Discurso no Senado Federal

ARTIGO DO JORNALISTA CLOVIS ROSSI, PUBLICADO NA FOLHA DE S.PAULO, DE 14 DE SETEMBRO ULTIMO, INTITULADO 'PARA ENVERGONHAR MAIS', ACERCA DA PALESTRA DO PROFESSOR NORTE-AMERICANO ALBERT FISCHLOW, DEFENDENDO A REFORMA AGRARIA COMO UM DOS INSTRUMENTOS PRIMARIOS PARA MELHORAR A DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NA AMERICA LATINA, PROFERIDA NA CONFERENCIA SOBRE DESENVOLVIMENTO PATROCINADA PELO BID, EM WASHINGTON, NO INICIO DO MES.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • ARTIGO DO JORNALISTA CLOVIS ROSSI, PUBLICADO NA FOLHA DE S.PAULO, DE 14 DE SETEMBRO ULTIMO, INTITULADO 'PARA ENVERGONHAR MAIS', ACERCA DA PALESTRA DO PROFESSOR NORTE-AMERICANO ALBERT FISCHLOW, DEFENDENDO A REFORMA AGRARIA COMO UM DOS INSTRUMENTOS PRIMARIOS PARA MELHORAR A DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NA AMERICA LATINA, PROFERIDA NA CONFERENCIA SOBRE DESENVOLVIMENTO PATROCINADA PELO BID, EM WASHINGTON, NO INICIO DO MES.
Aparteantes
Roberto Freire.
Publicação
Publicação no DSF de 18/10/1996 - Página 17166
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, CLOVIS ROSSI, JORNALISTA, DIVULGAÇÃO, CONFERENCIA, ECONOMISTA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), REFERENCIA, INDICE, DESIGUALDADE SOCIAL, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, AMERICA DO SUL, NECESSIDADE, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, REFORMULAÇÃO, EDUCAÇÃO, AUMENTO, GASTOS PUBLICOS, GARANTIA, EXTINÇÃO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, SIMULTANEIDADE, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO CARENTE.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 14 de setembro, o conceituado Jornalista Clóvis Rossi publicou, na Folha de S.Paulo, um artigo de sua autoria, intitulado "Para envergonhar mais".

Nesse artigo, ele se referiu a uma palestra, proferida pelo economista americano Albert Fischlow - hoje, um pesquisador do Conselho de Relações Exteriores, mas que já foi assistente do Secretário para Assuntos Interamericanos -, quando participou de uma conferência no BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Essa conferência foi muito interessante, porque ele teve a oportunidade, em primeiro lugar, de realçar aquilo que já se conhece, que são os péssimos indicadores de distribuição de renda da América Latina. Ele considera esse modelo de renda extraordinariamente desigual e o pior do mundo.

Nessa conferência, dia 5 de setembro, onde se encontravam muitos economistas, muitos funcionários de instituições internacionais, ele afirma, segundo material que pude colher na agência de informações dos Estados Unidos - USIA-, que o setor público e o privado precisam fazer mais para ajudar o grande número de pessoas, que habitam nessa região, classificadas como pobres. Aponta como uma das condições para isso a realização de uma reforma agrária, mas, segundo ele, para uma melhor distribuição de renda, é preciso, primeiro, compatibilizar o sistema com a economia de mercado. Mas não basta isso, é preciso fazer uma redistribuição de terra.

A terra permanece claramente como o mais valioso bem utilizado no passado. E cita o exemplo da Coréia e de Taiwan, países que mostram hoje um grande dinamismo econômico, com uma mudança para melhor na distribuição de renda. E tudo isso foi precedido de uma reforma agrária.

Para ilustrar sua teoria, compara a situação da China e do Vietnã, que fizeram também uma reforma agrária, mas imposta, e diz que o dinamismo da economia só ocorreu depois que as pessoas passaram a ter incentivo para prosperar, para desenvolver suas potencialidades e oportunidades, para produzir e aumentar sua produtividade.

No regime comunista restrito, mesmo a redistribuição de terra não foi capaz de produzir o dinamismo da economia. O que ele quer dizer com isso? A redistribuição de terra, ou seja, a realização de uma reforma agrária é fundamental, é básica, é essencial para que haja uma melhoria da distribuição de renda, desde que isso seja acompanhado de alguns instrumentos da economia de mercado para incentivar a produção, o crescimento individual e para que haja oportunidade de a pessoa desenvolver suas potencialidades.

Esse pensamento é ilustrado com dois exemplos: de um lado, a Coréia e Taiwan, que fizeram uma reforma agrária dentro de uma economia de mercado; de outro, a China e o Vietnã, que fizeram uma reforma agrária dentro de um sistema comunista ortodoxo e só vieram a obter alguns ganhos, do ponto de vista do progresso e do desenvolvimento, quando concederam alguns estímulos de mercado para a sua população.

De qualquer maneira, ele faz questão de realçar que não é possível se obter redistribuição de renda, melhoria do perfil de redistribuição de renda sem que se faça uma reforma agrária.

O Sr. Roberto Freire - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, Senador Roberto Freire.

O Sr. Roberto Freire - Senador Lúcio Alcântara, quero apenas tentar entender e, se for o caso, talvez contestar a análise, depois de conhecido todos os resultados - e aí com o risco de se perder a perspectiva histórica. O problema da distribuição de renda dos chamados países do socialismo real, a partir da reforma agrária, foi talvez um dos mais profundos e até profícuos de que se tem conhecimento, do ponto de vista econômico na história. Talvez ele esteja fazendo uma análise da derrocada dessa organização social e desses sistemas, quando o sistema entrou em crise total. No momento em que se realizou a reforma agrária - ou talvez ele possa não ter feito essa mediação histórica -, o dinamismo que se deu na economia assombrou o mundo e foi uma das economias que mais cresceram. Talvez, comparada a ela, só o Brasil, com a perversa concentração de renda. Os indicadores de crescimento econômico dos países socialistas, durante a década de 30, logo depois do pós-guerra, foram impressionantes, em função inclusive também da distribuição de terra. O que ocorreu? Essas economias não tiveram o dinamismo em relação ao problema da competitividade, da economia de mercado e de algo que era importante fazer para a transformação e que foi pensado, inclusive por alguns marxistas, socialistas e membros do próprio Partido Comunista em países do bloco soviético - cito dois: Oskar Richard Lange e Ota Cik, que ficaram conhecidos no Brasil, um com a econometria, através de livros aqui traduzidos. Eles falavam da questão do mercado como uma necessidade mesmo nas economias planejadas e centralizadas, como eram aquelas. Ou seja, talvez ele esteja fazendo uma análise do final drástico, da derrocada do sistema, ao invés de analisar da forma que deveria, do ponto de vista da perspectiva histórica. Nesses países, a reforma agrária também foi fundamental para a distribuição de renda e significativa para o dinamismo da economia. Senador, eu quis apenas fazer essa pontuação e mediação histórica.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Senador Roberto Freire, infelizmente não tenho o texto completo, o qual pretendo obter, da palestra do Fishlow, mas acho que V. Exª fez uma síntese que, pelo que se lê aqui, neste resumo, é exatamente o seu ponto.

Primeiro, é condição sine qua non: sem a redistribuição de terra não há perspectiva de redistribuição de renda, de melhoria desses indicadores.

Segundo, ele toma aqui os exemplos da Coréia, de Taiwan, da China e Vietnã. Se isso ocorreu na década de 30, não podemos ignorar, como V. Exª acaba de ressaltar, que há um período recente de grande crescimento da China e do próprio Vietnã, por exemplo, que até pouco tempo estava mergulhado numa guerra sangrenta, quando se apropriaram de alguns instrumentos, de alguns mecanismos da economia de mercado e que lhe deram competitividade, lhe deram aumento de produção. Realmente, é um dinamismo recente, inegável, nessas economias.

O Sr. Roberto Freire - Senador, o que eu queria pontuar é que quando, Cuba e China, por exemplo, fizeram reforma agrária, distribuíram drasticamente a renda, talvez como ninguém possa ter feito. E, naquele momento, houve dinamismo da economia. E o que aconteceu foi o esgotamento do modelo centralizador...

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Exatamente.

O Sr. Roberto Freire ...e não um problema com a reforma agrária, talvez como modelo do ponto de vista industrial, porque a crise dessas economias é a crise industrial - da revolução científica e tecnológica, da incapacidade que teve de competir no mundo. Recordo-me que, durante as décadas de 50 e 60, essas economias socialistas competiam com as economias mais avançadas do sistema capitalista, inclusive na questão da modernidade tecnológica, só que, depois, perderam esse dinamismo e sofreram, no mundo, um gap fundamental. Foram, assim, as primeiras derrotadas pela revolução científica e tecnológica, mas a questão da reforma agrária foi fundamental para dar dinamismo à sua economia e à drástica distribuição de renda.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Resumindo, o que eu pude deduzir do material a que tive acesso foi que a reforma agrária, no entendimento dele, produz resultados muito mais rápidos na redistribuição de rendas quando ela está combinada com certos mecanismos de mercado que promovem um dinamismo da economia e, conseqüentemente, a melhora das condições de vida dessas populações.

Ele faz uma distinção - com a qual podemos ou não concordar - entre reforma agrária imposta, no caso de países de planejamento centralizado, e reforma agrária em países com a economia de mercado.

De qualquer maneira, acho que esse debate irá adiante. Vou obter a íntegra de sua palestra, mas acho - e nisso estamos de acordo - que isso é um pré-requisito.

Não podemos produzir, aqui, debates intermináveis sobre a oportunidade, sobre o mérito de uma política de redistribuição fundiária, de reassentamento de populações, etc, quando parece que mesmo esses economistas, notoriamente vinculados a economias capitalistas de países como os Estados Unidos, defendem, advogam e pregam isso como elemento capital, inicial para que se possa pensar numa política de redistribuição de renda.

Ele associa como pré-requisito, além da reforma agrária, a questão da educação. São os dois fatores que esse economista, nessa palestra que fez no BID, em 05 de setembro, coloca como fundamentais. Chama, inclusive, a década de 80 não só de década perdida, pois acredita que tivemos, na América Latina, mais que uma década perdida, uma geração perdida, porque foi todo um período de marasmo, de falta de desenvolvimento e de condições adversas para que esses países pudessem emergir das dificuldades em que vinham mergulhando. Considera fundamental a terra e a educação, porque somente a redistribuição da terra não iria produzir uma redistribuição de renda, mas deve ser vista como um meio para se atingir a melhor eficiência econômica e, conseqüentemente, também o capital humano. E apresenta um dado interessante: esses produtos da Ásia - e já sabemos disso - só tiveram um grande crescimento do seu Produto Interno Bruto quando também investiram pesadamente na educação. Cita, também, um trabalho com um dado muito interessante: somente 4% das pessoas com treinamento universitário têm chance de se situar nos extratos mais baixos de renda per capita, enquanto que as pessoas sem treinamento universitário têm 56% de chance de ficar nessa faixa da população de mais baixa renda.

Uma das maiores tragédias dos anos 80, diz Fishlow, além das regiões com baixa performance econômica, é a redução dos gastos do governo, que tem agravado essa situação. Por isso, diz que a tendência, a continuar essa situação na América Latina, é o aumento do fosso, da distância entre os que têm e os que não têm; como diz, em inglês: "between haves and have-nots", ou seja, os que não possuem nada e os que possuem muito.

Portanto, chamo a atenção para o fato de que não é apenas uma década perdida de crescimento, mas é potencialmente uma geração perdida. E essa geração perdida seria incapaz de adquirir instrumentos pessoais, de conhecimento, saber e tecnologia, que possam produzir o desenvolvimento e melhorar as suas condições de vida.

Está, portanto, nessa palestra de um economista absolutamente insuspeito e alto funcionário do Governo americano - alguém que vai fazer uma palestra no Banco Interamericano de Desenvolvimento - assinalada, justamente, a necessidade da reforma agrária, ou seja, de uma redistribuição de terra, da educação e de um aumento de gastos do Poder Público, para que se possa caminhar para uma distribuição mais favorável, mais eqüitativa da renda e, conseqüentemente, para a distribuição de um perfil extremamente adverso de separação, dentro da sociedade, dos que possuem alguma coisa dos que não possuem nada.

Não é apenas uma década que se perdeu, mas é uma geração que se pode ter perdido a partir do que aconteceu nesses países da América Latina, na década de 80.

Fiz questão de trazer essas informações ao plenário do Senado porque, muitas vezes, se debate, se discute, se cerca a reforma agrária de radicalismos, de tensões ideológicas, de tensões políticas, mas, no fundo, não é nada mais que um instrumento de modernização da sociedade e do capitalismo, no sentido de se buscar a redistribuição da renda, uma distribuição mais justa, compatível com a sociedade moderna, com a sociedade que quer o bem-estar dos seus membros e dos seus integrantes.

Era o tema que eu queria trazer ao conhecimento do Senado, insistindo nestes pontos: reforma agrária, educação e aumento dos gastos do Governo.

Vemos certos administradores públicos obcecados pela idéia de reduzir gastos do Governo, obcecados pela idéia de reduzir os investimentos do Governo, perseguindo a redução do déficit público, mas às custas do sacrifício de milhões de brasileiros, no nosso caso, que ficam completamente sem condições de vencer a barreira da pobreza, da miséria, em busca de uma situação mais justa, mais condizente com a sua condição humana.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/10/1996 - Página 17166