Discurso no Senado Federal

OCUPAÇÃO DE SERRA PELADA PELAS FORÇAS ARMADAS E PELA POLICIA FEDERAL COM VISTAS A RETIRADA DOS GARIMPEIROS DAQUELE LOCAL.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA MINERAL.:
  • OCUPAÇÃO DE SERRA PELADA PELAS FORÇAS ARMADAS E PELA POLICIA FEDERAL COM VISTAS A RETIRADA DOS GARIMPEIROS DAQUELE LOCAL.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/1996 - Página 17596
Assunto
Outros > POLITICA MINERAL.
Indexação
  • CRITICA, DETERMINAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OCUPAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, POLICIA FEDERAL, SERRA PELADA, MUNICIPIO, CURIONOPOLIS (PA), ESTADO DO PARA (PA), RETIRADA, GARIMPEIRO.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), AUTORIA, JOSE ALTINO MACHADO, FUNDADOR, SINDICATO, GARIMPEIRO, CRITICA, POSIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, lamento o adiantado da hora, mas temo não termos sessão à tarde e, por isso, prefiro manifestar-me neste momento.

Quero lamentar profundamente a atitude do Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que determinou às Forças Armadas brasileiras ocuparem o distrito de Serra Pelada, com o objetivo de tomar aquela mina de ouro dos garimpeiros.

Lamento que o Presidente da República tenha um comportamento pior do que todos os Governos militares, que, durante décadas, estiveram à frente desta Nação.

Trago a notícia de que cerca de 800 homens do Exército, 62 da Polícia Federal e 40 da Polícia Militar do Estado do Pará ocuparam hoje o Garimpo de Serra Pelada. Os soldados do Exército destruíram o palanque, antes usado para as reuniões da comunidade garimpeira, e assumiram o controle da área. O local público de reunião, que pertence a um distrito legalmente constituído, foi destruído pelas Forças Armadas brasileiras.

Os agentes da Polícia Federal levaram detidos alguns líderes garimpeiros, entre eles: Dirceu Gonçalves, Ireno Pereira, João Amaro, Raimundo Sales, Paraibinha, Irmão Luso e Manoel Zacarias - e há outros que a Polícia deseja prender.

Sr. Presidente, eu gostaria de ler uma nota, publicada hoje pelo Correio Braziliense e assinada por José Altino Machado, fundador de uma sindical de garimpeiros.

Diz o seguinte:

      O CANDIDATO E SUA ALTEZA: O PRESIDENTE

      Com o presidente, nós não podemos falar. Não conhece garimpos e nem recebe garimpeiros, pois que com a fama que carregam com a extremada difamação resultante do brutal choque de interesses. Mas com o candidato nós falamos. E candidato nós chamamos de você.

      Aí, Fernando, na sua primeira campanha, tivemos um tempinho de conversa, numa sala em seu comitê, e fui convencido, àquela ocasião, por sua retitude e dignidade, em colocar coisas que nem eu concordava.

      E uma das primeiras coisas postas em seu discurso eleitoreiro foi que deveríamos quebrar o continuísmo elitista deste Brasil e a espoliação do seu povo.

      O brilhantismo de tantas propostas redundaram, para minha surpresa, numa velha/nova e única: a do continuísmo.

      Você não está respeitando nem a sua própria história, um contestador em busca da dignidade do Estado.

      E o Presidente em que votei e queria não é este. Era aquele que era candidato. Aquele candidato jamais tomaria de assalto, como propõe agora, uma porcaria de uma mina de ouro, cujo saque muito mais vai custar ao País quando for consertar as feridas provocadas. Aquele candidato, com sua passada história, jamais se utilizaria de FORÇAS ARMADAS, a qualquer fim, contra qualquer cidadão, para submetê-lo à sua vaidade e cega política de, a qualquer custo, não tendo limites, vender um bem público que também tem sua história, que também tem seus sacrifícios.

      Sai dessa, candidato! Não há nenhuma ordem ou interesse na Justiça em desalojar os garimpeiros de Serra Pelada. O que existe é o resultado de uma ação jurídica recente que o Governo do Presidente colocou através da Vale para tomar Serra Pelada.

      A Vale mente quando a chama de Serra Leste. Fui dos primeiros a chegar na Serra, em 79. Coube a mim e a minha turma inaugurar a pista naqueles tempos, antes de governos e curiós por lá aparecerem. Com US$60 milhões do contribuinte, o Congresso Nacional deu à Vale do Rio Doce para garimpeiros ficarem sossegados em Serra Pelada. E se a Presidência também disser e chamar Serra Pelada de Serra Leste, ela também mente.

Tenho aqui reafirmado que o Presidente da República falou uma mentira à Nação brasileira quando disse que Serra Leste era diferente de Serra Pelada.

      Continuando a leitura: ferro não garante dívidas de futuros compradores da Vale, e a Presidência quer que eles tenham a garantia do ouro. A Vale é um gigante e só foi possível sê-lo porque era Governo. Essa correria de agora é porque a Presidência avisou que vai vendê-la em fevereiro e quer usar tropas de assalto, ainda que pela última vez, para conseguir a mina.

      A Presidência quer vender essa Vale que nem politicamente no passado ajudou a construir e, com ela, uma mina de ouro, que os garimpeiros, esses sim, seus legítimos donos, deram fama internacional.

      Candidato, que estranho poder é esse dessa presidência imperial, que se permite quebrar uma tradição e imagem do Exército brasileiro, uma arma profissional companheira, parceira de selva e que jamais andou, nem intimidou nenhum povo na Amazônia.

      O Sul do Pará e o Bico-do-Papagaio que lhe adentra, com os problemas que governos e candidatos arranjaram, não suporta mais nenhuma briga por mina de ouro.

      Você que é candidato mais uma vez, reveja as posições do Presidente, pois pode bem acabar sendo surpreendido nas selvas ou nas urnas.

      A Vale não vale a dignidade de cada homem que ali está.

      Não negociamos com o que construímos, para não ser inútil haver vivido.

      Buscaremos sempre voltar".

      José Altino Machado. Fundador de uma sindical de garimpeiros.

Sr. Presidente, com essa atitude o Presidente da República desmereceu o Congresso Nacional, porque não respeitou a Comissão criada por esta Casa, nem a que foi instituída pela Câmara dos Deputados. Além disso, Sua Excelência nem sequer respondeu aos Parlamentares desta Casa sobre as propostas que oficialmente foram entregues ao Governo.

Queríamos, sim, que as Forças Armadas fossem deslocadas para Serra Pelada unicamente para que lá fizessem a demarcação que prova que aquela área está inclusa no Decreto de Lavras 74.509. Infelizmente, o Presidente da República mandou o Exército Brasileiro e a Polícia Federal para intimidar e amedrontar garimpeiros no meu Estado do Pará.

Lamento que o Governador Almir Gabriel nada tenha dito a esse respeito; lamento que tenha permitido esse tipo de ação; lamento ainda que o Senador Jader Barbalho, Líder do PMDB, esteja a passear em Nova York; lamento que o Senador Coutinho Jorge também não se manifeste sobre essa questão.

Estive com o General Zenildo Lucena, terça-feira, às 14h. Nessa oportunidade, S. Exª negou que o Exército participaria da operação de ocupação de Serra Pelada ou de desalojamento de garimpeiros. Mas estamos assistindo a uma realidade completamente diferente daquela que esperávamos. O Deputado Paulo Rocha, provavelmente o Deputado Giovanni Queiroz, eu e mais algumas pessoas estaremos nos deslocando no sábado para lá. Lutaremos com todas as nossas forças para que a justiça prevaleça neste País.

Infelizmente, o Governo está sendo um protetor dos interesses econômicos da Vale do Rio Doce, evidentemente porque Fernando Henrique Cardoso está obcecado pela idéia de vender a empresa ao capital multinacional. Eu adotava, nesta Casa, um posicionamento de defesa da reeleição do Presidente da República, e ia defendê-lo junto aos meus colegas de Partido. Eu ia defender o direito de o Presidente Fernando Henrique Cardoso vir a ser novamente candidato à Presidência da República. Mas, diante dessa atitude, diante da total falta de respeito e desconsideração do Presidente para com este Congresso Nacional, para com o Senado da República e para com a Câmara dos Deputados, começo a perceber que Fernando Henrique Cardoso é um homem autoritário, prepotente, que não respeita o Poder Legislativo deste País. Trata-se de uma pessoa que, no futuro, poderá pensar inclusive em fechar este Congresso Nacional e se tornar um Fujimori brasileiro. Não tenho mais dúvidas em relação ao comportamento de Sua Excelência a partir da atitude de enviar as Forças Armadas ao Pará para dominar o Distrito de Serra Pelada.

Se o Presidente da República contava com alguém que compreendia pelo menos algumas de suas atitudes, alguém que nunca lhe apresentou oposição radical, contará daqui para a frente com um dos maiores opositores que já teve neste Senado da República. Serei um dos que lutará para que Sua Excelência não tenha o direito de ser candidato a Presidente da República. Um homem que age como ele agiu, um homem que desrespeita todos os princípios da democracia, ética e direito, um homem que se comporta como um ditador - mais ditador do que foram todos os Presidentes militares deste País - não merece nem sequer ser candidato à Presidência do nosso País.

Estaremos aqui nesta tribuna, permanentemente, a condená-lo por ações como essa que perpetra hoje no Pará. Infelizmente, as forças políticas maiores do meu Estado não se manifestam diante de tão grave fato.

Lamento profundamente e grito, talvez como o Senador Caxias, da novela O Rei do Gado, para um plenário vazio, diante de uma tremenda injustiça cometida neste País.

O Sr. Pedro Simon - Vazio não, Senador, estamos aqui.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Desculpe-me, Senador, digo vazio porque somos apenas quatro - Senador Pedro Simon, Senador Mauro Miranda, Senador José Fogaça e V. Exª na Presidência - neste plenário e poderíamos ser pelo menos sessenta.

Essa é uma das maiores injustiças que vejo ser cometida nesta Pátria.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/1996 - Página 17596