Pronunciamento de Júlio Campos em 22/10/1996
Discurso no Senado Federal
NECESSIDADE DE APROVAÇÃO URGENTE DO PROJETO DE LEI 2.249, DE 1991, QUE MODERNIZA A GESTÃO DOS RECURSOS HIDRICOS.
- Autor
- Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
- Nome completo: Júlio José de Campos
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
- NECESSIDADE DE APROVAÇÃO URGENTE DO PROJETO DE LEI 2.249, DE 1991, QUE MODERNIZA A GESTÃO DOS RECURSOS HIDRICOS.
- Publicação
- Publicação no DSF de 23/10/1996 - Página 17405
- Assunto
- Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
- Indexação
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- ANALISE, NECESSIDADE, PRESERVAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, MELHORIA, GESTÃO, COORDENAÇÃO, DIVERSIDADE, UTILIZAÇÃO, PREVENÇÃO, INUNDAÇÃO, EROSÃO.
- ANALISE, INICIATIVA, ESTADO DO CEARA (CE), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), GESTÃO, RECURSOS HIDRICOS.
- NECESSIDADE, MODERNIZAÇÃO, CODIGO DE AGUAS, DEFESA, PROJETO DE LEI, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, DEFINIÇÃO, BACIA HIDROGRAFICA, UNIDADE, GESTÃO, COBRANÇA, UTILIZAÇÃO, AGUA, INCENTIVO, RACIONALIZAÇÃO.
- SOLICITAÇÃO, URGENCIA, CONGRESSO NACIONAL, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI.
O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a água é um recurso essencial, indispensável à vida das sociedades e das economias. Por força do mecanismo do ciclo hidrológico, que evapora água dos oceanos salgados e leva chuvas para os continentes, os recursos hídricos necessários para as atividades humanas são renováveis. Renováveis, porém não infinitos. A experiência dos povos demonstra que a água freqüentemente se transforma em recurso escasso, crítico e disputado.
No Brasil, país de águas abundantes, temos a inclinação tradicional de pensar a água como recurso infinito. É um equívoco que se manteve enquanto as densidades de ocupação territorial eram baixas, a industrialização rara, a urbanização moderada e a irrigação pouco praticada.
Hoje se vão alterando essas condições e essa percepção enganosa. Diversos fatores de perturbação levam à degradação ou à indisponibilidade das águas. A destruição da cobertura vegetal dos terrenos reduz em muito a realimentação dos aqüíferos pelas chuvas. A poluição indiscriminada inutiliza a água para certos usos. O uso predatório reduz sua oferta. Acima de todos, o principal fator de negação da disponibilidade ilimitada dos recursos hídricos, mesmo onde a natureza os faz presentes generosamente, é o próprio fato de que os usos da água são múltiplos e numerosos.
Efetivamente, em uma região desenvolvida ou em desenvolvimento, disputam o uso das águas: o abastecimento para consumo da população e das atividades produtivas; a diluição, transporte e disposição de águas servidas; a irrigação; a geração de energia elétrica; a navegação; a dessedentação de animais; a piscicultura e a pesca; a recreação; a composição paisagística. Esses usos acabam, fatalmente, por afetar e limitar uns aos outros. Como eles devem, inescapavelmente, ser geridos, tanto melhor o serão quanto melhor puderem ser harmonizados, quanto mais se minimizarem os conflitos entre eles, quanto mais se puder conciliá-los.
Infelizmente, nossa tradição é a de gerir os recursos hídricos de forma muito convencional, setorizada; não, integrada. Tal gestão tradicional ignora a interdependência entre todos os usos. Eles são considerados dissociados, e os recursos hídricos, em decorrência, são desperdiçados. À medida que se intensifica a utilização da água, sobrevém a escassez e o conflito. Nas regiões áridas, essa escassez é um dado de origem, e a consciência da escassez e da necessidade de uso coordenado ocorre mais facilmente.
O modo tradicional de gestão pouco pode fazer para solucionar os problemas de conflito, limitações mútuas e escassez. A experiência internacional moderna indica que a gestão das águas deve ser integrada e que deve ser institucionalizado um sistema de gestão que coordene a atuação de todos os atores intervenientes. De fato, a Constituição de oitenta e oito, em seu art. 21, inciso XIX, preceitua ser competência da União "instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso".
A instituição de um sistema integrado de gerenciamento de recursos hídricos vem tardando. É uma necessidade premente, em nível nacional e no nível de numerosas bacias hidrográficas. Alguns Estados se adiantaram e legislaram sobre seus sistemas de gerenciamento de recursos hídricos. É o caso de: Ceará, Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Na Região Sudeste, onde os fatores de pressão sobre o uso das águas se fazem mais intensos, diversas iniciativas locais, que só merecem elogios, surgiram recentemente: o consórcio intermunicipal das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, em São Paulo; o consórcio intermunicipal das bacias dos rios Jucu e Santa Maria da Vitória, no Espírito Santo; as comissões de uso integrado do rio Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro, e do rio Doce, em Minas Gerais.
As iniciativas de gestão integrada, motivadas pela degradação crítica das águas, começam a delinear a superação da gestão setorizada vigente entre nós. De resto, modelo setorizado e desequilibrado, pois o único setor usuário de água que, historicamente, estruturou-se em base empresarial foi o setor elétrico, com suas usinas hidrelétricas encadeadas ao longo de importantes cursos d'água. Outros setores, saneamento, irrigação, navegação, tardaram a estruturar-se institucionalmente e, quando o fizeram, foi de forma contaminada por uma visão assistencialista, faltando-lhes viabilidade econômica. Ora, os usos dos recursos hídricos, por exigirem investimentos que os tornem possíveis, devem submeter-se a tarifas realistas, cobradas rigorosamente.
A complexidade institucional do uso dos recursos hídricos fica ainda mais patente se lembrarmos que não se trata apenas de gerir os benefícios do usufruto da água, mas também de impedir seus efeitos destrutivos, as enchentes, que, para serem controladas, exigem obras hidráulicas que interferem nos usos já mencionados. O controle das enchentes inclui o controle da erosão e do desnudamento do solo, fatores que se interligam, com outro grau de complexidade, com os fatores ambientais do uso dos recursos hídricos. Efetivamente, constituem preocupações de caráter ambiental aspectos tais como a função universal da água como suporte de ecossistemas, a poluição dos cursos d'água e a integridade da cobertura vegetal nas nascentes e nas margens dos rios.
A legislação básica brasileira vigente é o Código de Águas, que já tem seis décadas de existência. Ele foi um grande avanço quando da sua entrada em vigência, mas não mais atende ao quadro atual de nossos problemas. Um conceito-chave de superação do Código de Águas é que, modernamente, a gestão se deve fazer integradamente por bacia hidrográfica e não por curso d'água isolado.
Felizmente, dispomos de uma proposta de legislação atualizada e completa. Trata-se do Projeto de Lei nº 2.249, encaminhado ao Congresso pelo Executivo em 1991, e que hoje tramita na Câmara dos Deputados na forma do substitutivo proposto por seu relator, o Deputado Aroldo Cedraz, do PFL da Bahia. É uma proposição que, calcada no projeto inicial do Executivo, aperfeiçoou-o, sedimentando-se após pesquisa sobre a experiência internacional, consulta a nossas entidades especializadas e audiências públicas.
O Projeto de Lei em tramitação na Câmara incorpora as características e conceituações de uma lei moderna de recursos hídricos, de que o País tanto necessita urgentemente. Certamente poderá ganhar aperfeiçoamentos adicionais na tramitação pelas duas Casas do Legislativo, mas, em qualquer caso, na forma proposta pelo relator, ou com aperfeiçoamento, é importante que seja aprovado sem muita delonga, pois o Brasil aguarda, há muito, a devida modernização em sua legislação e gestão da água.
É preciso, como propõe o Projeto, que os recursos hídricos tenham como unidade de gestão a bacia hidrográfica. Ela é a base de um sistema integrado de gestão. Um colegiado de setores usuários da água na bacia, de agentes governamentais que atuam na bacia e de representantes das comunidades afetadas deve constituir-se em um "parlamento das águas" para aquela bacia. Esse colegiado decide sobre o uso múltiplo das águas, aprova um plano de longo prazo de desenvolvimento das utilizações setoriais, estabelece as tarifas a serem cobradas dos setores usuários e resolve os conflitos de uso que surgirem. Colegiados estaduais e um colegiado nacional são os órgãos superiores do sistema nacional integrado de gestão, mas o sistema como um todo é inspirado na idéia de descentralização.
Em paralelo ao colegiado deliberativo da bacia atua um órgão executivo, que efetua a cobrança do uso da água, coleta as informações e prepara os planos de utilizações para exame do colegiado. É a "agência da água", calcada no modelo que funciona na França há três décadas, com muito sucesso.
Um conceito básico da gestão moderna dos recursos hídricos, e que está presente no Projeto, é o da cobrança pelo uso da água. Ela tem por objetivos: reconhecer o valor econômico da água; dar a todos os usuários, de toda e qualquer modalidade de uso, uma indicação de seu real valor; incentivar a racionalização do uso da água; e gerar recursos financeiros para a viabilização daquelas intervenções necessárias à garantia de que a água continuará disponível, isto é, estudos, obras e atividades de manutenção.
A cobrança se dá sobre a captação de águas, proporcionalmente ao volume captado, e sobre os lançamentos de esgotos e resíduos, proporcionalmente ao volume lançado e de acordo com as suas características físicas, químicas e biológicas. Um conceito relevante é que os recursos cobrados na bacia só podem ser aplicados na própria bacia.
Outros conceitos importantes, constantes do Projeto, são os que dizem respeito à institucionalização do plano de longo prazo de utilização dos recursos hídricos; à regulamentação da outorga de direitos de uso; à compensação aos municípios que tenham áreas inundadas por reservatórios ou sujeitas a restrição do uso do solo; e ao rateio de custos das obras de uso múltiplo comum a vários setores usuários.
Sr. Presidente, vemos que o Brasil necessita de uma moderna lei de gestão de recursos hídricos e que está disponível no Congresso uma proposição nesse sentido, de excelente qualidade. Meus votos e meus esforços são pela rápida tramitação e aprovação desse Projeto. Meu apelo, às duas Casas do Legislativo Nacional, é que aprovem essa proposição, aguardada pelo País com muita esperança.
Muito obrigado.