Discurso no Senado Federal

SEMINARIO REALIZADO EM SALVADOR SOBRE A REFORMA DO ESTADO, GLOBALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE, SOB O TITULO NOVO SECULO, NOVO NORDESTE.

Autor
Waldeck Ornelas (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Waldeck Vieira Ornelas
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • SEMINARIO REALIZADO EM SALVADOR SOBRE A REFORMA DO ESTADO, GLOBALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE, SOB O TITULO NOVO SECULO, NOVO NORDESTE.
Publicação
Publicação no DSF de 23/10/1996 - Página 17371
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • SEMINARIO, REALIZAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DA BAHIA (BA), DISCUSSÃO, REFORMULAÇÃO, ESTADO, GLOBALIZAÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, REGIÃO NORDESTE.

O SR. WALDECK ORNELAS (PFL-BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a reforma do Estado e a globalização foram tomadas como referenciais para discutir o desenvolvimento do Nordeste num seminário que se realizou quinta e a sexta-feira passada, em Salvador, numa promoção conjunta do Governo do Estado da Bahia com o Banco Mundial e com o IPEA.

A este Seminário compareceram governadores de Estado, Senadores, Deputados Federais, o vice-Presidente do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe, acompanhado de toda uma equipe de assessoria. Do Governo Federal, os Ministros Pedro Malan, Fernando Catão, Secretário de política Econômica, José Mendonça de Barros. O evento foi encerrado pelo vice-Presidente da República, Senhor Marco Maciel.

Também o meio acadêmico participou dentro de uma simbiose em que o Nordeste se reuniu para discutir os rumos do seu desenvolvimento, dentro dessa nova era de globalização.

Do mesmo modo, foram levadas ao conhecimento e discutidas as experiências de reforma econômica, de reforma de Estado exposta pela ex-Ministra da Economia da Nova Zelândia, Ruth Richardson, e pelo ex-Diretor de Reforma do Estado do Ministério da Economia da Argentina.

Nesse seminário foram apresentados alguns marcos importantes. De um lado, como salientada pelos acadêmicos que participaram de sua realização, a retomada da discussão e do exame, nas universidades, pelos técnicos e pesquisadores da questão regional, que se encontrava em estado letárgico desde que a crise econômica tomou conta deste País.

Com a estabilização da economia, com a abertura econômica e com o novo modelo que está sendo implementado, torna-se necessário avaliar o que se reserva ao Nordeste nesse novo cenário. De outro, foi destacada também a importância de uma articulação política do Nordeste em busca da união e do consenso, para que sejam encontrados e traçados rumos definitivos para a política de desenvolvimento da região, que não pode continuar sendo deixada a sua própria sorte nem podem continuar sendo utilizadas ações tópicas, produzidas ao acaso. É preciso que haja uma identidade de todos, no sentido de perseguir, de buscar, de alcançar alguns objetivos, mas que esses sejam bem definidos.

Nesse sentido, quero ressaltar a importância do trabalho realizado pela Bancada dos estados nordestinos no Senado Federal, que vem desde o segundo semestre do ano passado - há mais de um ano -, trabalhando na busca da construção desse consenso que agora se amplia com a participação dos governadores, do meio acadêmico e de Deputados Federais.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, quero ressaltar o apoio do Banco Mundial. Fomos agradavelmente surpreendidos, no final desse seminário, com o pronunciamento do vice-Presidente, Sr. Rashid Burki, que manifestou a decisão do Banco Mundial de fazer pelo Nordeste aquilo que vínhamos reivindicando há mais de um ano ao BNDES. Aquela entidade vai constituir um fundo para proceder à identificação de oportunidades, à preparação de projetos e à promoção de investimentos privados no Nordeste brasileiro. Essa medida significará, sem dúvida alguma, um apoio da maior importância, para que se possa captar investimentos no exterior, fundamentalmente nos Estados Unidos, na Europa e no Oriente, voltados para o desenvolvimento dessa região que reúne quase 1/3 da população brasileira.

Somos 45 milhões de habitantes, possuindo um PIB superior a US$100 bilhões. No entanto, precisamos ocupar nosso verdadeiro lugar para encontrarmos o desenvolvimento dentro dessa nova realidade e de novas condições.

Quando reivindicamos uma ação pró-ativa do BNDES e a participação do BNDES em investimentos no Nordeste brasileiro. Quanto se perde enquanto Senadores nordestinos reivindicavam uma corporação financeira de investimentos? O que querem é exatamente isto: ver fundos de pensão, ver investidores institucionais voltados para o desenvolvimento da nossa região, aplicando em projetos viáveis, em projetos competitivos, sejam eles projetos industriais, agro-industriais, agrícolas ou projetos de infra-estrutura.

Além do mais, anunciou naquela ocasião o vice-Presidente do Banco Mundial que essa agência multilateral estará aprovando, nos próximos dois anos, investimentos, financiamentos da ordem de mais de US$1 bilhão para aplicação em projetos de governos estaduais e do próprio Governo Federal na região, particularmente na área de recursos hídricos, na área de transportes, na área de combate à pobreza.

Trata-se, por conseguinte, de um momento extremamente importante, porque marca a retomada da discussão da política de desenvolvimento regional, agora num âmbito e esfera mais amplas.

Solicitaria que integrasse esse meu pronunciamento o documento final do Seminário, intitulado "Novo Século, Novo Nordeste", que, aliás, o vice-Presidente Marco Maciel chamou de manifesto, pela natureza do que ele contém. Chama a atenção o documento que este novo contexto traz, um mundo novo, que tanto pode trazer a redenção do Nordeste quanto o agravamento - talvez irremediável - dos seus problemas.

Lerei algumas frases significativas do documento:

      "O Nordeste rejeita, radicalmente, todas as formas de clientelismo, assistencialismo ou engodo como padrão para as relações entre a União e os Estados; ou entre os Estados e os Municípios, ou entre o Governo e o setor privado; ou entre as classes mais e menos aquinhoadas."

      "...necessitamos de um Estado reformado, mas ativo. Um Estado livre de seus focos de ineficiência, libertado do domínio pelas corporações, desobrigado de atuar nos setores diretamente produtivos, em que a iniciativa privada se desempenha muito melhor. Mas um Estado ativo no suprimento de infra-estrutura, no fomento à educação básica e na capacitação de mão-de-obra, na pesquisa tecnológica e no estímulo à adoção, pelas empresas, de técnicas produtivas mais avançadas. ...E só há um caminho que leva ao sucesso nesse campo (o campo da transformação da sociedade nordestina para a modernidade): a competitividade."

Continuo a ler o documento:

      "O Brasil não se habilitará ao reconhecimento pelos outros povos de sua importância como Nação enquanto não forem substancialmente reduzidas as distâncias sociais e econômicas entre suas regiões. É importante que a atual política regional seja substancialmente reformada, e fortalecida, como parte da reforma do Estado. São necessários novos e mais eficazes instrumentos, renovadas instituições. Necessitamos, sobretudo, que as novas idéias penetrem nos corações e mentes dos que governam o País."

Esses tópicos que li, Sr. Presidente, mostram uma abordagem que tem em vista a modernização competitiva do Nordeste. Isso porque, nós, nordestinos, temos a consciência, o conhecimento e convicção de que a nossa região não é apenas um foco de problemas. Por outro lado, ela tem potencialidades que precisam tão-somente ser transformadas em oportunidades efetivas para gerar emprego e renda para os nossos concidadãos e para melhorar as condições de vida desse importante contingente de nordestinos.

Entre os documentos apresentados, quero destacar o texto de Roberto Cavalcanti de Albuquerque, que desenha a proposta de uma nova inserção do Nordeste num duplo sentido: a sua relação com a economia do Centro-Sul e com a economia internacional.

Há necessidade de uma maior abertura da economia nordestina para as exportações e para o comércio internacional, visando a reduzir o alto coeficiente de dependência que há hoje entre a economia nordestina e a do Sudeste, que transmite para o Nordeste todas as crises que ela enfrenta.

É preciso, por conseguinte, reduzir também o déficit do comércio inter-regional do Nordeste, viabilizando uma integração mais ativa e autônoma na economia nacional, tornando a região gradualmente menos dependente, seja da União, seja das flutuações na conjuntura econômica nacional.

Outro texto a que quero fazer referência é o de Gustavo Maia Gomes, que diz respeito ao papel do Estado nesse novo ciclo de desenvolvimento, nesse novo modelo. Diz o autor:

      "Opções modernas como a privatização de empresas estatais e a concessão de obras e de serviços públicos à iniciativa privada devem ser implementadas no Nordeste no limite de suas possibilidades. Receio, entretanto, que essas possibilidades não sejam de imediato muito grandes. E aí devemos ser radicais: o desenvolvimento da região não pode ser freado, retardado ou inviabilizado apenas porque a realidade não se enquadra na ideologia da moda.

      Onde a iniciativa privada não for, o Estado - incluídas suas empresas - deve continuar, se isso for necessário para assegurar o processo de crescimento regional.

Este texto coloca muito bem, Srªs e Srs. Senadores, qual o papel que se desenha, qual o papel que se espera para o setor público na região de menos desenvolvimento relativo, neste momento em que se retrai a ação do Estado - com o que todos concordamos. Mas é preciso que haja uma política de eqüidade no País. Como diz o Presidente Fernando Henrique, o Brasil já não é mais um país subdesenvolvido, o Brasil é um país injusto.

O que queremos é exatamente corrigir essas injustiças nacionais. É preciso que elas sejam enfrentadas, para que possam ser superadas ao longo do processo de desenvolvimento, mas que o seja no prazo mais curto possível.

Qual a importância disso para o País? Exatamente a busca do desenvolvimento equilibrado da Nação. Todos sabemos que o Nordeste reúne um contingente populacional maior do que o somatório da população dos nossos parceiros do Mercosul. Isso representa um potencial de mercado que precisa ser valorizado pelas empresas do Sudeste.

É preciso que o País se dê conta do elevado custo social e econômico que a transferência de população tem. Ainda neste final de semana, coincidentemente depois do seminário, dois jornais de grande circulação nacional publicaram matérias sobre o assunto. O Jornal do Brasil de domingo traz uma reportagem sobre o Rio de Janeiro, que chama de "um Estado de forasteiros" e, na outra, mostra em destaque que a maioria dos migrantes vêm do Nordeste: 42% dos imigrantes para o Rio de Janeiro são nordestinos.

Neste mesmo domingo passado a Folha de S. Paulo fala da favelização que avança no litoral norte de São Paulo. Vejam, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, já não se trata apenas da cidade de São Paulo. Como há uma dispersão das atividades naquela região, o litoral agora recebe hordas de migrantes:

      "O litoral norte de São Paulo, conhecido por suas belas praias, pelas casas que superam facilmente a cifra de R$1.000.000,00 e por reunir a cada verão a nata da sociedade paulistana, está passando por um processo rápido de favelização."

Refere-se ao município de São Sebastião, cuja Secretária de Promoção Social, pressionada e criticada por omissão, diz: "Sinto muito, mas não dá para colocar todo mundo em um caminhão e despachar para o Nordeste. A Constituição lhes assegura o direito de ir e vir". E, na matéria como um todo, identifica-se o Nordeste como a origem desses fluxos migratórios.

Por mais de uma vez, referi-me desta tribuna à necessidade de se definir no País uma política de desconcentração econômica, sobretudo industrial, mas também agrícola, para que possamos ter possibilidade de gerar emprego e renda no Nordeste.

Cito o exemplo do povoado de Mimoso do Oeste, no oeste da Bahia, onde há cinco agências bancárias, uma importante agroindústria de esmagamento de soja e grandes complexos de armazenamento. Recentemente, pude observar um bairro cuja população é oriunda da região de Irecê, que, por causa das secas, perde três safras em cada quatro, ou seja, colhem apenas uma.

Constatamos que um fluxo migratório começa a ocorrer do semi-árido nordestino para o cerrado nordestino, que reúne o oeste da Bahia, o sul do Piauí, o sul do Maranhão e o próprio Estado do Tocantins. Essas localidades formam uma mancha contínua que nunca mereceu por parte do Governo da União uma política específica, direcionada para o aproveitamento das suas potencialidades. Porém, elas vêm prestando serviço no sentido de absorver migrantes e, com isso, evitar o fluxo constante para o Sul e Sudeste. É isso que queremos evitar.

De outro lado, quando se considera a crise dos estados, vemos que o Nordeste dá o bom exemplo. Quando se refere ao saneamento das finanças, dos três únicos estados brasileiros que estão com suas finanças saneadas, dois são nordestinos nordestinos, a Bahia e o Ceará, e o terceiro fica na região Sul, o Paraná. Na privatização e na modernização administrativa, também estão os estados nordestinos avançando. Mas as vistas só se voltam para os que criam problemas, para os que têm alto endividamento em dívida mobiliária e que, por conseguinte, pressionam os juros para cima, pressionam o desequilíbrio fiscal, evitando e impedindo que o Brasil volte a ter, mais rapidamente, elevadas taxas de crescimento, tão necessárias e indispensáveis para gerar empregos para a nossa população.

Não são programas compensatórios que nos interessam. Nós queremos trabalhar na linha das condições de competitividade. E essa contribuição que o Nordeste vem dando para o equacionamento dos problemas nacionais precisa ser fortalecida, precisa do apoio de todos, precisa da consciência nacional. Porque, só assim, superaremos as dificuldades que o País enfrenta.

Queremos um Brasil justo, capaz de oferecer oportunidades a todos os seus filhos, e não excluindo milhões deles, como aqueles que se encontram no Nordeste.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Nordeste já tem um consenso sobre o seu destino. Haveremos de conseguir alcançar os nossos objetivos. E isto será melhor para o Brasil.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/10/1996 - Página 17371