Discurso no Senado Federal

JUSTIFICANDO O PROJETO DE LEI DO SENADO 105/96, DE SUA AUTORIA, QUE AUTORIZA A PRATICA DA EUTANASIA, A MORTE SEM DOR, NOS CASOS QUE ESPECIFICA E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • JUSTIFICANDO O PROJETO DE LEI DO SENADO 105/96, DE SUA AUTORIA, QUE AUTORIZA A PRATICA DA EUTANASIA, A MORTE SEM DOR, NOS CASOS QUE ESPECIFICA E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/1996 - Página 17308
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, AUTORIZAÇÃO, EXECUÇÃO, INDUÇÃO, MORTE, MOTIVO, DOENÇA.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando cheguei a este plenário, ouvi atentamente as palavras do Senador Lauro Campos e do Senador Edison Lobão, em que víamos o divisor claro de idéias antagônicas, de posições contraditórias. Há pouco, usou da tribuna o nobre Senador Ernandes Amorim, que falou das suas preocupações com a classe garimpeira e de suas decepções e de suas frustrações. É isso que faz desta Instituição a Casa de representação dos Estados brasileiros.

O assunto que me traz a esta tribuna, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é muito importante. Ele diz da finalização da caminhada ou - quem sabe? - do início de uma outra.

Há pouco, eu analisava os grandes sonhadores, os grandes filósofos, os grandes pensadores, quando Thomas Moore imaginava uma sociedade igualitária, onde todos teriam o direito - quem sabe? - de ir a um gigantesco supermercado e pudessem se servir dentro das suas necessidades.

Karl Marx e Engels, então, teorizaram quando a sociedade partia para uma fase importante de transição, que se deu com a Revolução Industrial.

Capitalistas e socialistas se digladiaram e se digladiam ainda na pessoa dos saudosistas, mesmo tendo em vista as experiências já vividas.

No entanto, algo que foi e é importante - e talvez tenha sido o grande erro de Karl Marx - diz respeito ao fato de não se ter avaliado a espiritualidade, o discernimento e a inteligência do homem, como ser indomável, criativo e transformador.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto que me traz aqui, diante de tantas frustrações, de tantos embates e discussões, quando todos nos envolvemos na busca de alternativas de melhores condições de vida para nossos concidadãos, é de grande importância e diz respeito a todos nós: a morte.

Iremos todos, de uma forma ou de outra, passar por essa fase. Eu vim para discutir sobre a eutanásia. Apresentei um projeto, nesta Casa, que trata desse direito importante do ser humano: o direito do livre arbítrio, o direito de optar. Não entendo como as amarras da sociedade conseguem prender uma das coisas mais importantes da vida que é esse direito de ser, de ter, de fazer e de sentir. A vida é nossa, e a cada um cabe o direito de optar até quando se tem a oportunidade de fazê-lo.

Certa vez, eu fazia uma visita a um hospital e vi um homem moribundo, tetraplégico, só movia os olhos e falava, lúcido, consciente. Abordei-o, e ele me disse que as suas costas estavam cheias de feridas, não conseguia mover os braços e as pernas, os seus familiares o abandonaram, e ele estava vivendo de favores. A dor que sentia era profunda, e o pior era que ele não tinha como resolver aquele problema.

Naquele momento, interpretei e senti a dor profunda daquele cidadão: o direito de optar. Ali, ele ficou por mais seis meses, até falecer.

Imaginem, Srªs e Srs. Senadores, a situação de degradação física e moral a que estava submetido aquele cidadão, por caprichos e dogmas, pela imposição do Estado, que estabelece como crime o direito de optar. Imaginem, Srªs e Srs. Senadores, um homem com Aids, em estado de putrefação, cerceado, amarrado, sem condições de optar. Sabe-se que a ciência não oferece, a curto prazo, perspectiva de recuperação. Tantos exemplos podem ser levados em consideração.

Conclamo os nobres Senadores a uma reflexão, e talvez V. Exªs tenham oportunidade de visitar os hospitais de câncer ou o Hospital Sarah Kubitschek aqui em Brasília. Ninguém tem o direito de tirar a vida de outrem, nem de impedir, por outro lado, o livre-arbítrio. Por esse motivo, ocupo a tribuna pela segunda vez.

Venho da Câmara dos Deputados, onde apresentei um projeto de lei que foi rejeitado. Infelizmente, os lobbies de alguns segmentos, que merecem todo o meu respeito, abortaram o projeto ainda na Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa e não tivemos a oportunidade de debater a matéria em plenário. Hoje, tenho a oportunidade de reapresentar a idéia mais trabalhada, porque tivemos o ensejo de participar amplamente desta discussão.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, observo uma hipocrisia latente. E os próprios dogmas, impostos pela nossa cultura, muitas vezes, nos envolvem e embaçam nossa visão, não nos deixando ver mais além.

De um lado, os religiosos dizem que Deus não permite isso. Ora, Deus é fraternidade; Deus é respeito; Deus é amor; Deus é livre-arbítrio; Deus é o crescimento; Deus é a inteligência.

Todos nós, com exceção daqueles que são vítimas de acidentes fatais, como desastres, ataque fulminante do coração (Parabéns! Não teve muita dor, apenas três ou quatro minutos, cumpriu a sua tarefa e já vai embora), todos nós estamos sujeitos a um triste fim, sem alternativas.

Congratulo-me e associo-me à dor e, em nome dessa dor, trago o meu respeito e levanto esta bandeira, juntamente com tantos outros brasileiros que, numa discussão ampla, se posicionam a favor ou contra.

Notícias de figuras mais importantes sempre vêm à tona pela mídia. O cantor e compositor Renato Russo optou e foi para casa. Foi atendido por seus familiares e por seu médico. Dª Leda Collor passou meses e meses num leito de hospital, quando todos sabiam, pelos laudos médicos, que era um caso consumado - morte cerebral. Por quanto tempo aquela mulher ali ficou? Como ela, milhares de brasileiros vivem nessa situação.

Venho hoje fazer um apelo aos nobre colegas que fazem parte da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania: analisem com carinho a matéria. O projeto está nas mãos do Senador Lúcio Alcântara, Relator, a quem faço um apelo, da tribuna do Senado Federal, e aos amigos da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para que avaliem com carinho esse projeto de interesse de toda a sociedade.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em nome da fraternidade, em nome do amor e do respeito, fica o apelo do Senador Gilvam Borges, que representa tantos outros brasileiros que gostariam de ter esse direito garantido: o direito à boa morte. Vida é quando se tem perspectivas, prazer e horizontes. A vida precisa ser vivida. Quando isso não mais acontece, que se prossiga e se cumpra o destino. Como nada se cria, tudo se transforma, estamos sujeitos e abertos às mudanças.

Na Austrália e em alguns Estados americanos, já se observa a legalização da eutanásia e do direito de o cidadão optar. O Brasil atualmente intensifica essa discussão, que já vem de longa data, antes de eu ter nascido, até no início da história. O direito à boa morte, o direito à morte digna, essa matéria diz respeito a toda sociedade brasileira, a todos nós que vivemos esse momento da história e que fazemos a história.

Fica aqui o apelo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Encerro as minhas palavras, solidarizando-me com todos os brasileiros e com toda a sociedade, de um modo geral, que intensifica essa discussão.

Hoje mesmo concedi algumas entrevistas sobre esta matéria. No domingo, houve também discussão sobre o assunto. É preciso que os nobres Pares façam uma reflexão. Como não conseguimos na Câmara dos Deputados, temos a oportunidade, apesar da tradição conservadora desta Casa, de dar um grande passo para regulamentar esse assunto tão importante e tão delicado que é o direito à boa morte. Quando ela chegar, que descansemos em paz.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/1996 - Página 17308