Discurso no Senado Federal

DEFICIENCIAS DA PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL QUE ALTERA O REGIME DA SEGURIDADE SOCIAL, ENVIADA AO CONGRESSO NACIONAL PELO GOVERNO FEDERAL, APROVADA COM MODIFICAÇÕES NA CAMARA DOS DEPUTADOS E TRAMITANDO NO SENADO, AINDA SEM RELATOR DESIGNADO.

Autor
Guilherme Palmeira (PFL - Partido da Frente Liberal/AL)
Nome completo: Guilherme Gracindo Soares Palmeira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • DEFICIENCIAS DA PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL QUE ALTERA O REGIME DA SEGURIDADE SOCIAL, ENVIADA AO CONGRESSO NACIONAL PELO GOVERNO FEDERAL, APROVADA COM MODIFICAÇÕES NA CAMARA DOS DEPUTADOS E TRAMITANDO NO SENADO, AINDA SEM RELATOR DESIGNADO.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 18/10/1996 - Página 17170
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, ENCAMINHAMENTO, GOVERNO FEDERAL, CONGRESSO NACIONAL, ALTERAÇÃO, REGIME, SEGURIDADE SOCIAL, TRAMITAÇÃO, SENADO.
  • CRITICA, DEMORA, SENADO, DESIGNAÇÃO, RELATOR, EXAME, EMENDA CONSTITUCIONAL, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, ADOÇÃO, DISCUSSÃO, MODELO, SISTEMA, PREVIDENCIA SOCIAL, PAIS, ANTERIORIDADE, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, PROCEDENCIA, GOVERNO FEDERAL.

O SR. GUILHERME PALMEIRA (PFL-AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pela primeira vez, após o período eleitoral, tenho a alegria de ocupar esta tribuna. Volto agora do meu Estado, onde tive o prazer de estar em convívio com o povo, sentir mais de perto os problemas dos quais ficamos um pouco afastados, em determinado momento, para estarmos aqui presentes defendendo os seus interesses.

Mas fiquei assustado quando a imprensa e as Lideranças dos Partidos do Governo, e mesmo da Oposição, só se referiam à reeleição, só se referiam a como e quando deveria ser conduzido o processo de reeleição. Era o único tema que se falava, que se levantava aqui no Senado, na Câmara, no meio político, quando tínhamos e temos reformas constitucionais, tão reclamadas e mesmo exigidas pelos próprios políticos, que pareciam tê-las deixado de lado para se dedicarem só à reeleição. Porém, conforta-me que hoje a coisa pareça superada.

Li declarações do Presidente Fernando Henrique Cardoso de que não parte dele a iniciativa de prioridade ao processo ou à emenda de reeleição e que há outras emendas mais importantes. E uma delas, à que pretendo dedicar uma parte ou o total do tempo que me cabe neste instante, que é a da Previdência, está esquecida, ou me parece estar esquecida. A Câmara aprovou essa emenda, se não me engano, há cerca de dois meses. Aqui, no Senado, ela foi distribuída para a comissão, mas até hoje sem designação de relator. Se queremos a reforma da Previdência, se queremos priorizar reformas constitucionais, não devemos engavetar uma das principais, que é a reforma da Previdência.

Quero ser um dos primeiros a, pelo menos, tocar no assunto da reforma da Previdência. Espero que ela agora possa ter um trâmite mais normal, porque não entendi a não-designação de um relator por dois meses, se é por interesse do Governo ou da Oposição. Não devemos nos esquecer de que acima da Oposição ou do Governo está o interesse daqueles que contribuem ou dos que não podem contribuir, enfim, o interesse da maioria da população marginalizada dentro do processo.

Não sei o que se tem imaginado ou o que se imagina com relação à celeridade das emendas constitucionais, mas, agora, depois de ouvir a posição do Presidente e de Líderes da Oposição, acredito que a reforma da Previdência comece pelo menos a ser examinada e a ter seus prazos regimentais obedecidos, para que cheguemos a uma conclusão: aprovarmos ou não a reforma, com ou sem modificações. Mas alguma coisa precisa ser feita, e a população precisa se informar sobre o que vem ocorrendo. Lamentavelmente, há um silêncio total, tanto por parte do Parlamento, do Senado, como por parte da própria imprensa, que se dedicou quase que exclusivamente a um processo de reeleição, que entendo secundário diante das necessidades do nosso País.

Sr. Presidente, a aprovação, há alguns meses, pela Câmara da Proposta de Emenda à Constituição que altera o regime da Seguridade Social e sua remessa a esta Casa criam para o Senado novas, graves e desafiadoras responsabilidades. Trata-se de um texto que nem atende às expectativas do Governo, nem incorpora as preocupações da Oposição. A única virtude do projeto é, incontestavelmente, a de desagradar a gregos e troianos. É uma circunstância que aumenta o peso de nossa decisão. Todos concordamos em que a reforma é imprescindível, necessária e inadiável. Mas, ao mesmo tempo, todos discordamos do modelo a ser adotado. Parece haver consenso sobre o que fazer, porém dissenso em como fazê-lo, um problema clássico de todo processo decisório no âmbito da política. A única alternativa inaceitável, como em tantos outros desafios similares, é a de não fazermos nada. E é o que vem ocorrendo, Sr. Presidente.

Minha primeira observação baseia-se nos precedentes históricos em relação aos países que, como o Brasil, também tiveram de enfrentar e de resolver essa questão para viabilizar os sistemas previdenciários. Em nenhum dos casos em que o êxito foi obtido, reformas dessa natureza foram executadas em uma só etapa, de uma só vez, e com uma única alternativa. Ao contrário, foram, em geral, como está ocorrendo na França e na Alemanha depois da unificação, realizadas gradual e progressivamente, em face da necessidade de resguardar direitos adquiridos dos que já contribuíram, durante anos, para um regime em que a confiança nas regras estabelecidas é uma componente social indispensável para a legitimação do processo de mudanças. No caso brasileiro, a proposta do Governo parece-me não ter levado em conta esse aspecto ou, pelo menos, não o ressalvou convenientemente à opinião pública, em que também nos incluímos.

Nessas condições, creio ser indispensável frisar, desde logo, como premissa indispensável ao êxito de qualquer iniciativa nessa matéria, que a reforma deve dar tratamento diferenciado aos que se encontram em três condições distintas. Primeiro, aqueles que já se aposentaram e já cumpriram os requisitos para tanto, além de seus dependentes, futuros pensionistas, para os quais as regras não devem e não podem mudar, na medida em que já cumpriram com os requisitos anteriores, como contribuintes, e, por conseqüência, adquiriram direitos inquestionáveis, além de constituírem situações jurídicas perfeitas e acabadas. Segundo, os atuais contribuintes, para os quais é preciso estabelecer uma regra de transição, ressalvando-se os direitos igualmente já adquiridos dentro das regras atuais e prevendo-se, concomitantemente, condições específicas para a expectativa de direito que, incontestavelmente, possuem. Finalmente, as novas exigências para os futuros contribuintes que ingressarem no sistema após a mudança. Sem que esta premissa esteja atendida, fatalmente vamos não só erodir a base de legitimidade da proposta, mas também gerar questionamentos inevitáveis no âmbito do Poder Judiciário. Este requisito é, ao mesmo tempo, uma exigência para a viabilidade política da reforma, para sua conformidade com a ordem jurídica em vigor e para a sua legitimação social.

Minha segunda observação diz respeito à questão do modelo que se pretende adotar. Todos nós sabemos que há três modalidades de sistemas previdenciários. O mais antigo é o modelo chamado de "repartição", em que os encargos dos aposentados são social, proporcional e eqüitativamente divididos pela massa da população economicamente ativa. Ele depende de cálculos atuariais que devem prever a mudança da relação entre o número de contribuintes e o número de beneficiários e no qual a condição necessária, mas não suficiente, é que a quantidade dos primeiros seja sempre maior que a dos segundos.

O segundo modelo é chamado de "capitalização", em que as contribuições são acumuladas, aplicadas de forma rentável e multiplicadas, para que constituam, mais tarde, a taxa de retorno viável em face de cálculos atuariais que também levam em conta a expectativa de vida e o tempo de desfrute dos benefícios. A rigor, o único sistema com essas características é o que atualmente prevalece no Chile. Vigora ainda, sobretudo, nos países capitalistas, em que poderíamos arrolar os Estados Unidos, a Inglaterra e o Canadá, entre outros, como forma de complementação da aposentadoria calcada no modelo de "repartição", usualmente público. A combinação de ambos constitui o terceiro modelo alternativo.

A primeira opção é aquela em que se basearam virtualmente todos os sistemas públicos de previdência, a começar pela grande reforma do Plano Beveridge, da Grã-Bretanha, que é a base do sistema de bem-estar social da maioria dos países da Europa Ocidental. É também a modalidade segundo a qual foi concebido o sistema previdenciário público entre nós, desde a criação dos antigos Institutos e Caixas de Previdência.

Mas não param aí os percalços da Previdência Pública no Brasil. Temos que levar em conta também as mudanças estruturais da própria economia. No período em que os salários estiveram atrelados aos preços, ou seja, entre 1970 e 1995, os rendimentos do trabalho despencaram em relação aos ganhos de capital, passando de 52 a 30% - procuro fazer uma análise numérica do que ocorreu nesse período e como chegamos a esta crise imensa da nossa Previdência.

As transformações estruturais, contudo, não decorreram só da instabilidade econômica, visceral na realidade brasileira. Elas são o resultado também de um dos mais altos índices de informalidade no sistema econômico e no sistema produtivo. Sabemos, pelas Pesquisas Nacionais de Amostragem por Domicílio, que 52 milhões e 600 mil brasileiros ganham até R$500,00, vale dizer, menos de 5 salários mínimos, atualmente. Mas, por outro lado, sabemos também que só 23,5 milhões de trabalhadores têm carteira assinada. Esse índice de trabalho informal, subemprego, terceirizado, por conta própria, e atividades à margem da sociedade talvez só seja superior ao do Brasil em um único país, a Índia, segundo cálculos da OCDE. Estimativas da Receita Federal, com base no giro bancário do antigo Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira, apontam para um montante de R$490 bilhões, algo em torno de 60% do Produto Interno Bruto.

De quem é a responsabilidade por esse quadro generalizado de descalabro, imprevidência e irresponsabilidade, senão do Estado brasileiro que se arrogou o direito de mal administrar um sistema que ele mesmo, por falta de fiscalização adequada, levou à falência? Sob esse aspecto, Sr. Presidente, as sucessivas reformas por que passou o sistema previdenciário brasileiro - que pertence à sociedade e não ao Estado - representaram um enorme retrocesso, na medida em que se aboliu a participação dos empregados e dos empregadores nos Conselhos de Administração e nos Conselhos Fiscais dos antigos institutos. Esse é mais um dos aspectos não tomados em consideração na reforma proposta; não que a participação anterior tenha sido a desejável, mas, pelo menos, era a possível naquelas circunstâncias e, inquestionavelmente, melhor que nenhuma.

Como esse sistema público de repartição faliu em, virtualmente, todo o mundo, nós não podemos pensar em mantê-lo como está concebido, mudando apenas valores, idade, tempo de contribuição e outros requisitos, como se propõe, sob o risco de estarmos mantendo um modelo inviável tecnicamente, impraticável juridicamente, contestável politicamente e injusto socialmente.

Por outro lado, não podemos deixar de considerar que esse modelo foi implantado como um sistema único e público, desde quando foi concebido e aplicado em quase toda parte do mundo. No Brasil, as situações peculiares foram sempre tratadas diferencialmente, como é o caso dos funcionários públicos e dos militares, com a agravante de que, além dessas exceções que sempre foram consideradas, contabilizadas e tratadas como sistemas à parte, não debitados à conta do sistema previdenciário geral, ainda temos as particularidades de nosso modelo federativo que implica na existência de sistemas previdenciários públicos paralelos no âmbito dos Estados e de inúmeros para não dizer de quase todos os municípios. Não apenas em relação a seus próprios servidores civis, mas, ainda, com referência às suas Polícias Militares, no caso dos Estados. Agora, Sr. Presidente, de um só golpe, de uma só vez, num só instrumento, em apenas uma proposta de emenda, se pretende resolver todas essas situações, como se estivéssemos tratando com uma só receita, uma só despesa e a mesma massa de contribuintes e beneficiários. É como se esquecêssemos todas as mazelas do passado, como se omitíssemos todos esses dados e pretendêssemos, com a lei, à revelia da realidade, transformá-las no mais justo, mais equilibrado e no mais perfeito dos modelos previdenciários.

A questão da escolha dos modelos alternativos é vital, na medida em que diz respeito aos respectivos custos. Hoje, à exceção do Chile, não há um único e exclusivo sistema público ou privado puro, de "repartição" ou de "capitalização". O que prevalece, na maioria dos países dotados de sistemas viáveis e de funcionalidade comprovada, é uma combinação de ambos. O Poder público gere, administra com a participação dos contribuintes e dos beneficiários e impõe a todos, de forma compulsória, um sistema público e universalizado, até determinados limites de remuneração e de benefícios que, por ser obrigatório, é aberto a todos e corresponde aos limites de remuneração compatíveis com a renda necessária a uma sobrevivência digna. Acima desse limite, há um sistema livre de capitalização, público ou privado, que se baseia na remuneração e, por conseqüência, no poder contributivo de cada um. A essa parcela da poupança capitalizada, de que o Governo não participa diretamente, o Poder público, em geral, concede algum benefício ou incentivo sempre e quando há interesse em aumentar a poupança interna e fomentar as atividades produtivas.

Sr. Presidente, posta a questão nesses termos, não vejo como possamos discutir e deliberar, de forma razoável politicamente, justa socialmente e exeqüível técnica e juridicamente, sobre a proposta de Emenda Constitucional que há dois meses recebemos da Câmara. Sob a minha ótica, corremos o risco de repetirmos aqui, infrutiferamente, o mesmo e estéril debate que, em termos objetivos, se produziu na Câmara dos Deputados. Como está posto o problema, não poderíamos esperar outro resultado. Não se adapta um modelo confessadamente falido e inquestionavelmente inexequível às necessidades de caixa do setor público. Se persistirmos nessa linha de conduta, poderemos estar criando remendos provisórios, porém jamais uma reforma necessária a uma sociedade que deseja, quer e tem necessidade de se modernizar. Caminhamos no sentido contrário da racionalidade, da lógica, do bom-senso e da viabilidade política em matéria dessa natureza.

O modelo de previdência tem que ser previamente definido, na minha opinião. Seus custos têm que ser estimados, e só depois a lei poderá viabilizá-lo. Exatamente por isso é preciso examiná-lo dentro do contexto mais amplo da reforma fiscal e tributária. É impossível dissociar ambas as questões. Qualquer que seja a alternativa adequada às nossas necessidades e à nossa realidade, qualquer que seja o caminho escolhido, nenhum sistema de Seguridade Social, salvo, talvez, o do Chile, que é uma exceção, como disse anteriormente, ainda assim não inteiramente testada, pode prescindir de uma parte do financiamento público assegurado por toda a sociedade, através do sistema fiscal e tributário. Para isso, Sr. Presidente, temos que conhecer os custos alternativos e saber se a sociedade está disposta a arcar com esses ônus. Temos, portanto, que abstrair das discussões os sistemas desejáveis de outros países, embora a experiência mundial seja valiosa e referencial, para nos atermos aos passíveis de aplicação ao País na atual conjuntura, ainda que não seja um modelo permanente ou definitivo, já que sujeito ao intenso processo de mudanças por que passam a sociedade brasileira e a economia mundial.

Temos, tramitando no Congresso, três propostas alternativas de iniciativa parlamentar que, segundo me parece, nem sequer chegaram a ser consideradas na formulação do modelo adotado sem maiores discussões pelo Governo, que é esse que nos chega. Uma é o projeto do Deputado Eduardo Jorge, que segue a linha igualitária dos modelos clássicos de repartição. Outra, a do Deputado Eduardo Mascarenhas, que propõe a hipótese contrária de capitalização, segundo a capacidade contributiva de cada cidadão e de cada trabalhador. As duas não são incompatíveis entre si, mas, ao contrário, complementares. E é nessa linha que se apresenta a terceira proposta de autoria do nosso colega Senador Roberto Freire e outros Srs. Senadores, que procura conciliar ambos os modelos de previdência, combinando um regime básico unificado e um regime complementar. O que é inconciliável com qualquer das três propostas são os condicionamentos que o projeto do Governo não aborda, isto é as peculiaridades, as particularidades, as exceções, as excepcionalidades e os privilégios.

São alternativas que precisam ser examinadas por nós, não podemos simplesmente nos fixar na proposta do Governo, que todos reconhecem- e até mesmo o próprio Governo - está eivada de erros, repleta de defeitos e não nos levará a coisa alguma, ou simplesmente nos levará a voltar a incorrer em erros nesse setor, que é primordial para a economia, para o trabalhador e a sociedade brasileira.

O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V.Exª um aparte?

O SR. GUILHERME PALMEIRA - Com muita honra, nobre Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - Quero valer-me de sua última observação para assinalar que, talvez, o grande equívoco do Congresso no processo legislativo esteja não apenas em dar preferência às propostas oficiais, mas em lhes dar verdadeiro privilégio. Toda vez em que há uma proposta originária do Executivo e uma do Legislativo, esta é sempre sacrificada, mesmo quando se reconhece sua superioridade. Nessas discussões das emendas constitucionais então isso tem sido reiteradamente visto. Houve situações em que propostas de Deputados e Senadores que visavam restabelecer a forma originária da iniciativa governamental, foram recusadas para que não se alterasse o que foi feito na Câmara. Isso é extremamente lamentável.

O SR. GUILHERME PALMEIRA - Concordo com V. Exª, vamos viver a realidade. Com relação a essas propostas constitucionais que não foram, infelizmente, modificadas e alteradas pelo Senado, na ânsia do Governo - que eu apóio e meu Partido apóia - hoje se reconhece que a causa foi a pressa com que se cobrou do Senado um pronunciamento. O Governo ainda não teve condições de nos remeter propostas de leis complementares, porque está sentindo que elas são imperfeitas.

Na hora em que se fazia um alerta - que V. Exª comandava - chamando a nossa atenção e a do Governo de que era necessário se amadurecer determinadas decisões, passou-se por cima.

Agora, estamos chegando a uma conclusão, quando nos chega essa emenda da Previdência, que o Governo é que quer que venhamos a corrigi-la para que ela volte à Câmara. É uma incongruência e um choque de opiniões que é lamentável e nos expõe. Penso que o Senado já se expôs o suficiente e é hora de podermos dar o brado de presença, mostrando que estamos estudando, mas não nos subjugamos a uma vontade, que é maior.

Sou parlamentarista e volto a defender, sempre que possível, o regime parlamentarista, porque entendo que teríamos alterado essa questão com a maior facilidade. Infelizmente isso condiciona os blocos, os partidos - talvez até entre aspas que se diga isso - a se subjugarem ao desejo maior do Governo, do qual eles fazem parte. O que é lamentável, porque no fim a sociedade é a quem sofre. E nós nos expomos, às vezes, até ao ridículo.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª tem inteira razão. E como V. Exª também eu me filio à fórmula parlamentarista. Note-se ainda a contradição que está ocorrendo. O Governo propôs sucessivas emendas constitucionais, considerando-as indispensáveis à governabilidade e ao desenvolvimento. Quase dois anos decorridos, ele agora faz por medida provisória muitas daquelas transformações que antes declarou só seriam admissíveis por emenda constitucional. Ora, uma de duas: ou as emendas constitucionais eram indispensáveis e não podem ser substituídas por medidas provisórias, ou não o eram. E, então, o Governo perdeu tempo por falta de planejamento, não fazendo em tempo próprio as alterações convenientes.

O SR. GUILHERME PALMEIRA - É verdade, mais uma vez concordo com V. Exª. Lamento que haja essa ânsia de demonstrar a força do Governo para realizar medidas que - imagino eu - são necessárias para o desenvolvimento da economia e dos programas que têm em mente.

Volto a concordar com V. Exª, como na grande maioria das teses de V. Exª, que sempre tiveram o meu respaldo.

O Sr. Josaphat Marinho - É uma honra para mim.

O SR. GUILHERME PALMEIRA - É uma honra poder seguir V. Exª em suas teses e teorias. Na prática, tenho divergido em determinados momentos para seguir uma orientação do meu partido, já que fui um dos fundadores e não posso divergir demais de posições que ele aqui assuma. Não publicamente, mas internamente, tenho sempre manifestado as minhas posições, que continuam vivas e coincidem muito com a de V. Exª. Principalmente quanto ao parlamentarismo, porque lutamos juntos para que ele pudesse ter sido implantado neste País e ainda acho que é uma solução.

O SR. PRESIDENTE (Francelino Pereira) - (Faz soar a campainha)

O SR. GUILHERME PALMEIRA - Sr. Presidente, já encerro. Grato pela advertência.

Há necessidade de uma participação maior do Senado. Não que o Senado não seja atuante, mas que passe a ser mais considerado, mais ouvido e deixemos de baixar permanentemente a cabeça aos desejos da maioria, da qual eu também faço parte, mas temos que ponderar, argumentar e chegar a uma saída, para que os projetos que venham da Câmara, lá aprovados, possamos emendar, levando o nosso ponto de vista.

As reformas são necessárias, são indispensáveis, mas que sejam feitas racionalmente e dentro daquilo que interessa na verdade à Nação, não simplesmente como um desejo de se dar uma demonstração de poder e de força.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. GUILHERME PALMEIRA - Com muita honra, Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Eminente Senador Guilherme Palmeira, V. Exª demonstra, com absoluta precisão, que está havendo uma inversão do processo legislativo, como se fosse possível, amanhã, o Poder Legislativo se transformar no executor das leis, ou seja, adquirir a roupagem do Executivo, como faz agora o Executivo conosco. E o que é mais grave, ainda ontem conversávamos, Senador Josaphat Marinho e eu, vendo uma violência que foi cometida na última medida provisória, quando enxertaram um artigo tratando da aposentadoria dos juízes dos Tribunais Regionais Eleitorais e dos juízes classistas - assunto que está sendo tratado pelo Poder Judiciário. Quer dizer, agora já não mais é suficiente a invasão do Legislativo, ela se dá até no Judiciário. Meu pai usava um termo que vou repetir agora: mamparra. Até parece que os demais poderes, ou seja, o Judiciário e o Executivo, estão sendo constituídos de mamparras.

O SR. GUILHERME PALMEIRA - V. Exª tem toda a razão e, para que isso não ocorra definitivamente, precisamos reagir. Só nós, pois temos um mandato representando não só o povo, mas também os nossos Estados. A nossa responsabilidade exige uma reação.

Amanhã pretendo tecer um comentário, a minha maneira, sobre esse último pacote de medidas do Governo. Recebi ontem a reitora da Universidade Federal de Alagoas. Assustada, dizia que iria pedir sua aposentadoria, já que dispunha de tempo e não queria perder algo que adquiriu nos seus 30 anos de magistério.

Vê-se que isso foi, entre outras, uma medida de impacto, sobre as quais as Lideranças no Congresso não foram ouvidas. Eu conversava há pouco com alguns Líderes e pelo que pude observar ninguém sabia de coisa alguma. Não houve um alerta até para dizer que os direitos adquiridos são intocáveis - como diz a Constituição -, que o direito de cada um não será maculado.

Está havendo uma corrida maior do que a anterior, quando pessoas, em pleno vigor da sua capacidade mental e física, apressaram-se a se aposentar para não perder as poucas vantagens que têm no magistério.

Anteontem foi o Dia do Professor. Falou-se muito sobre isso. Não quero me alongar, mas, na verdade, são injustiças e falta de esclarecimentos. Eu mesmo ainda não consegui ler a medida provisória in totum. Estou começando a analisar ponto por ponto, para poder esclarecer a esses professores, a essa gente que acha que pode ser atingida - talvez nem o seja. O Governo usa a todo momento o seu poder de marketing, de mídia; deveria utilizá-lo para esclarecer ao povo o que é e o que significa essa medida que nós Parlamentares não conseguimos entender ainda. Penso que V. Exªs também não o conseguiram. Espero entender, inclusive para poder dar o meu voto a favor dessa medida; enquanto isso vou estudar e analisar. Em princípio, penso que ela se conflita, como disse o Senador Josaphat Marinho, até com o que tramita, com o que se discute aqui no Congresso.

Encerro, Sr. Presidente, registrando esse meu desconforto em votar uma reforma sobre cuja utilidade e racionalidade não estou convencido e penso que a grande maioria dos Srs. Senadores também não. Temo, por fim, que o debate dessa questão, essencial para a modernização institucional do País, termine, por falta de tempo e disposição, prejudicando mais do que beneficiando um sistema que, por si, já é injusto, ineficiente e discriminador.

Agradeço ao nobre Presidente Senador Francelino Pereira, que dirige a sessão neste momento, para honra minha.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/10/1996 - Página 17170