Discurso no Senado Federal

AUTO-REGULAMENTAÇÃO DA CENSURA ENTRE AS EMISSORAS DE TELEVISÃO. INFLUENCIA DA TELEVISÃO NA FORMAÇÃO DO CIDADÃO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO.:
  • AUTO-REGULAMENTAÇÃO DA CENSURA ENTRE AS EMISSORAS DE TELEVISÃO. INFLUENCIA DA TELEVISÃO NA FORMAÇÃO DO CIDADÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 16/10/1996 - Página 17044
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • IMPORTANCIA, PAPEL, IMPRENSA, DEMOCRACIA, CRITICA, EXCESSO, TELEVISÃO, EXPLORAÇÃO, PESSOA DEFICIENTE, VIOLENCIA, SEXO, FALTA, ETICA, DISPUTA, AUDIENCIA, OMISSÃO, FUNÇÃO, EDUCAÇÃO.
  • DEFESA, REGULAMENTAÇÃO, LIMITAÇÃO, RESPEITO, TRADIÇÃO, COSTUMES, SOCIEDADE, RESPONSABILIDADE, MEIOS DE COMUNICAÇÃO.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há uma lenda sobre a memória do brasileiro. Dizem que ela é curta. Nem sempre. Políticos e jornalistas conseguem se lembrar de acontecimentos ocorridos no Brasil pouco mais de vinte anos atrás. Refiro-me à censura que se abateu sobre os meios de comunicação depois de 1968 e só veio a sair das redações durante o governo do ex-presidente Ernesto Geisel.

           Foi um período muito difícil em que havia uma arte de ler jornais. As entrelinhas informavam mais que os longos parágrafos. Existiam listas de assuntos proibidos e de pessoas que jamais poderiam ser citadas. Ninguém pretende retornar a esse tempo, mesmo porque a imprensa livre é um dos pilares sobre o qual repousa a democracia.

           Qualquer tipo, modo ou manifestação da censura é execrável. Todos têm a possibilidade e a oportunidade de expor livremente suas idéias e seus pontos de vistas. Os meios de comunicação se constituem no ponto avançado da sociedade e no instrumento pelo qual o cidadão se informa e passa a ter noção do que ocorre em sua cidade, seu país e no mundo. A imprensa livre, soberana e responsável é essencial para o sistema político em que vivemos.

           Digo isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para que ninguém imagine que estou propondo a volta da censura ao criticar os excessos ultimamente cometidos pela televisão. O apresentador Fausto Silva, o Faustão, mostrou em seu programa de domingo um adolescente capixaba, de 15 anos, chamado Rafael, que pesa dez quilos e mede apenas 87 centímetros. A doença e a deformidade do rapaz foram os motivos que levaram o apresentador a mostrá-lo em situação ridícula para todo o país.

           Antes, em outro canal, o apresentador Gugu Liberato apresentou aos brasileiros os irmãos Fajardo, mexicanos que sofrem de uma doença rara, batizada de síndrome do lobisomem, que cobre de pelos negros o rosto de uma pessoa. Os dois foram expostos à curiosidade pública, apenas em função da deformidade. O programa conseguiu 16 pontos de audiência, segundo o Ibope. O do Faustão, que apresentou o menino Rafael, chegou a 15 pontos de audiência.

           Trata-se de uma guerra pela audiência e pela preferência do espectador. Em nome dessa feroz disputa, as emissoras de televisão estão se colocando acima e além da ética, não respeitam os princípios morais do brasileiro, nem os mínimos conceitos educativos a que devem se submeter. Esses foram os exemplos mais escandalosos da luta pela audiência. Mas todos os dias, em todos os horários, o mesmo fenômeno se manifesta.

           Os programas infantis, normalmente exibidos pela manhã, estão repletos de apelos à violência, de sugestões sexuais e de forte conteúdo consumista. A programação noturna é dominada por cenas de sexo explícito, por violência e o tratamento de assuntos polêmicos do ângulo de certezas inabaláveis. De liberdade completa ninguém desfruta, já lembrava Graciliano Ramos em seu genial texto de Memórias do Cárcere.

           Todos nós somos prisioneiros da gramática, dos bons costumes, da história, da geografia, das circunstâncias e de nossas relações pessoais ou políticas. As emissoras de televisão, no entanto, querem desconhecer essa realidade. Pretendem viver num mundo em que desconhecem as mais elementares regras de convivência harmônica numa sociedade desigual, afetada por problemas diferentes e que vive num subcontinente com costumes e procedimentos diversos.

           O Brasil é diferente em cada uma de suas regiões. Os brasileiros tem seus costumes, suas práticas, suas ingenuidades e seus procedimentos. Não se pode agredir a consciência nacional. Nem se deve impor a crianças ou adultos padrões de comportamento diferentes da nossa história e da nossa tradição. A televisão também possui uma importante missão educativa e de transmissão de conceitos civilizatórios.

           O apelo à violência acaba se transformando em incitamento a assaltos e outros práticas delituosas. O convite ao sexo banaliza o amor. As crianças não possuem as condições necessárias para assistir televisão com o necessário distanciamento crítico. O convite ao consumo desenfreado é, assim, aceito como uma fatalidade da vida e um procedimento absolutamente conseqüente e normal. Essa liberdade que não reconhece limites não existe na Europa, nem nos Estados Unidos.

           Poderia citar vários exemplos, mas vou ficar com o da França. Lá o presidente do Conselho Superior de Audiovisual, Hervé Bourges, só permitiu a renovação das concessões de dois canais de televisão privados depois que estes aceitaram um código de informação ao público. As emissoras são obrigadas a informar, antes de exibir o programa, numa escala de um a cinco, o nível de violência ou de apelos eróticos na programação que será colocada no ar. As emissoras de televisão do sistema público francês também adotaram o mesmo procedimento.

           No Brasil, o sistema de classificação por faixa etária para cinema, vídeo, espetáculos públicos e programação de rádio e televisão é executado pelo Departamento de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça. Mas, diante da avalanche de novos meios de comunicação, da quantidade espantosa de filmes e vídeos em exibição e da multiplicidade de meios de comunicação, o Departamento é minúsculo. É difícil exercer suas funções diante da enormidade de programas, filmes e vídeos a serem classificados.

           A Diretora desse Departamento do Ministério da Justiça, Margrit Dutra Schmidt, afirmou, em recente artigo no Correio Braziliense, que a sua política é a de repassar a responsabilidade da classificação indicativa para os próprios setores e veículos de comunicação. Segundo ela, as redes de televisão já aceitaram a proposta do Ministério e deverão apresentar em breve um esboço de como funcionará esse serviço.

           As emissoras de televisão que distribuem o sinal por assinatura já praticam, em parte, esse sistema. Os canais HBO e Telecine avisam o telespectador do que vai ser mostrado em seguida. Mas, efetivamente, as redes com sinal aberto até agora não tomaram a mesma precaução. Apesar dos esclarecimentos da ilustre Diretora, o fato é que o brasileiro está exposto a um festival de traseiros, pernas, deformidades físicas e apelos à violência. Até agora, essa política não funcionou.

           Há no Brasil, como recentemente lembrou o Senador Bernardo Cabral, além das diversidades de cada região, o problema dos fusos horários. Ou seja, um programa exibido às 22 horas no Rio ou em São Paulo está sendo mostrado, em tempo real, às 20 horas no Acre. As audiências são diferentes. Crianças podem estar vendo aquele filme, ou aquela atração, sem que os pais tenham noção do que será exibido.

           Todas essas circunstâncias levam à necessidade de haver um controle dessa auto-regulamentação, que até agora não funcionou. Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, repito que a liberdade de imprensa é um bem precioso que deve ser mantido em nome das melhores práticas democráticas. Mas a liberdade deve ser exercida para melhor servir e atender ao povo brasileiro. Entre os dois extremos deve recair o bom senso dos exibidores.

           Não é razoável, Sr. Presidente, Srªs e Senhores Senadores, que as crianças de todo o país continuem a ser expostas às cenas de violência, de apelo ao sexo ou persistam presas fáceis diante do convite ao consumismo desenfreado. Em todos os países desenvolvidos do mundo, há limites para o exercício dessas liberdades. E o principal limite é o respeito às tradições e aos costumes da sociedade.

           A auto-regulamentação parece ser o melhor caminho. Deve então ser implantado no menor prazo possível, permanecendo o governo federal com o poder de fiscalizar e impor, quando necessário, as regras do acordo firmado entre as partes. É preciso proteger as crianças, as famílias, em síntese, o brasileiro da ação impensada de alguns homens de televisão que, em busca de mais espectadores, esquecem de seu dever primordial de melhor formar o cidadão brasileiro.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/10/1996 - Página 17044