Discurso no Senado Federal

CAOTICA SITUAÇÃO DA MALHA RODOVIARIA DO PAIS E SUAS CONSEQUENCIAS PARA O DESPERDICIO DA SAFRA DE GRÃOS. PRECARIEDADE DAS RODOVIAS DO ESTADO DE MATO GROSSO.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • CAOTICA SITUAÇÃO DA MALHA RODOVIARIA DO PAIS E SUAS CONSEQUENCIAS PARA O DESPERDICIO DA SAFRA DE GRÃOS. PRECARIEDADE DAS RODOVIAS DO ESTADO DE MATO GROSSO.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/1996 - Página 17259
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • ANALISE, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, REDE RODOVIARIA, BRASIL, ESTATISTICA, CONSERVAÇÃO, ACIDENTE DE TRANSITO, VIOLENCIA, AUSENCIA, RECURSOS, PERDA, ESCOAMENTO, SAFRA, GRÃO.
  • DENUNCIA, EXCESSO, AUMENTO, PREÇO, DOLAR, PAVIMENTAÇÃO, RODOVIA, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT).
  • COMENTARIO, ANALISE, ELISEU RESENDE, DEPUTADO FEDERAL, EX-DIRETOR, DEPARTAMENTO NACIONAL DE ESTRADAS DE RODAGEM (DNER), EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DOS TRANSPORTES (MTR), SITUAÇÃO, RECURSOS, DEFESA, DESTINAÇÃO, PARCELA, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), MANUTENÇÃO, RODOVIA.
  • CRITICA, DEFICIENCIA, POLITICA DE TRANSPORTES, INEFICACIA, ADMINISTRAÇÃO, RECURSOS.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, RODOVIA, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), CARACTERISTICA, EXCESSO, TRAFEGO, TRANSPORTE DE CARGA.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Srª Presidente, Senadora Emilia Fernandes, Srªs e Srs. Senadores, há setenta anos, o então Presidente Washington Luís dizia que governar era construir estradas. Hoje, parece que as rodovias deixaram de ser prioridade nacional. Segundo dados sobre o assunto, a construção de estradas representa apenas três por cento do total de rodovias federais. Além disso, o Governo corre atrás de recursos, cada vez mais escassos, para conseguir pelo menos manter trafegáveis os 65.395 quilômetros de estradas que formam a degradada malha nacional. O patrimônio é alto e corresponde a perto de R$200 bilhões. Para se ter uma idéia da sua grandeza, representa mais de dois terços do Produto Interno Bruto da Argentina.

Vale dizer que o sonho de Washington Luís concretizou-se, mas o que virou realidade, ao longo desses anos, perde-se hoje na burocracia, na improvisação, nos buracos, no mato que invade os acostamentos, nos caminhões que trafegam com peso máximo das cargas acima do permitido, nos acidentes graves que são freqüentes, envolvendo máquinas e homens. São mais de 80 mil acidentes por ano nas rodovias federais, com mais de 50 mil feridos e mais de 12 mil mortos, dos quais, mais de sete mil morrem no local, o que corresponde à queda de 40 aviões "Jumbo" lotados. Na violência delinqüente que paira constantemente em cada trecho, com roubos e assassinatos, e na degradação generalizada dos equipamentos de apoio que davam antigamente mais segurança ao tráfego e aos motoristas, como placas de sinalização, sistemas de comunicações, pontos de parada e postos de abastecimento, concretiza-se, cada dia mais, a barbárie contra a vida.

Segundo o então, hoje ex-Presidente do DNER, Dr. Tarcísio Delgado, a situação da malha rodoviária brasileira está em perigo. Segundo ele, se não conseguimos uma fonte clara e permanente de recursos, haverá um colapso sério no sistema como um todo. O Diretor-Geral diz ainda que 18% da malha viária estão em péssimas condições de uso e mais de 50% estão bem próximos de atingir esta mesma situação.

Ainda nesta manhã, tivemos o privilégio de ver aqui o nobre Senador Edison Lobão abordar, com muita coerência e com muita seriedade, o mesmo problema da situação caótica das rodovias federais brasileiras e da malha viária estadual. Fiquei estarrecido em ver que, nesse Programa lançado recentemente pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, pouco é contemplado daquele programa tão bem elaborado pela Comissão de Obras Inacabadas do Senado, que teve a participação de V. Exª, e que detectou que, com apenas menos de 20% dos recursos totais previstos para novos investimentos no País, iríamos concluir as obras que estão paralisadas em todo o território nacional.

Continuando este assunto das estradas, segundo dados de uma pesquisa da Associação Nacional de Empresas de Obras Rodoviárias - ANEOR, em 1993, mostram que o desperdício com o transporte da safra de grãos do País, causado pela degradação e pela falta de estradas, daria para alimentar toda a população do Nordeste durante um ano inteiro. Diante dessa realidade, é até irônico dizer que no Brasil existe uma tão comentada "campanha contra a fome", com inúmeros "comitês" espalhados pelo País, dando emprego para centenas de pessoas e com mais outras centenas de "intelectuais" vivendo às suas expensas.

Os dados da pesquisa revelam ainda que 20% da safra de 60 milhões de toneladas de grãos colhidos no ano de 1993 foram perdidos no transporte em rodovias. O estudo denominado "Novos Rumos para as Estradas Federais" mostrou que o percentual de quilômetros em bom estado havia caído de 58% em 1988 para 48% em 1992, enquanto os trechos em mau estado subiam de 11% para 20%.

Em relação à questão da geração de recursos para a recuperação, existe uma polêmica dividindo os profissionais da área em duas correntes: os que querem um fundo nacional de recursos apenas para as rodovias e os que defendem um fundo para o setor como um todo.

Segundo o Presidente da ANEOR, José Alberto Pereira Ribeiro, favorável à volta da vinculação de recursos para a conservação de rodovias, houve uma diminuição de preços na construção de rodovias devido à queda de investimentos no setor. A ociosidade da construção de estradas já ultrapassa os 60%, e o preço de construção de um quilômetro está na faixa de um US$500 mil a US$1 milhão, variando com o trecho da estrada.

Isso é um absurdo. Tive o privilégio de ser Governador de Mato Grosso, de 1983 a 1987, e, no meu Governo, com o apoio do Banco Mundial - BIRD -, do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID - e de outros bancos internacionais da linha privada, consegui pavimentar 2.020 quilômetros de estradas no meu Estado - rodovias federais que a União não asfaltava, tendo sido obrigado a fazê-lo, como no caso da BR-163, a Cuiabá-Santarém, da qual pavimentei 750 quilômetros, saindo de Cuiabá até o porto de Santarém. Lamentavelmente, essa obra hoje está paralisada.

No meu tempo de Governador, o preço que se pagava para asfaltar uma rodovia federal era entre US$130 mil a US$200 mil por quilômetro. Convenhamos que houve uma inflação nesse período, nos Estados Unidos, e o dólar sofreu alguma desvalorização. Hoje é estarrecedor que, em relação à mesma estrada, da qual o Governador Júlio Campos asfaltou 750 quilômetros pelo valor de US$130 mil a US$150 mil o quilômetro, o atual Governo de Mato Grosso, do Sr. Dante de Oliveira, do PDT, tenha refeito esses contratos com as empreiteiras a US$550 mil o quilômetro. Meu Deus do céu, algo está errado!

Vejo que nesse setor têm que ser tomadas sérias providências. Esse preço não se justifica, porque, em pouco mais de dez anos, a inflação que houve nos Estados Unidos não foi tanta que justificasse essa correção de mais de 100%, de US$150 mil para US$550 mil por quilômetro. Algo estranho ocorre no "Reino das Maravilhas" das políticas rodoviárias do Mato Grosso.

Em artigo publicado no Correio Braziliense, no dia 10 de março de 1996, o Deputado Federal Eliseu Rezende, ex-Diretor-Geral do DNER e ex-Ministro dos Transportes, dizia que um projeto técnico de uma rodovia prevê que seu pavimento deve ser restaurado a cada dez ou quinze anos, no mais tardar, mediante um reinvestimento de pequenas proporções. Todavia, quando essa manutenção deixa de ser feita no prazo estabelecido, as estradas se degradam e os prejuízos são incalculáveis. Como já vimos, com a destruição, instala-se a desestruturação inevitável de toda a malha, e foi exatamente isso o que aconteceu com as rodovias brasileiras.

De acordo com Eliseu Rezende, no passado, o DNER contava com recursos específicos, provenientes do Imposto Único sobre Combustíveis e Lubrificantes e da Taxa Rodoviária Única. Todavia, com a Constituição de 1988, esses tributos foram substituídos pelo Imposto de Consumo sobre Mercadorias e Serviços - ICMS, incidente sobre derivados de petróleo, e pelo Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotivos - IPVA, ambos arrecadados pelos Estados. Em sua opinião, esperava-se que, com esse repasse de recursos, a administração da malha rodoviária nacional fosse transferida para os Estados, e isso não ocorreu.

O Deputado Eliseu Rezende, que é um especialista no assunto, assegura que é possível salvar as estradas e garante que a solução está na emenda que apresentou à Proposta de Reforma Tributária encaminhada pelo Poder Executivo a este Congresso. Enquanto o Governo propõe a criação de um novo ICMS, incorporado ao Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, a sua emenda defende que as parcelas desse novo tributo, incidentes sobre importação e circulação de petróleo e seus derivados, bem como sobre as prestações de serviços de transportes rodoviário, sejam aplicadas exclusivamente na melhoria, na restauração, conservação e recuperação das rodovias degradadas. Segundo o autor da emenda, sua proposta é extremamente viável porque, além de eficiente, não cria novos impostos e coloca em prática um plano permanente de preservação da malha rodoviária nacional. Os tributos são apenas os preconizados pelo próprio Governo Federal. Além dessas vantagens, a sua efetivação não causaria nenhum ponto de confusão com as atuais arrecadações dos Estados e Municípios. O Deputado preconiza ainda que os usuários devem pagar pelos serviços que lhes são prestados e, em troca, eles utilizarão uma rede viária eficiente e sempre bem conservada. Por outro lado, ficará também garantida a preservação do patrimônio público nacional.

Não é mais possível conviver com a falta de uma política global eficiente em matéria de recuperação e dinamização da malha rodoviária. Não se pode mais admitir a improvisação, o desperdício de recursos, os gastos improdutivos e os erros graves que são cometidos constantemente pelas próprias autoridades do setor.

A título de exemplo, segundo dados divulgados pela imprensa, mais da metade do orçamento do DNER deste ano para conservação das estradas brasileiras será consumido no corte de capim, na limpeza manual de gramados, valetas, sarjetas e meio-fios. Dos R$133 milhões disponíveis neste ano, R$66 milhões deverão ser gastos nesses serviços.

Também entendo que algo está estranho nessa maneira de gastar o pouco recurso que temos.

Um estudo feito pela Diretoria de Engenharia de Obras do DNER sobre os contratos firmados para todo o ano em curso demonstra que apenas R$3,4 milhões do orçamento para conservar estradas serão empregados na operação para tapar os buracos das rodovias federais, ou seja, muito pouco. O mesmo estudo demonstra que o dinheiro para capinar gramados e limpar sarjetas - os R$66 milhões - daria para pavimentar ou conservar cerca de 3 mil quilômetros de estradas, colocando-se uma massa de asfalto de 3 a 5 centímetros sobre todas essas rodovias acabadas.

A síntese da Pesquisa Rodoviária 1995, realizada pela Confederação Nacional do Transporte, deixou-me preocupado. São muito graves as conseqüências socioeconômicas decorrentes do alarmante estado de conservação das rodovias brasileiras. A pesquisa cobriu 15.710 quilômetros de estradas, o que equivale a pouco mais de 30% da malha rodoviária federal pavimentada.

Entre os dias 15 e 30 de abril deste ano, uma nova pesquisa foi realizada com o objetivo de medir a evolução da deterioração das rodovias federais pesquisadas em 1995 e para detectar também o estado de conservação de outros 21.657 quilômetros, totalizando pouco mais de 72% de toda a malha.

Com base nos dados pesquisados em 1995 e 1996, não pôde ser constatada uma melhoria na conservação das rodovias, mas se observou que diminuiu o percentual de rodovias intransitáveis, aumentando o percentual de rodovias que são transitáveis, mas em condições perigosas. Os resultados demonstram, igualmente, que as ações até agora têm sido de caráter meramente paliativo e que se não for definido, em curto prazo, um plano realmente eficiente de recuperação, com recursos satisfatórios, a situação se tornará caótica. Assim, as conclusões mostram que são aproximadamente 11.406 quilômetros com pavimento em estado crítico de conservação, e outros 30.967 quilômetros que em breve estarão na mesma situação, se providências não forem tomadas imediatamente.

A Confederação Nacional do Transporte estima que se as obras de recuperação fossem iniciadas agora seriam necessários recursos da ordem de R$5 bilhões só para deixar a parte de pavimento em bom estado. Por outro lado, se nada for feito, dentro de quatro anos, os recursos necessários para a realização do mesmo trabalho dobrariam e seriam da ordem de quase R$10 bilhões, para recuperar esse grande patrimônio nosso, que vale R$200 milhões, o que significa pouco mais de 5% do seu valor.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as rodovias do meu Estado estão também em estado bastante precário. A Cuiabá-Porto Velho, a tão famosa BR-364, lançada e construída na gestão do saudoso Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, esse grande estadista que também construiu Brasília e ocupou o Nordeste e o Centro-Oeste com grandes obras de desenvolvimento, segundo a pesquisa da Confederação Nacional do Transporte, em uma extensão avaliada em 1.584 quilômetros, mais de 22% estão em péssimas condições. E observem que a pavimentação dessa estrada não é tão velha, tendo sido pavimentada quando era Presidente da República o General João Figueiredo, à mesma época em que fui Governador de Mato Grosso. O Ministro dos Transportes era o grande gaúcho Cloraldino Severo, que muito ajudou o transporte rodoviário no Governo Figueiredo.

Por isso, penso que se trata até de uma obra nova, tendo sido inaugurada em 1984 ou 1985. Essa rodovia tem pouco mais de doze anos de funcionamento e cerca de 13% estão definidos como ruins; 59% da rodovia Cuiabá-Porto Velho, a 364, como regulares; apenas cerca de 6% são tidos como bom e nenhum quilômetro foi registrado como ótimo. Nenhum quilômetro dos 1580km da Cuiabá-Porto Velho!

Eu asfaltei 750 km da Cuiabá-Santarém, da BR-163. Depois fiz uma rodovia estadual até Alta Floresta, com cerca de 900 Km - o Governo de Mato Grosso asfaltou-a na década de 80, quando eu governava o Estado -, e que se encontra em estado regular. Não está bom porque o movimento de carga é muito pesado. A produção do norte de Mato Grosso hoje chega a 3 milhões e 500 mil toneladas, o que significa um movimento muito pesado de carros transportando a nossa safra, embora isso represente apenas 50% da safra estadual. Mato Grosso já colhe anualmente mais de 7 milhões de toneladas de grãos. Apesar dessa classificação, cerca de 60% dessa rodovia encontra-se em situação ruim, no território mato-grossense. Se for incluído o trecho do Estado do Pará, que representa cerca de 1000 km, a estrada está praticamente acabada, dizimada, liquidada, sem qualquer condição de uso.

Na Cuiabá-Porto Velho, os trechos encontram-se críticos entre Figueirópolis do Oeste e Marcos Rondon, Presidente Médici - Ouro Preto do Oeste, Jaru - Alto Paraíso e Candeias Teotônio. Os trechos mais críticos na Cuiabá - Alta Floresta tendem a se agravar em virtude dos transportes de caminhões pesados.

Gostaria, neste instante, de fazer um apelo ao Presidente Fernando Henrique, ao seu Ministro dos Transportes, Alcides Saldanha, e a toda a equipe do DNER, para que tomem providências urgentes no sentido de dar recursos para a recuperação do complexo rodoviário nacional. Trata-se de um pré-requisito dos mais importantes para a retomada do desenvolvimento nacional no Brasil, para a sua inserção no competitivo mercado internacional. Só com estradas bem cuidadas é que seremos capazes de encurtar a distância que nos separa do Primeiro Mundo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/1996 - Página 17259