Discurso no Senado Federal

DEFENDENDO A REJEIÇÃO DA MEDIDA PROVISORIA 1.522, DE 1996, QUE, A PRETEXTO DE CONTER O DEFICIT PUBLICO, EXONERA PESSOAL E EXTINGUE CARGOS.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.:
  • DEFENDENDO A REJEIÇÃO DA MEDIDA PROVISORIA 1.522, DE 1996, QUE, A PRETEXTO DE CONTER O DEFICIT PUBLICO, EXONERA PESSOAL E EXTINGUE CARGOS.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/1996 - Página 17464
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • REJEIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), EXONERAÇÃO, PESSOAL, EXTINÇÃO, CARGO PUBLICO, CRITICA, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, FALTA, RESPEITO, FUNCIONARIO PUBLICO, DETERIORAÇÃO, SERVIÇOS PUBLICOS, QUESTIONAMENTO, REDUÇÃO, DEFICIT, SETOR PUBLICO.
  • CRITICA, GOVERNO, FALTA, PRIORIDADE, COMBATE, SONEGAÇÃO FISCAL, DENUNCIA, MA-FE, DETERIORAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, PESSOAL, SERVIÇO PUBLICO, ESTADO DO AMAPA (AP), CRITICA, ATUAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, profunda indignação me traz hoje a esta tribuna.

A Medida Provisória nº 1.522, recentemente editada pelo Governo Federal e encaminhada à apreciação do Congresso Nacional, expressa todo o desapreço da atual Administração Federal para com seus servidores, os honestos e, em geral, humildes e laboriosos servidores públicos da União.

Em que consiste tal medida provisória? Em nada mais que uma enorme tentativa de exonerar pessoal e extinguir cargos, a pretexto de conter o déficit público. Esse é o verdadeiro alvo da medida provisória, escondido sob o disfarce de uma minirreforma administrativa ou de uma antecipação dessa reforma, que já teve iniciado seu trâmite na Câmara dos Deputados.

Impossível não constatar, de seu mais superficial exame, que se trata não de um meio de aperfeiçoamento do aparelho estatal para torná-lo mais eficaz em proveito dos administrados, mas de um conjunto de medidas tendentes a aliviar o caixa da União.

A verdadeira natureza da famigerada medida provisória, de aparência administrativa, é de ordem financeira e contábil. O que ela pretende, sem coragem de dizê-lo às claras, é poupar numerário à União Federal, nem que seja à custa do sucateamento de sua máquina administrativa, além da deterioração, ainda maior, dos serviços prestados à população.

Conclui-se daí que o MARE, hoje laboratório gerador de tais propostas, não tem nenhuma identidade ou autonomia funcional, nem se preocupa em cumprir suas atribuições legais de propiciar agilidade operacional e eficácia aos serviços públicos. Na prática, o MARE está reduzido à função vil de mero departamento ou de simples Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, e o seu Ministro, rebaixado a tosco guarda-livros da Secretaria do Tesouro Nacional. O triste papel do MARE, cujo titular se desempenha com tanta subserviência, é este: atender sem discussão às demandas da área financeira do Governo, ainda que com a ruína do setor sob sua responsabilidade.

O pior é que mesmo encarada em sua verdadeira natureza - tomar providências de ordem financeira e contábil - a controversa medida provisória é de duvidosa serventia. Isso porque a redução de gastos que eventualmente trará é desprezível frente à dimensão do déficit público, causado pela política suicida de elevação meteórica das taxas de juros levada a efeito pela atual Administração Federal.

Além disso, não são só as despesas do Governo a carecerem de saneamento, mas também suas receitas tributárias e previdenciárias, as quais, estranhamente, não lhe parecem despertar o mesmo interesse.

Esta é a ferida que precisa ser apontada: que importância, ainda que do ângulo estritamente financeiro, podem ter as licenças-prêmios dos servidores, o fato de o substituto de uma chefia não receber o salário do substituído em suas férias, e até mesmo a extinção de alguns cargos frente à gigantesca e escandalosa renúncia de receitas fiscais praticada diuturnamente pelo Governo ao não combater a sonegação, que, conforme estimativas conservadoras, é de um real para cada real arrecadado? Por que nenhuma providência se toma nessa direção, embora se conheça seu impacto sobre as contas públicas, incomensuravelmente mais importantes que o varejo de ninharias trazidas pela medida provisória?

Trata-se, é claro, de decisão política: é mais fácil eleger o servidor como "bode expiatório" dos rombos na contabilidade da União do que executar seus créditos junto aos grandes banqueiros, industriais e empreiteiros do País, fonte mais do que conhecida do patrocínio de candidaturas majoritárias custosíssimas como a do Chefe do Executivo, por exemplo.

Nesse ponto é preciso apontar outra razão subterrânea, não confessada, que dirigiu a mão que assinou a medida provisória ora examinada. Tão importante quanto seu objetivo financeiro é a função político-ideológica da medida provisória. Esta é a primeira e mais profunda inspiração do conjunto de medidas ora combatidas: arremeter contra o Estado brasileiro, tentando caracterizá-lo como coisa imprestável, paquidérmica, inchada e ineficiente, povoada de funcionários parasitas. Este é o cerne, o ser, a substância aristotélica das propostas do Governo: atacar e destruir o Estado mediante o apoucamento de seus servidores.

A mão que demite funcionários públicos é a mesma que privatiza estatais lucrativas, em uma política articulada cujo fim último é a liquidação do Estado nacional. Ao invés de corrigir eventuais falhas e problemas operacionais da máquina pública, na esperança de convertê-la um dia em instrumento de um futuro Estado de bem-estar social, compensada das desigualdades sociais provocadas pelo livre mercado, o que se quer, ao contrário, é fazer uma política de terra arrasada, desmontando o Estado a pretexto de aperfeiçoá-lo, e batizar seus escombros de Estado mínimo, realizando a utopia neoliberal.

O próprio Presidente, em seu discurso de posse, previu, eufórico, como meta-síntese de sua administração, a derrocada do Estado Nacional, ou, em sua expressão literal, "o fim da era Vargas".

Trata-se, pois, de uma morte anunciada, essa agonia dos servidores e da Administração Pública a que assistimos estarrecidos em nosso País.

No caso dessa medida provisória, trata-se do que em Direito Administrativo se conhece como desvio de finalidade do administrador, um vício do Ato Administrativo, definido pelo renomado jurista Helly Lopes Meireles como aquele verificado quando "a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público".

Veja, Sr. Presidente, o caso do meu Estado, o Amapá. Tendo sido Território Federal, o Amapá enfrenta todo tipo de dificuldade para consolidar-se como uma Unidade autônoma da Federação. Para tanto, a Constituição Federal de 1988 previu que, nos dez anos seguintes à instalação do novo Estado, a União arcaria com uma série de gastos a ele relativos, incluindo pessoal. Tal ajuda é absolutamente indispensável, no nosso caso, não só do ponto de vista do funcionamento dos serviços públicos no Estado, mas também do lado social, já que a nossa economia, ainda incipiente, não pode oferecer empregos para todo o seu povo.

Ocorre que, agora, esses espasmos neoliberais do Governo vêm por em perigo o único meio de subsistência de ponderável parcela da população amapaense.

Aliás, antes mesmo da edição da presente medida provisória, o Governo Federal tem procurado demitir, pela via judicial, cerca de 4.500 servidores federais em exercício no Estado.

Num aparente conluio com o MARE, o representante do Ministério Público Federal no Amapá ajuizou, em janeiro deste ano, ação civil pública para excluir da folha de pagamento 1.149 servidores federais, com serviços comprovadamente prestados ao Estado, a pretexto de irregularidades na sua admissão, ocorrida há mais de oito anos.

Nessa ação judicial figuram como réus os próprios servidores, o Estado e a União.

A presumível má-fé, no caso, do MARE e do Ministério Público Federal local decorre do fato de que o Ministério Público Federal, por comando constitucional expresso, não tem, como pretende, o poder de provocar o judiciário nesta matéria, que, por envolver interesse patrimonial exclusivo da União só poderia ser patrocinada pelo órgão próprio, criado pela Constituição Federal de 1988 para tal fim - a Advocacia-Geral da União.

Tanto é verdade que, a folhas tantas do processo, a União pede para figurar no seu pólo ativo, isto é, pede para passar da posição de ré para a de autora, revelando o que é desde logo evidente, ou seja, o interesse na ação não ser difuso da sociedade, mas patrimonial exclusivo da União, que, se condenada em tal feito, sua surpreendente "sanção" seria a de ressarcir-se de recursos pretensamente por ela despendidos de modo irregular.

Seria a mais gostosa condenação da história do nosso Judiciário!

Não contente, há cerca de um mês, volta o Ministério Público Federal do Amapá ao Judiciário denunciando mais 992 servidores federais em idêntica situação, havendo notícias de que o total de servidores acusados de irregularidades chegue a 4.500.

Assim, e por tudo isso, é dever de todos quantos nos preocupamos com um futuro menos madrasto para este País, evitando que se torne um Estado fraco, uma Pátria de desigualdades, um mero entreposto e triste pasto dos interesses internacionais mais egoístas, é dever nosso, repito, rejeitar por grande maioria esta infeliz iniciativa do Governo Federal: a Medida Provisória nº 1.522.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/1996 - Página 17464