendo. Que bom vermos o Comitê Internacional do Nobel tomando decisões como essa, pela categoria, pela credibilidade, pela seriedade das pessoas que o compõem. O Prêmio Nobel tem esse mérito: o destaque que dá a quem o recebe faz com que o mundo inteiro tome conhecimento do que está oferecendo, do que está fazendo. Às vezes é apenas a consolidação daquilo que o mundo inteiro já sabe, como quando deram o Prêmio Nobel da Paz para o Primeiro-Ministro de Israel e para o Chefe da Província Palestina. Ali houve o reconhecimento de algo que a humanidade acompanhava. Mas, desta vez, não. Desta vez, a humanidade tomou conhecimento, devido à concessão do Prêmio Nobel da Paz, de que existe uma comunidade que está sendo esmagada - V. Exª disse, é dramático isso -, que teve 25% da sua população dizimada; de 800 mil pessoas, 200 mil foram dizimadas. Até a própria língua que eles falam, o português, eles foram proibidos de falar. E, até aqui, o silêncio. O americano, lá pelas tantas, resolve mandar um foguete atacar o Iraque porque não gostou de uma declaração ou sei lá do quê que o Iraque fez. Em Timor Leste, acontece o que está acontecendo e a humanidade não faz nada. Eles são nossos irmãos que falam português, que foram descobertos, como nós, e que têm a identidade da língua conosco. Hoje pertencem à comunidade dos povos de língua portuguesa, como nós. O pronunciamento de V. Exª não deve se esgotar aí. V. Exª deve levar o seu pronunciamento à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, para que possamos secundá-lo; e, se for possível, para que o Senado Federal tome posição, também ele, a favor de Timor Leste. Esse pronunciamento de V. Exª, muito oportuno, muito correto, muito justo, tem o brilho que tem por ser feito por alguém da seriedade e da credibilidade de V. Exª, mas V. Exª não pode ficar só nisso. V. Exª tem que ter, junto com V. Exª, a Comissão de Relações Exteriores do Senado e o próprio Senado. Proponho que V. Exª faça uma moção, para que o Senado a aprove, e para que, através da aprovação dessa moção, possamos levar a nossa solidariedade a Timor Leste. Vamos sair na frente do Itamaraty. Ele pode ter lá as suas razões para achar que tem que ser assim ou assado, mas nós temos a obrigação, do ponto de vista da ética, da moral, de levarmos a nossa solidariedade a um povo que pode ser minoritário, que pode estar esquecido, mas que é irmão, que está sofrendo miseravelmente. Foi linda a atitude dos que concederam o Prêmio Nobel a Dom Carlos Felipe e ao jornalista José Ramos. Que bonito! Não me lembro, na concessão do Prêmio Nobel da Paz, até hoje, de uma repercussão como essa. Primeiro, de surpresa, porque ninguém sabia do que se tratava. Ninguém - confesso a minha ignorância -, 99% das pessoas não tinham ouvido falar em Dom Carlos Felipe e não tinham ouvido falar em José Ramos-Horta. E a maioria não sabia onde ficava Timor Leste, nem o que estava acontecendo ali. E que coisa magnífica! Ao mesmo tempo que foi uma surpresa geral a concessão do Prêmio Nobel a essas pessoas, que representam essa nação, acho que houve uma unanimidade: ninguém tomara conhecimento, mas ao tomar conhecimento daquilo que não sabia, ao ficar sabendo, não bateu palmas. A nós cabe mais do que bater palmas, a nós cabe mais do que o brilhante pronunciamento de V. Exª. Eu gostaria de sugerir a V. Exª que propusesse uma moção, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, para aprovarmos a nossa solidariedade à concessão do Prêmio Nobel à causa de Timor Leste. Meus cumprimentos a V. Exª.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Pedro Simon, e acato a sua sugestão. Esta Casa teve oportunidade de ouvir, através da minha voz, desta tribuna, há quase dois anos, nos meus primeiros dias aqui, um pronunciamento a respeito de Timor Leste. Esta Casa, Senador Pedro Simon, teve oportunidade de receber um representante de Timor Leste, mas não oferecemos a ele uma recepção à altura do que ele significava, e ele foi modestamente recebido nos corredores. Esse mesmo representante de Timor Leste foi recebido, na Câmara dos Deputados, em uma sessão solene, e lá foi levantada de novo essa questão. O meu Partido, o Partido dos Trabalhadores, recebeu esse representante de Timor Leste em uma de suas convenções e tivemos oportunidade de, pela segunda vez, vir à tribuna e falar de Timor Leste, mas não fomos ouvidos - não nós, Partido dos Trabalhadores; não nós, Benedita da Silva. Não fomos ouvidos - nós, o Congresso brasileiro; nós, o Itamaraty; nós, o Governo brasileiro.

E foi necessário que, por outros caminhos, talvez em um reconhecimento do quase anonimato, pudessem, através do Prêmio Nobel da Paz, ser conhecidos como representantes de uma luta que se trava há muitos anos, porque desta tribuna também pedi que o Congresso se manifestasse em favor de Xanana, que estava preso, e que, como Mandela - lembro-me do discurso daquela época -, estava preso pura e simplesmente por defender o seu país, a autodeterminação do seu povo.

V. Exª, com a sua sugestão, faz com que eu sinta maior esperança. Não tanto pelo Prêmio Nobel da Paz, mas pela atitude de V. Exª, pela possibilidade de encontrar no Congresso Nacional, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, no Itamaraty e no Governo Federal apoio para somar à nossa manifestação, nessa moção que deverá ser aprovada por nós.

Quero crer que o mundo, finalmente, acordou para a causa timorense. A indiferença e o descaso dos países, mormente o o Brasil, País também de língua portuguesa, não seria mais aceitável frente à luta contra a ocupação ilegal de Timor Leste.

É preciso ratificar com ações positivas o nosso compromisso de garantir a liberdade dos povos, a defesa e os interesses das populações. É preciso concretizar cada vez mais as nossas posições, dando consistência aos acordos que temos defendido.

Em nosso trabalho parlamentar, temos gestionado junto ao Ministério das Relações Exteriores para que o Brasil assuma esse compromisso, firmado na ONU, em apoiar efetivamente e garantir a autodeterminação dos povos.

Notadamente, o Legislativo brasileiro - como bem colocou V. Exª - amplia sua ação nesse sentido, contando atualmente, com a quase unanimidade de parlamentares de todos os partidos que desejam saber um Timor Leste livre e soberano.

Com respaldo nos acordos internacionais sobre direitos humanos, estamos unindo nossos esforços também para buscar a liberdade do líder Xanana Gusmão, cujo único crime foi lutar incansavelmente para defender sua terra do estranho e hostil invasor. Nesse sentido, encaminhamos documento ao Embaixador do Brasil, em Timor Leste, para que acompanhe de perto as condições de Xanana no cárcere.

Estamos também apoiando a participação de representantes da resistência timorense no processo de conversação, sob os auspícios da ONU, no âmbito de suas resoluções aprovadas.

Participamos dos esforços para a criação de um escritório de representação oficial da resistência de Timor Leste, em Brasília, com o intuito de marcar um espaço físico reconhecidamente representativo, que possa gestionar pelos interesses maiores daquele país, aqui na Capital Federal, buscando apoio da sociedade organizada.

Só uma noção muito clara de nacionalidade, de soberania, de perseverança, ousadia e certeza é capaz de explicar a resistência à opressão indonésia, que já dura duas décadas. Fica claro que o povo maubere está decidido a dar a própria vida pela causa da independência. Tanto assim que vem ganhando apoio, inclusive de grande parte da população da Indonésia, que já não agüenta mais a responsabilidade pelo massacre à população da ilha.

Mas a guerra continua, desigual. As atrocidades são inenarráveis e o genocídio é grande. Deus permita que o mundo efetivamente estenda sua mão a esse nobre povo antes que ele seja totalmente massacrado.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/10/1996 - Página 17163