Discurso no Senado Federal

ARBITRARIEDADE DAS SUCESSIVAS EDIÇÕES E REEDIÇÕES DE MEDIDAS PROVISORIAS. APELO AO PRESIDENTE JOSE SARNEY PARA QUE COLOQUE EM VOTAÇÃO A PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO QUE TRATA DE MEDIDAS PROVISORIAS, VISANDO PRESERVAR AS PRERROGATIVAS INSTITUCIONAIS DO CONGRESSO NACIONAL. INIQUIDADE DAS MEDIDAS PROVISORIAS 1.522, 1.523 E 1.524, DE 1996, QUE ALTERAM AS LEIS 8.112/90, 8.460/92 E 8.213/91, E QUE DISPÕEM SOBRE A EXTINÇÃO DE CARGOS NO AMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA FEDERAL DIRETA, AUTARQUICA E FUNDACIONAL, TEMA DE FUTUROS PRONUNCIAMENTOS.

Autor
Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEDIDA PROVISORIA (MPV). ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • ARBITRARIEDADE DAS SUCESSIVAS EDIÇÕES E REEDIÇÕES DE MEDIDAS PROVISORIAS. APELO AO PRESIDENTE JOSE SARNEY PARA QUE COLOQUE EM VOTAÇÃO A PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO QUE TRATA DE MEDIDAS PROVISORIAS, VISANDO PRESERVAR AS PRERROGATIVAS INSTITUCIONAIS DO CONGRESSO NACIONAL. INIQUIDADE DAS MEDIDAS PROVISORIAS 1.522, 1.523 E 1.524, DE 1996, QUE ALTERAM AS LEIS 8.112/90, 8.460/92 E 8.213/91, E QUE DISPÕEM SOBRE A EXTINÇÃO DE CARGOS NO AMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA FEDERAL DIRETA, AUTARQUICA E FUNDACIONAL, TEMA DE FUTUROS PRONUNCIAMENTOS.
Aparteantes
Artur da Tavola, Epitácio Cafeteira, Josaphat Marinho, Lúcio Alcântara, Ney Suassuna, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/1996 - Página 17489
Assunto
Outros > MEDIDA PROVISORIA (MPV). ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • CRITICA, MANUTENÇÃO, ARTIGO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, AUTORIZAÇÃO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), MOTIVO, EXISTENCIA, PROJETO DE LEI, LEI DELEGADA, SITUAÇÃO, URGENCIA, EXECUTIVO.
  • DEFESA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, NELSON JOBIM, DEPUTADO FEDERAL, REGULAMENTAÇÃO, EDIÇÃO, TRAMITAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, OPÇÃO, SUBSTITUTIVO, EMENDA CONSTITUCIONAL, LEITURA, PROPOSIÇÃO, JOSAPHAT MARINHO, SENADOR, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA.
  • CRITICA, ATRASO, APRECIAÇÃO, MATERIA, SENADO, SOLICITAÇÃO, APOIO, DECISÃO, LIDERANÇA.
  • ABUSO, EXECUTIVO, EXCESSO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PREJUIZO, TRABALHO, LEGISLATIVO.
  • CRITICA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ALTERAÇÃO, SERVIÇO PUBLICO, OPOSIÇÃO, PRESSUPOSTO, EXECUTIVO, RESPONSABILIDADE, FUNCIONARIO PUBLICO, DEFICIT, SETOR PUBLICO.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB-Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna para tratar de um assunto que eu reputo de natureza político-institucional. Refiro-me à edição das chamadas medidas provisórias, com base no art. 62 da Constituição Federal.

Após a promulgação da Constituição de 1988, na qual foi inserido esse dispositivo, acredito mesmo que, por um equívoco, em se tratando de um instituto de natureza parlamentarista, não poderia ter sido mantido no texto constitucional após a aprovação da emenda presidencialista naquele Colegiado.

O fato é que o art. 62 ali ficou como se fosse uma válvula de escape para atender aos reclamos, sobretudo do Senhor Presidente da República, nos momentos de caráter emergencial, quase que numa substituição aos chamados decretos leis da ditadura.

Isso não se explicava, Sr. Presidente, tendo em vista que, no processo legislativo contido na própria Constituição de 1988, lá estão os chamados projetos de lei delegada que, por si só, satisfariam as necessidades mais urgentes do Poder Executivo.

O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Pois não, Exª.

O Sr. Josaphat Marinho - E V. Exª poderia acrescentar; e ainda pode haver o apelo perfeitamente regular à lei delegada.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Exatamente. V. Exª tem toda razão. Ao invés do uso abusivo da medida provisória, como vem ocorrendo no País após a Constituição de 1988, sobretudo a partir do Governo Collor e, mais acentuadamente, no Governo Fernando Henrique Cardoso, podemos justamente chegar à conclusão a que se refere o aparte de V. Exª, ou seja, que muito do que tem sido feito através de medida provisória, poderia ser proposto ao Congresso, senão através de projeto de lei do Executivo em caráter de urgência, a ser votado em quarenta e cinco dias nas duas Casas, pelo menos através de projeto de lei delegada. O fato é que ficou ali o art. 62 da Constituição.

Ocorreu que, logo após a promulgação da Constituição de 1988, o então Deputado Nelson Jobim, hoje Ministro da Justiça, teve a feliz idéia de apresentar um projeto de lei complementar, que dispõe sobre a edição e o processo legislativo das medidas provisórias previstas no art. 62 da Constituição Federal e dá outras providências.

Esse projeto, depois de muita discussão na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e, sobretudo, no plenário, foi aprovado naquela Casa do Congresso Nacional quase que por unanimidade e veio para o Senado. Desde então, fui um dos que lutaram pela sua aprovação ao lado do Senador Pedro Simon - Relator do Projeto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania -, ao lado do Senador Josaphat Marinho e de quantos outros. Foi, inclusive, solicitado regime de urgência para que este Plenário apreciasse o referido projeto, desde o Governo Collor, sobretudo, em que essa batalha vem se acentuando, mas, infelizmente, nunca conseguimos atingir o nosso objetivo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o então Senador Fernando Henrique Cardoso - que pertencia, primeiramente, ao PMDB e, depois, ao PSDB - era um dos adeptos mais entusiastas pela aprovação do Projeto Nelson Jobim, porque S. Exª procurava justamente regulamentar o uso das medidas provisórias, inclusive definindo o que era urgente e relevante, estabelecendo exceções para que a medida provisória não atingisse determinados temas como, por exemplo, o Direito Tributário.

O fato é que o projeto foi aprovado na Câmara, foi aprovado aqui na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, mas, no plenário, não houve força humana que o fizesse ser aprovado. Toda vez em que entra na Ordem do dia, há uma mão invisível que faz com que chegue à Mesa um requerimento de adiamento, e, no fim, o projeto Jobim não é aprovado.

Depois de muita discussão, chegou-se à conclusão - e nós discordamos desse aspecto da questão - de que não se poderia tratar a matéria por meio de lei complementar - o que é, na verdade, um absurdo, porque nada obsta a que isso ocorra - e que seria melhor recorrer a uma proposta de emenda constitucional.

Várias propostas apareceram, e terminamos por optar por uma proposta que foi objeto de estudo de uma comissão especial, da qual foi Relator o nobre Senador Josaphat Marinho.

S. Exª, após um compromisso público dos Srs. Líderes no Senado, se dispôs a urgenciar a apreciação dessa matéria. Fez um estudo aprofundado, um belo trabalho, e concluiu pela seguinte proposição:

      Emenda nº 1 - Plen (Substitutivo).

      Dispõe sobre a edição de medidas provisórias e dá outras providências.

      Art. 1º O art. 62 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

      Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá editar medida provisória com força de lei, submetendo-a de imediato ao Congresso Nacional, que a examinará no prazo de sessenta dias, se acompanhada de exposição de motivos.

      § 1º Se estiver em recesso, o Congresso Nacional será convocado extraordinariamente, no prazo de cinco dias.

      § 2º Se não for apreciada no prazo de sessenta dias de seu recebimento no Congresso Nacional, a medida provisória perderá a eficácia, desde sua edição, e será convertida em projeto de lei, cuja tramitação obedecerá ao disposto no § 2º do art. 64 desta Constituição.

      § 3º Rejeitada a medida provisória ou recusado o projeto de lei em que ela se converter, o Congresso Nacional a disciplinará, no prazo improrrogável de sessenta dias, as relações jurídicas decorrentes do ato não aprovado.

      § 4º A medida provisória rejeitada não poderá ser reeditada no todo ou em parte.

      § 5º Não serão objeto de medida provisória as matérias:

      I - vedadas à lei delegada, como previsto no § 1º do art. 68 desta Constituição;

      II - de natureza tributária;

      III - relativas ao Direito Penal;

      IV - que forem especificadas em lei complementar.

      § - 6º Somente por lei complementar poderá ser estabelecida norma a respeito da medida provisória, salvo quanto ao processo de sua tramitação.

      § 7º - A medida provisória poderá ser emendada, nos termos estabelecidos pelo Congresso Nacional.

      Art 2º - O § 6º do art. 66 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

      § 6º - Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º o veto será colocado na Ordem do Dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições até sua votação final, ressalvada a matéria de que trata o art. 62, que terá preferência absoluta para apreciação.

Assina o Senador Josaphat Marinho, como Relator, e os demais membros da Comissão.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com esse resultado esperava-se que esse assunto estivesse resolvido nesta Casa. Então, ficamos na expectativa de que a proposição Josaphat Marinho viesse, afinal, à Ordem do Dia para podermos apreciá-la. No entanto, nada disso aconteceu, apesar do reiterado compromisso público dos Líderes. Pelo contrário, a cada momento em que o Senador José Eduardo Dutra, Líder do PT, apresenta um requerimento para incluir, na Ordem do Dia, o projeto de lei de autoria do atual Ministro da Justiça, Nelson Jobim, a justificativa é a de que temos a proposta de emenda constitucional de autoria do Senador Josaphat Marinho, que regula diferentemente da medida provisória. Todavia, essa proposta não vem a plenário para deliberação.

O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço o aparte do nobre Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - Apenas para assinalar que o projeto resultou, não o meu projeto, mas o da Comissão. Porque a idéia inicial que eu havia tido, eu a modifiquei, atendendo a sucessivas sugestões de representantes dos diferentes Partidos, com o objetivo de conciliar. Sou contra medida provisória. Se de mim dependesse, faria apenas um artigo: Suprima-se o art. 62 da Constituição. Mas como aqui não devem prevalecer os objetivos pessoais, concordei com as modificações que foram sugeridas pelos representantes dos diferentes Partidos, inclusive aqueles que apóiam o Governo. Lamentavelmente, quando a comissão aprovou o projeto, começaram as restrições oriundas do mundo oficial.

O SR. HUMBERTO LUCENA - V. Exª tem toda a razão.

E digo mais, nobre Senador, tenho a impressão de que, de certo modo, houve uma esperteza de natureza política - permita-me usar essa expressão, que não é freqüente em meu vocabulário -, porque valeram-se de V. Exª, de sua autoridade de jurista para que esse assunto fosse adiado permanentemente. V. Exª fez, realmente, junto com a comissão, uma obra que honra o Senado, porque essa proposta de emenda constitucional honra o Senado.

Penso como V. Exª, se dependesse de mim, não haveria medidas provisórias no presidencialismo, preferia ficar, no máximo, com as leis delegadas.

O Sr. Epitacio Cafeteira - V. Exª me permite um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Nobre Senador Humberto Lucena, V. Exª traz à Casa um assunto que deveria ser permanentemente em discussão, porque muito envergonha a Casa. A medida provisória foi colocada na Constituição Federal quando ainda não se havia determinado que permaneceríamos no regime presidencialista porque tudo caminhava para o parlamentarismo.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Exatamente.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Quando confirmou-se a permanência do regime presidencialista, a medida provisória passou a ser uma aberração e os Governos foram sempre tentando, cada vez mais, ocupar o espaço do Congresso. Enquanto fazíamos de conta que estávamos legislando, eles continuavam enviando medidas provisórias. Porque o Governo, assim como na época da Revolução, tem maioria no Congresso, as comissões não se reúnem. Posso dizer a V. Exª que 95% das comissões não se reuniram sequer para escolher presidente e relator a fim de apreciar as medidas que estão no Senado. Essas medidas, como se dizia à época da Constituição, caíram no buraco negro. O Congresso não legisla, e o Governo usa a medida provisória. Quero parabenizá-lo porque apresenta este assunto. Como V. Exª, penso que tem razão o nobre Senador Josaphat Marinho, a quem, se fosse dado o bisturi, não hesitaria em lancetar o tumor: suprimiria o art. 62 da Constituição e estava acabada a história. Não quero criticar diretamente o Partido de V. Exª, por uma questão de ética, mas acredito que se deva discutir o assunto primeiro dentro do próprio Partido. Senão vejamos: V. Exª fala que a matéria não é incluída na Ordem do Dia. Não são mais os Líderes que se reúnem para fazer a Ordem do Dia; quem a faz é o Presidente da Casa, que é do PMDB. O trabalho do nobre Senador Josaphat Marinho está nas mãos do nobre Senador José Fogaça, que também é do PMDB. Por isso, acho que a reclamação justa de V. Exª deveria ser primeiro discutida numa reunião da Bancada. Não podemos continuar nesse faz-de-conta. Creia, nobre Senador Humberto Lucena, que tenho uma noção exata da impotência legislativa que domina o meu mandato e o mandato de todos. Lembro-me de que, quando eu era Deputado pelo PMDB, na época da Revolução, fiz uma coletânea que trazia na capa uma fotografia do Congresso e o seguinte título: Onde se pode dizer, mas não se pode fazer. Pois bem, isso mudou, agora, é o povo que escolhe. Mas ainda posso juntar vários discursos sobre medida provisória, colocar na capa o retrato do Congresso e novamente aquele título: Onde se pode dizer, mas não se pode fazer. Parabéns a V. Exª por tratar desse assunto.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Agradeço as palavras de V. Exª, mas devo dizer, nobre Senador Epitacio Cafeteira, como inicialmente procurei explicitar, que, longe de ser um problema partidário e, portanto, do PMDB, esse é um problema institucional, um problema do Senado. Portanto, todos os Partidos deveriam movimentar-se. As Lideranças deveriam reunir-se, pedir um encontro com o Sr. Presidente da Casa, para resolverem esse assunto de uma vez por todas, colocando em pauta, se não o Projeto Jobim, pelo menos a proposta de emenda constitucional elaborada pelo nobre Senador Josaphat Marinho, em nome de uma comissão constituída pela Casa. O que acontece atualmente não pode continuar. V. Exª sabe que as Lideranças têm a sua força, e o Presidente da Casa não pode deixar de levar em conta o apelo das Lideranças.

O Sr. Pedro Simon - As Lideranças têm a sua cota de responsabilidade.

O Sr. Epitacio Cafeteira - A imprensa tem reclamado que é necessário acabar com o privilégio, e não existe maior privilégio do que um Presidente da República ser Executivo e Legislativo ao mesmo tempo. Se os privilégios devem ser cortados, o primeiro a sê-lo deve ser o direito de o Presidente da República legislar sozinho, como hoje faz, por intermédio de medidas provisórias.

O SR. HUMBERTO LUCENA - O que estou sugerindo é que haja uma reunião dos Líderes com o Presidente da Casa, para abordar assuntos dessa natureza institucional, preservando as prerrogativas do Congresso Nacional, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados. Do jeito que está, não será mais necessário o processo legislativo ordinário, visto que quem faz as leis neste País é o Poder Executivo e não mais o Poder Legislativo.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me concede um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Josaphat Marinho - O que se sabe é que o projeto não teve tramitação regular, porque, apesar de aprovado unanimemente na Comissão, o que o Governo quer é a modificação de outros dispositivos da Constituição que lhe aumentem os privilégios. É por isso que ele não teve e nem terá tramitação rápida. O Governo quer conquistar outras vantagens de índole legislativa que lhe dêem poder quase discricionário.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Mas quero crer, nobre Senador Josaphat Marinho, que o Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que como sabemos é um parlamentarista convicto, tem que pôr a mão na consciência e verificar que Sua Excelência anda muito longe de seus sonhos parlamentaristas.

Da maneira que está procedendo, cada vez mais contribuirá para tornar o nosso presidencialismo realmente imperial.

O Sr. Pedro Simon - V. Exª me permite um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA -  Ouço V. Exª, nobre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Ninguém como V. Exª é autoridade para falar sobre essa matéria, uma vez que presidiu a Casa em mais de uma oportunidade e por tantos anos foi Líder de nossa Bancada. V. Exª, como eu, sabe que em termos de presença do Congresso Nacional estamos vivendo um momento dramático. Na verdade, estamos fazendo uma encenação, pois depois de fazermos o movimento das "Diretas Já", depois de elegermos o Presidente da República, depois de fazermos uma Assembléia Nacional Constituinte e depois de termos uma Constituição Federal, não vejo diferença no conteúdo real e concreto entre o Congresso Nacional dos dias de hoje e o Congresso Nacional da época do regime militar. Claro que no regime militar os Congressistas não podiam fazer nada, eram cassados, viviam num regime de violência e de arbítrio. Amanhã, se forem justificar por que no regime militar o Congresso Nacional funcionava sem poderes como funcionou, podia-se argumentar que foi um momento onde o Congresso tentou fazer a sua parte para chegar à democracia. Todavia, atualmente não. E, tem mais. V. Exª salientou esse fato. Isso ocorre somente com o Senado Federal. A Câmara dos Deputados está isenta, porque há muito tempo os Deputados votaram o projeto do Deputado Nelson Jobim, quase por unanimidade, e mandaram para esta Casa. E estamos com o projeto parado desde o Governo Collor. É verdade - como disse alguém aqui atrás - que o Deputado Nelson Jobim agora é Ministro da Justiça. Na pior das hipóteses, se não encontrássemos solução - mas parece que vai sair -, podíamos votar o Projeto Jobim sem emendas e mandar para o Presidente da República vetar. Assim, pelo menos, a culpa não seria mais do Senado. É importante que se diga que a culpa é só do Senado, não é do Congresso e nem da Câmara. Vemos o que está acontecendo com a Vale do Rio Doce, com a legislação permanente; o Presidente da República está governando através de medidas provisórias. E digo a V.Exª que não tenho autoridade para criticar o Presidente, porque, se estivesse no lugar dele, seria muito difícil não fazer a mesma coisa. O Presidente reúne-se com seus Ministros e pode instituir suas decisões imediatamente, através de medidas provisórias, mandando publicá-las no Diário Oficial, que passam a ser leis. Duvido que alguém - V. Exª, eu, ou quem estivesse sentado naquela cadeira - não achasse isso uma maravilha. Vamos cobrar do Governo? Não. E podemos dizer que o Governo está impedindo? Também não é verdade. Não votamos, porque não queremos. Pode até ser que o Governo esteja fazendo pressões, fazendo algumas solicitações, o que está em seu direito. Então, quem está mal não é a Câmara, não é o Congresso, é o Senado Federal. Nunca recebi e nem vi alguém receber coação por parte do Presidente da República para que não se votasse. Repito, não votamos, porque não queremos. E isso é lastimável, Senador. Muito obrigado.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Muito obrigado a V. Exª. E veja, nobre Senador Pedro Simon, fui informado agora pela Assessoria da Mesa de que estão em pauta 63 medidas provisórias para serem votadas pelo Congresso Nacional. Sendo que muitas delas já foram reeditadas cinco, seis, dez, quinze vezes. E uma delas foi reeditada 41 vezes. A Medida Provisória nº 1.481/41, de 1996, que dispõe sobre a desestatização.

O Sr. Epitacio Cafeteira - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Humberto Lucena?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Pois não, nobre Senador Epitacio Cafeteira.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Senador Humberto Lucena, dizem que se trata de uma sabedoria do Governo - para não usar outra palavra - reeditar a medida provisória antes de ela ser votada. Na realidade, podem chamar de sabedoria, mas cada um tem o direito de escolher o adjetivo que quiser. Se o Governo tem 30 dias para ver a medida provisória julgada, não pode reeditá-la antes do seu julgamento. Todas as que estão para ser votadas já estiveram numa outra época. Muitas já foram reeditadas e, hoje, têm outros números. Isso é um nunca acabar. Nobre Senador Humberto Lucena, ouço V. Exª, o nobre Senador Pedro Simon, o Senador José Fogaça, e lembro-me de que éramos do mesmo Partido, o antigo MDB, na época em que o Congresso podia ser fechado pelo Poder Executivo - e mais de uma vez foi fechado. Mas havia mais coragem naquela época. Saíamos sem saber se no dia seguinte voltaríamos para a reunião, mas tínhamos coragem de enfrentar. Somos salvos de incêndio, porque chegamos até hoje no uso de mandatos. Hoje, com tristeza, constato que é verdadeiro o ditado nordestino que diz: Cachorro mordido de cobra tem medo de lingüiça. Explicando, o Congresso ficou tão acovardado com o regime autoritário, que hoje tem medo de lingüiça, ou seja, tem medo de medida provisória e do Executivo, embora esse não possa mais fechar o Congresso, não possa cassar mandatos. Mas o Congresso, especialmente o Senado - quero aqui concordar com o nobre Senador Pedro Simon - não vota. Não queremos votar. O nobre Senador Artur da Távola dizia que, se não houvesse medida provisória, não haveria legislação, porque o Congresso e o Senado não votam. Mas o Senado não vota porque sabe que não adianta votar aqui. Não há sentido vir aqui todos os dias e, num momento como este, não poder votar porque a maioria dos Senadores se retira. Este não é o melhor período para o Congresso Nacional; é um período muito triste. E temos que convir que não deixará marcas na história, porque, na história, ficam pessoas como Tiradentes e como aqueles que resistiram e lutaram pela liberdade. Não votamos o projeto do Ministro Nelson Jobim porque não lutamos pela liberdade do Senado da República e do Congresso Nacional. Senador Humberto Lucena, agradeço a V. Exª por mais esta oportunidade de manifestar-me e de relembrar um tempo em que vivi. Mesmo com toda dificuldade, valeu a pena viver entre companheiros tão corajosos como os que tive no Congresso Nacional!

O SR. HUMBERTO LUCENA - Senador Epitacio Cafeteira, agradeço a V. Exª.

O Sr. Artur da Távola - V. Exª me permite um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Concedo o aparte a V. Exª, com muito prazer.

O Sr. Artur da Távola - Eminente Senador Humberto Lucena, V. Exª está tocando no ponto central de algo muito profundo, que é como conceber o funcionamento do Parlamento na contemporaneidade. Com a experiência de ex-Presidente do Congresso, por certo, V. Exª poderá esclarecer este assunto melhor que todos nós. Tenho a impressão de que estamos diante de um fato inusitado e de difícil elaboração, até por nós mesmos, qual seja, o de que o modelo de funcionamento do Parlamento vigente está em cheque, pelo fato de que os vários apartes e os vários exemplos dados a todo instante nos mostram que este modelo está, naquilo que vem das leis da Física, num processo de entropia, ou seja, num processo interno que acaba por desorganizar o próprio sistema. O grande exemplo é o das medidas provisórias, abordado depois da tão saudável e lúcida provocação de V. Exª. Como Parlamento, efetivamente não podemos conviver com o volume brutal de medidas provisórias pelas quais hoje se legisla. A medida provisória hoje é um instrumento muito mais agudo do que o decreto-lei da ditadura.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Exato.

O Sr. Artur da Távola - Ao mesmo tempo, é preciso que façamos a autocrítica, iniciada pelo Senador Pedro Simon, de verificar que o Parlamento é lento demais na decisão de alguns problemas que são de magna necessidade para a população, principalmente os da área econômica e aqueles que têm por finalidade acelerar o processo de transformação do Estado e das suas relações com a sociedade. Então, ficamos nessa adjuntiva: estamos entre um excesso de medidas provisórias, que efetivamente discrepa da finalidade para a qual a medida provisória foi concebida - a sua urgência e a sua eminente necessidade -, e, se assim não fizer, o Governo ficará impossibilitado de agir porque a dinâmica do Poder Executivo na contemporaneidade é diferente, por isso a dinâmica da decisão legislativa deveria também ser diferente. Creio que a forma de se evitar este choque é uma análise muito funda do modo pelo qual o Congresso funciona. Não penso como o Senador Pedro Simon, que é apenas no caso o Senado, e nem atribuo culpas, e tenho impressão que o vulto do processo é de tal natureza complexo, o vulto de uma administração na contemporaneidade é de tal maneira encrencada, que, ou encontramos formas dessa convivência, ou nós vamos ficar nesse impasse. Somos e somos mesmo meros avalistas de decisões do Poder Executivo. E no caso da medida provisória, acontece exatamente o que disse o Senador Epitacio Cafeteira. Como não adianta reunir a comissão, ela acaba não se reunindo, e como ela não se reúne, a medida provisória acaba não sendo discutida, acaba não sendo sequer votada. Depois ela é de novo enviada ao Congresso, modificada à saciedade pelo Poder Executivo, que vai legislando por aproximação sucessivas. Ora, isso é uma sistemática nova, isso não existia na sistemática brasileira, principalmente na área econômica, quando muitas medidas provisórias vão sendo aperfeiçoadas no processo de envio a cada mês ao Congresso. Tenho a impressão de que não vamos resolver um problema dessa magnitude com velhas fórmulas. Vamos ter que encontrar a maneira de o Congresso funcionar nisso. E é claro que também vai nisso - e eu jogo isto entre parênteses no meu discurso - a "crise do presidencialismo". O presidencialismo é isto: uma ditadura legal da Presidência da República, queira ou não. O próprio poder de veto mostra o tamanho e a dimensão dessa ditadura por mais que o titular seja um democrata, como é o caso do atual. O Presidencialismo é uma ditadura legal do Poder Executivo. O Poder Legislativo é afinal mero referenciador do que o Poder Executivo apresenta. Ele apenas referencia e, às vezes, avaliza, endossa; nada mais. No parlamentarismo, dá-se o oposto: não é o Poder Executivo que tem de legitimar-se perante o Poder Legislativo; o Poder Executivo emana do Poder Legislativo e por ele funciona. Aí, sim, a medida provisória tem cabimento, por delegação direta deste mesmo Poder, que escolhe os Ministros, que aprova o programa de ação. Estamos a viver a crise do presidencialismo de um lado e, de outro, a crise do Poder Legislativo na modernidade. Cumprimento V. Exª, desde já pedindo desculpas por me haver alongado. Mas é que V. Exª tocou com tanta precisão no assunto que, evidentemente, seu discurso vai sendo atrapalhado pelos apartes que V. Exª mesmo provoca, dada a lucidez de seu pronunciamento. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Em absoluto; eu é que saúdo a lucidez do seu aparte que valiosa contribuição dá ao debate da matéria, a qual, como disse e insisto em afirmar, é de nível político-institucional.

Porém, eu gostaria apenas, antes mesmo de dar um aparte ao nobre Senador pelo Ceará, de dizer a V. Exª que a mim me parece sempre haver, na verdade, esse argumento, em certo grau plausível, de que o Legislativo é moroso. Contudo, no caso da medida provisória, o que tem havido é um abuso por parte do Poder Executivo quanto à sua utilização, uma vez que ela foi incluída na Constituição - e, a meu ver, como já disse, por um equívoco, já que se trata de um instituto do parlamentarismo -, apesar do presidencialismo, para atender excepcionalmente a casos de urgência e de relevância.

Ora, tudo se transformou, de uma hora para outra, em urgente e relevante. Essa é a verdade, Senador Artur da Távola. No Governo Itamar Franco, S. Exª chegou ao ponto de, por medida provisória, tratar de matéria de lei complementar, como foi o caso da participação dos empregados no lucro das empresas. Um assunto que deve ser tratado por meio de projeto de lei complementar, mas foi tratado em uma medida provisória, o que é um absurdo.

O excesso de medidas provisórias tem feito com que o Poder Legislativo não tenha mais tempo para apreciá-las. Lembro-me de que, no Governo Sarney, as medidas eram de menor volume, e as comissões se reuniam. Eu mesmo fui Presidente e Relator de várias medidas provisórias, mas depois estouraram tantas e suas reedições se multiplicaram de tal modo, que não há mais tempo para reunir comissão que analise medida provisória.

O Sr. Lúcio Alcântara - V. Exª me permite um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Com muito prazer, Senador Lúcio Alcântara.

O Sr. Lúcio Alcântara - Senador Humberto Lucena, quero fazer um breve aparte, em primeiro lugar, para louvar a preocupação de V. Exª com esse tema, que é fundamental para o Parlamento. V. Exª, como um político tradicional conhece, tem experiência, sabe disso, tanto assim que está ocupando a tribuna para tratar desse assunto. Penso que nenhum político que tenha experiência, responsabilidade, espírito público, desejo de colaborar com o País possa ignorar a necessidade de o Poder Executivo dispor de instrumentos que lhe dêem agilidade, eficiência, rapidez para decidir sobre certas questões. Isso para mim é indiscutível. O que se deve discutir é o limite. Vou repetir em voz alta o que dizia, há pouco, ao Senador Artur da Távola, que concordava comigo: nem mesmo no sistema parlamentarista italiano, de onde, de certa maneira, se tirou o instituto da medida provisória - V. Exª era Constituinte, assim como eu e o Senador Artur da Távola -, existe edição abusiva de medida provisória, como ocorre aqui. Houve a tentação do Executivo de se valer desse instrumento, com a concordância e a passividade do Parlamento, e agora se está abusando da edição de medida provisória. V. Exª diz que elas vinham para a comissão. Eu já desisti e pedi ao meu Líder que não me coloque mais em comissão destinada a apreciar medida provisória.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Mas isso ocorria antes, quando o volume era pequeno.

O Sr. Lúcio Alcântara - O próprio Governo tem interesse em que as medidas provisórias não sejam examinadas. Junta-se o interesse do Governo à passividade do Parlamento, e não se aprecia medida provisória. Espero que o Senador José Fogaça entregue o seu parecer, mas, de antemão, manifesto-me absolutamente contrário à instalação de uma comissão mista permanente do Congresso para isso. Não temos de cuidar de comissão mista; para o Senado isso é péssimo. O Congresso Nacional, que reúne as duas Casas, é uma instituição que deve apreciar o que a Constituição atual permite. Agora, vamos estabelecer prazos e exigir o seu cumprimento. Há artigo da Constituição que estabelece tramitação em regime de urgência para certas matérias, bem como uma série de instrumentos que dão ao Executivo o poder de decidir, com rapidez e eficiência, sobre matérias que exigem providência imediata, mas não transformemos o Legislativo numa casa sem razão de ser, porque os assuntos mais graves e importantes e as mais fundamentais são motivos de medida provisória. Nem V. Exª, nem eu, nem ninguém, por mais atuante, por mais trabalhador que seja, como Parlamentar, não consegue fazer absolutamente nada, neste Congresso Nacional, em matéria de medida provisória. As sessões do Congresso Nacional são verdadeiros "desertos"; não há ninguém; não funcionam. Se V. Exª quiser saber junto à Secretaria da Mesa o que o Congresso Nacional aprovou este ano vai verificar que, com exceção da suplementação de crédito do Orçamento, não aprovou mais nada, nem a apreciação de vetos; foram muito poucos. No meu modo de ver, é um risco optarmos por uma Comissão Mista Permanente para examinarmos medidas provisórias. Temos, sim, que exigir tramitação nas duas Casas, fornecer instrumentos que também não limitem o Poder Executivo da sua capacidade de ação, de tomar as providências e as decisões que o País requer. Volto a repetir, nem um governo parlamentarista assiste a edição e reedição sucessivas de medidas provisórias como acontece no governo presidencialista do Brasil. É um absurdo! Dito por aí afora ninguém acredita, só vendo! Congratulo-me com V. Exª e digo que, nós, do Legislativo, temos uma grande parcela de responsabilidade porque, falamos contra a medida provisória, reclamamos, mas não decidimos nada para fazermos algo justo. Não para impedir o Presidente de governar, porque não seria patriótico e demonstraria a falta de espírito público, mas, para encontrar uma solução, justa e razoável que atenda ao interesse das instituições e a necessidade do País.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Agradeço V. Exª pelo aparte, nobre Senador Lúcio Alcântara.

Ao concordar com seu ponto de vista, digo que o ideal seria que, até o dia 15 de dezembro, votássemos a proposta de emenda de autoria do Senador Josaphat Marinho. Em seguida, procurássemos modificar o Regimento Comum para que as medidas fossem também aprovadas nas duas Casas, separadamente, conforme V. Exª acabou de dizer. Assim, talvez pudéssemos agilizar a sua apreciação.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço o aparte do nobre Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - Seu pronunciamento é por demais oportuno, Senador Humberto Lucena. Lembro que, no dia 05 de novembro, a medida provisória do Proer estará completando um ano. Nela houve grandes investimentos, e essa medida se exaure em seu primeiro aniversário. Isso é mais uma prova de que precisamos tomar uma atitude, haja vista esta MP do Proer que, automaticamente, se findará. Por outro lado, temos medidas provisórias que, no próximo mês de novembro, vão completar 3 anos e 2 meses de provisoriedade. É difícil entender como uma lei provisória possa durar tanto. E se não for aprovada? Como serão os efeitos de todo esse tempo de sua vigência? Creio que V. Exª tem toda a razão. Precisamos tomar uma iniciativa contra esse instrumento.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouvi V. Exª com toda a atenção, e V. Exª está coberto de razão quando se refere, especificamente, a essa medida provisória.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, gostaria de dizer que, quando se critica a morosidade do Poder Legislativo, esquece-se o que ele aprovou do ano passado para cá; quantas propostas de emenda constitucional foram aprovadas pelo Senado e pela Câmara em dois turnos? Matérias, as mais controvertidas, foram aprovadas, como as que flexibilizavam o monopólio do petróleo, das telecomunicações, a que se referia ao subsolo, a que cuidava de um novo conceito de empresa nacional; isso para não citar outras, como a proposta de emenda constitucional relativa à educação, relativa ao CPMF etc. Todas essas propostas foram aprovadas celeremente pelo Congresso Nacional.

Então, não é pelo fato de o Congresso ser vagaroso que as medidas se acumulam; elas se acumulam porque vêm para cá em número excessivo. O Sr. Presidente da República tem abusado da edição de medidas provisórias.

Agora mesmo, Sr. Presidente, quando estão em discussão no Congresso Nacional as PEC´s relacionadas à reforma previdenciária, à reforma administrativa, o Sr. Presidente da República baixa duas medidas provisórias, a de nº 1.522, que altera dispositivos da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e da Lei nº 8.460, de 27 de setembro de 1992.

A medida provisória procura atingir em cheio os servidores civis da administração direta e indireta da União. Como se sabe, neste País, quase sempre os governos, quando querem fazer as chamadas reformas profundas da economia, transformam os servidores públicos em bodes expiatórios. Isso ocorreu no Governo Jânio Quadros, isso ocorreu no Governo Collor e está ocorrendo no Governo Fernando Henrique.

No entanto, essa atitude envolve um terrível engano, Sr. Presidente, porque não são os servidores públicos, em absoluto, os responsáveis pelo déficit público da União e muito menos dos Estados e Municípios.

O que se procura, por exemplo, com a medida provisória a que me referi há pouco, é uma economia de R$628 bilhões. Veja V. Exª: retiram-se vários direitos dos servidores públicos para obter uma economia de menos de R$ 1 bilhão. Enquanto isso, Sr. Presidente, encontra-se na Câmara dos Deputados um projeto de lei de autoria do atual Presidente da República, Senador Fernando Henrique Cardoso, que cria o imposto sobre as grandes fortunas, que foi incluído na Constituição pelo meu saudoso conterrâneo e ex-Governador da Paraíba, Antônio Mariz.

Pois bem, esse imposto, se aprovado, daria ao Tesouro Nacional, segundo os dados que tenho, uma arrecadação da ordem de dois, três ou quatro bilhões de Reais. Esse imposto não é aprovado. Eu, como Líder aqui no Senado e depois como seu Presidente, fiz tudo para conseguirmos urgência para a matéria na Câmara. Não consegui; ninguém consegue!

Pois bem, enquanto não se aprova o imposto sobre grandes fortunas, faz-se uma economia de R$628 milhões por ano, para tirar direitos de servidores públicos, que nem sequer o reajuste têm tido na sua remuneração. Embora estejamos com uma inflação baixa, não podemos deixar de reconhecer que houve inflação pequena, mas houve. Da mesma maneira que a empresa privada repõe a inflação na data-base, a empresa pública também o faz; porque então a administração direta não repõe a inflação?

É o que se passa no Brasil hoje, porque no serviço público o direito de greve só funciona para quem tem sindicato forte. A Petrobrás tem um sindicato forte, e, por isso, os petroleiros têm poder de barganha. Os bancários do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal têm um sindicato forte. Os eletricitários também; mas os funcionários públicos civis da União não têm e, por isso, nem sequer a reposição do mínimo possível, de 10%, 15% ou 20% na data-base, eles têm mais.

Então, Sr. Presidente, além de não reajustar a remuneração do servidor, querem retirar-lhe direitos, que são direitos conquistados, direitos adquiridos.

Sr. Presidente, não posso concordar com isso. E digo daqui desta tribuna que, se essa medida provisória for votada no Congresso Nacional nominalmente, terá o meu voto contrário. Não poderei votar uma medida dessa natureza, uma medida injusta, uma medida desumana e que não persegue seu principal objetivo, que é o de conseguir dinheiro para combater o déficit público.

O déficit público tem que ser combatido de outra maneira, como, por exemplo, evitando-se gastos com o Proer. Segundo resposta do Banco Central a requerimento de informação de minha autoria, está-se usando dinheiro do depósito compulsório dos bancos para atender o Proer. Mas, se os bancos não pagarem ao Banco Central, quem cobrirá a dívida será o Tesouro Nacional, que, em última análise, é um avalista dos recursos do Proer que estão sendo injetados nos sistemas bancários privado e público.

Sr. Presidente, essa medida provisória é iníqua e deve ser revista, e voltarei a esta Tribuna para examiná-la profundamente, para provar a injustiça que se deseja fazer.

Um ponto em particular dessa medida provisória sobre os funcionários públicos chamou-me atenção, provocando-me certa hilaridade. Há um dispositivo que pede autorização ao Congresso, por intermédio da medida provisória, para a demissão de servidores não estáveis. Ora, lembro-me do tempo em que fui Presidente do Senado pela primeira vez, na época em que o Presidente da República era José Sarney, e, encontrando-me no exterior, o Presidente do Senado em exercício, Senador José Ignácio, devolveu ao Presidente da República uma medida provisória que solicitava ao Congresso autorização para demitir servidores não estáveis. Esta já é uma atribuição constitucional do Presidente da República, e não há de ser o Congresso que vai autorizar a demissão de servidores não estáveis. Em absoluto.

Na nova medida provisória, consta a idéia de autorização de demissão de servidores não estáveis e outros aspectos, como, por exemplo, a transformação dos tíquetes-refeição em dinheiro.

Isso significa o seguinte: sobre os tíquetes-refeição não incide nenhum encargo, mas se houver a sua transformação em dinheiro, sobre essa remuneração incidirá o desconto da previdência, imposto de renda, etc...

Voltarei a este assunto em outra oportunidade, assim como voltarei a falar sobre a Medida Provisória nº 1.523, que dispõe sobre vários assuntos pertinentes à Previdência Social, e sobre a Medida Provisória nº 1.524, que se refere à extinção de cargos no âmbito da Administração Pública Federal, direta, autárquica e fundacional.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, pergunto: seria possível extinguir cargos que já foram colocados para provimento por meio de concurso público? É possível extinguir cargos depois que os editais foram publicados e vários cidadãos brasileiros pagaram taxa de inscrição e fizeram o concurso público? Claro que não! Nesse caso, tem-se que fazer uma exceção: os cargos que foram colocados para preenchimento através de concurso público, já realizado, não poderão ser extintos porque, do contrário, iríamos prejudicar direitos adquiridos de pessoas que gastaram dinheiro, fizeram concurso público e estão habilitadas a ocupar aquelas vagas.

Sr. Presidente, depois de teorizar sobre as medidas provisórias, de dar minha posição sobre o assunto, trazendo, inclusive, exemplos claros de que as novas medidas provisórias editadas não têm nada de relevante nem de urgente, quero dizer a V. Exª que voltarei à tribuna para examinar mais amiúde essas medidas objeto de apreciação pelo Congresso Nacional.

Termino meu pronunciamento dirigindo um apelo veemente ao Presidente desta Casa, Senador José Sarney: espero que S. Exª, tão logo retorne do exterior ou logo após o dia 15 de novembro, quando se realizará o segundo turno das eleições municipais em algumas cidades do Brasil, realize uma reunião com os líderes partidários para viabilizar a votação, de imediato, da Proposta de Emenda Constitucional do Senador Josaphat Marinho, que disciplina a edição de medidas provisórias.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/1996 - Página 17489