Pronunciamento de José Sarney em 21/10/1996
Discurso no Senado Federal
CONSTATAÇÃO DO DESANIMO QUE COMETE O POVO NORDESTINO, EM FREQUENTES VIAGENS DE S.EXA. A REGIÃO. DEPLORAVEL FASE DE MARGINALIZAÇÃO DA SUDENE. HISTORICO DAS AÇÕES TOMADAS PELOS GOVERNOS EM RELAÇÃO AO NORDESTE.
- Autor
- José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
- Nome completo: José Sarney
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
- CONSTATAÇÃO DO DESANIMO QUE COMETE O POVO NORDESTINO, EM FREQUENTES VIAGENS DE S.EXA. A REGIÃO. DEPLORAVEL FASE DE MARGINALIZAÇÃO DA SUDENE. HISTORICO DAS AÇÕES TOMADAS PELOS GOVERNOS EM RELAÇÃO AO NORDESTE.
- Publicação
- Publicação no DSF de 22/10/1996 - Página 17313
- Assunto
- Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
- Indexação
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- ANALISE, SITUAÇÃO, ABANDONO, REGIÃO NORDESTE, DECADENCIA, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE).
- HISTORIA, ATUAÇÃO, PROVIDENCIA, GOVERNO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, REGIÃO NORDESTE.
O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos meses visitei com muita freqüência o nosso Nordeste. Tive a oportunidade de verificar, de forma dramática, o estado de espírito da Região. Encontrei as pessoas presas de grande desânimo e forte decepção. Não é um sentimento particular ou localizado; constatei que era um sentimento geral. A Região me deu a impressão de estar perdendo toda e qualquer esperança de sair do atraso e caminhar celeremente para o processo de desenvolvimento.
A Sudene, que em certo tempo foi a tábua de salvação, o centro de formulação de políticas públicas para aquela área, hoje se encontra em uma deplorável fase de marginalização. O crescimento não significa que haja desenvolvimento.
Celso Furtado, o grande mestre, aquele que criou a consciência da existência de um Nordeste com identidade própria, além da geografia, chamava atenção para o perigo desse fato, quando afirmava que a "civilização industrial é elitista". Nunca os seus benefícios, a sua qualidade de vida, estarão à disposição das massas que habitam essas regiões pobres.
O Presidente Fernando Henrique há poucos dias resumia esse diagnóstico ao afirmar que o Estado não foi feito para ajudar os pobres. Sua Excelência, com a autoridade de quem é político de São Paulo, fez essa afirmação.
A idéia de um Nordeste-problema, no passado e no presente, esteve sempre associada à geografia da seca. A visão de um espaço integrado, economicamente caracterizado pelos seus índices de pobreza, sem recursos naturais, sem condições de acolher uma agricultura com níveis de produtividade competitiva é uma visão formulada por Celso Furtado. A ele devemos essa concepção de um espaço nordestino e da luta de que, nacionalmente, essa singularidade fosse entendida pelo Brasil. Não era uma visão de esquerda, era o testemunho da tragédia social daquela região.
Farei um breve histórico do que ocorreu em relação às ações tomadas para o Nordeste.
A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, ao tempo do Governo Getúlio Vargas, encarregada de estudar soluções para o País, sugeriu a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, que veio a ser um núcleo de ações que constituiu a base do que viria a ser o "desenvolvimentismo de JK". O BNDE gerou o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico. Nas recomendações daquele órgão sobre as ações que o Governo deveria tomar, o Nordeste passava muito palidamente e ficava restrito à visão da seca. Por isso mesmo, nesse relatório, apenas eram recomendadas as barragens do rio São Francisco.
Aconteceu a grande seca de 58, que colocou aos olhos do País problemas sociais muito mais sérios, sobretudo a visão de que a seca não é um problema somente climático. No Saara não chove, mas lá não há os problemas sociais que há no Nordeste. Por quê? Lá não existe o homem.
O relatório Ramagem - nome do general encarregado de levantar a tragédia daqueles anos - era um relato objetivo e chocante. O sofrimento milenar da gente nordestina permaneceu o mesmo, e o Brasil não tomava conhecimento dessa desigualdade.
Juscelino, que até então não colocara o Nordeste entre suas preocupações de governo, despertou para o assunto em 1959 e, já no fim, criava a Operação Nordeste.
Na Câmara dos Deputados, um grupo de jovens parlamentares, entre os quais me encontrava, e aqui vejo o Senador Antonio Carlos Magalhães, que fazia parte daquele grupo, clamava dia e noite para que o Governo visse o Nordeste, abandonado e sem fazer parte do planejamento nacional.
Foi, então, que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico, já nos estertores do último ano do Governo Juscelino Kubitschek, recomendava a criação de um órgão que veio a ser a Sudene. Por trás de tudo estava a figura do paraibano Celso Furtado, que, membro do estafe do BNDE, juntamente com o maranhense Inácio Rangel, tinha idéias claras sobre o tema. Dessas idéias nasceu a visão do Nordeste, não a região das secas, o "polígono das secas", mas o Nordeste, essa área de abandono que podia e pode ameaçar a integridade nacional.
Basicamente, com objetividade e racionalidade, propunham-se algumas diretrizes: ampliar a frente agrícola até a parte setentrional maranhense, com inventários florestais e ocupação ordenada das terras devolutas e férteis; melhor utilização dos vales úmidos da própria área seca onde havia "falta d`água e desperdício das terras"; reformular a estrutura fundiária para fortalecer a produção de alimentos, matérias-primas, e caminhar para a industrialização; pesquisar a exploração mineral e recuperar as indústrias tradicionais em fase de extinção; construir uma moderna infra-estrutura de estradas e energia, sem descuidar também da grande meta de formação de recursos humanos, talvez a maior de todas as metas alcançadas dentro da própria Sudene.
É possível que muitos desses problemas tenham perdido o enfoque com que eram visualizados naquele tempo, diante da mudança da situação nacional, da mudança do mundo, da globalização, enfim, de um Brasil que realmente possui uma outra configuração que não a daqueles anos. Mas, evidentemente, não mudou a injustiça da concentração de renda em nível individual e espacial.
Criava-se, naquele tempo, aquilo que se chamou uma "oficina compensatória de sonhos". No Sul, a argumentação era essa. Surgiam as fábricas, a indústria automobilística, a construção naval. E ao Nordeste era dada, naqueles anos, uma grande coisa, que era a esperança, que foi a moeda de troca com o povo nordestino daqueles anos.
Foi um período de verdadeiro renascimento. Todos viveram um novo tempo. Todos nós ficamos convencidos de que iríamos encontrar uma solução para a Região nordestina. Sonhava-se que essas coisas iriam acontecer.
Tivemos bons e excelentes superintendentes da Sudene e, dentre eles, quero destacar o General Euler Bentes Monteiro.
A Sudene, depois de 1960, ampliou seus objetivos. Foi criado o sistema de incentivos, que sobreviveu até hoje pela parceria com o Centro-Sul, que divide com o Nordeste os lucros dessa política. Mas, infelizmente, essa política também não alcançou seus objetivos e hoje precisa ser inteiramente revista, porque os seus resultados não são bons.
Não chegou a era da industrialização que se pensou. Os empregos que deviam ser gerados também não apareceram. A indústria não tem poder competitivo, e hoje o interior do Nordeste despovoa-se, enquanto a miséria cria um cinturão de violência e fome em torno das grandes cidades.
Aqui no Senado, a Bancada do Nordeste, que conhece de perto esses problemas, tem procurado várias vezes estudá-los, dissecá-los e apresentar soluções. V. Exª mesmo, Sr. Presidente, Senador Beni Veras, tem sido um desses formuladores das novas políticas que precisamos para aquela área.
Vivi aqueles tempos passados. Vivi os amargos momentos de tentar manter o suporte de desenvolvimento do Nordeste. Tive, no meu Governo, mais de dez ministros do Nordeste, e tentamos ressuscitar várias políticas. Marcamos essa fase com a interligação do sistema da Chesf com o de Tucuruí. Concluímos a Hidroelétrica de Itaparica e tomamos uma decisão que só um homem do Nordeste na Presidência poderia tomar: de construir a Hidroelétrica de Xingó. A meta de um milhão de hectares irrigados andou bastante, e a ela devemos hoje o Pólo Agroindustrial de Sobradinho, de Jaíba, de Janaúba e de Brumado.
Mas, infelizmente, Sr. Presidente, o projeto de irrigação, tão bem formulado e graças ao qual hoje temos esses pólos agroindustriais do Nordeste, parece que desapareceu. Não se fala mais nele.
Hoje, ao vir para esta Casa, ouvi uma declaração do Sr. Ministro do Meio Ambiente, afirmando que o abandono da irrigação era uma das coisas com as quais ele se encontrava desencantado.
Mas quero fazer algumas perguntas que são de todos nós, com o desejo apenas de levantar o problema: Que política temos hoje para o Nordeste? De que interlocutores dispõe a Região? A quem devemos procurar? O que vamos fazer para afastar esse desânimo e essa descrença, que se misturam com revolta e com um sentimento perigoso de abandono e de separação?
É preciso repensarmos o Nordeste. A Sudene necessita ser reformulada. O Brasil mudou, mudaram as visões mundiais. Deram-nos como moeda de troca a esperança, aquilo que, repito, se chamou a "oficina de sonhos". E, o que pude perceber nas minhas várias andanças pelo Nordeste, foi que está desaparecendo isto que nunca vi acabar naquele povo andarilho e forte: a esperança, a crença. Encontrei os nordestinos mergulhados num profundo desânimo, acreditando que o Brasil hoje somente pensa em outras regiões e não pensa no Nordeste.
Todavia, temos um problema sério. Naquela época, tivemos um homem, Celso Furtado, que era filho da região, técnico do BNDES, membro do Conselho Nacional de Desenvolvimento, homem a quem Juscelino Kubitschek entregou a força política para tomar aquelas decisões. E essas foram tomadas sem retórica e, de algum modo, caminharam.
Hoje, pergunto: onde encontrar um homem sensibilizado em relação ao Nordeste, com aquela bagagem, que naquele tempo encontramos na pessoa do economista e paraibano Celso Furtado?
Termino minhas palavras, Sr. Presidente, algumas delas já escrevi e fiz divulgar pelo Brasil inteiro, mas entendi que seria importante deixar nos Anais desta Casa uma afirmação, que para mim é dolorosa ter de fazê-la, porque para todos nós do Nordeste é muito difícil fazer esta afirmação: naquela área está acontecendo algo de muito grave, pois o povo nordestino está perdendo a única coisa que lhe deram nesses anos - a esperança.
Muito obrigado.