Discurso no Senado Federal

COMENTANDO REPORTAGEM DO JORNAL GAZETA MERCANTIL DE HOJE, SOBRE A SINALIZAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL EM DAR ANDAMENTO AO PROJETO DE GARANTIA DE RENDA MINIMA VOLTADO PARA A EDUCAÇÃO. NECESSIDADE DE ACELERAÇÃO DOS ESTUDOS SOBRE O PROGRAMA DE RENDA MINIMA. REGISTRANDO O PARECER SOBRE O SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE GARANTIA DE RENDA MINIMA, RELATADO PELO DEPUTADO GERMANO RIGOTTO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • COMENTANDO REPORTAGEM DO JORNAL GAZETA MERCANTIL DE HOJE, SOBRE A SINALIZAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL EM DAR ANDAMENTO AO PROJETO DE GARANTIA DE RENDA MINIMA VOLTADO PARA A EDUCAÇÃO. NECESSIDADE DE ACELERAÇÃO DOS ESTUDOS SOBRE O PROGRAMA DE RENDA MINIMA. REGISTRANDO O PARECER SOBRE O SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE GARANTIA DE RENDA MINIMA, RELATADO PELO DEPUTADO GERMANO RIGOTTO.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/1996 - Página 17632
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • COMENTARIO, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, GAZETA MERCANTIL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVULGAÇÃO, AUTORIZAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ANDAMENTO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA, DESTINAÇÃO, EDUCAÇÃO.
  • DEFESA, ACELERAÇÃO, ESTUDO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA.
  • ANEXAÇÃO, DISCURSO, ORADOR, PARECER, AUTORIA, ANDRE VIANA, ECONOMISTA, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), SUBSTITUTIVO, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA, RELATOR, GERMANO RIGOTTO, DEPUTADO FEDERAL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Edison Lobão, Srªs e Srs. Senadores, a Gazeta Mercantil de hoje, em matéria de Eliane Cantanhêde, informa que o Presidente Fernando Henrique Cardoso dá sinal verde para o Programa de Renda Mínima. "O Presidente limita gastos da União a R$600 milhões por ano" - diz o subtítulo que contém a seguinte informação:

      "O Presidente Fernando Henrique Cardoso deu sinal verde para um programa de renda mínima voltado para a Educação. Estabeleceu, porém, alguns limites para a implantação: deve ser gradual, municipal, voluntário, atingir as regiões mais carentes e, principalmente, custar um teto de R$600 milhões por ano à União. Como a idéia no Governo Federal é ressarcir os municípios em até 50% dos custos, isso significa que o programa inteiro deverá sair por R$1,2 milhão anual.

      Fernando Henrique incumbiu o assessor parlamentar da Presidência da República, Eduardo Graeff, de acertar com as bancadas aliadas um projeto com esses limites para ser apresentado como substitutivo, já na próxima semana, à Comissão de Educação da Câmara. Ontem, Graeff se reuniu com os Deputados Roberto Brant (MG), Nelson Marchezan (RS) e Arnaldo Madeira (SP), para discutir o encaminhamento da questão.

      O projeto, nos termos já discutidos entre o assessor do Planalto e os parlamentares, tem o apoio do Gabinete Civil da Presidência da República e do Ministério do Planejamento. Ontem, teria sido também negociado com o Secretário do Tesouro Nacional, Murilo Portugal, mas a reunião com ele ficou para a próxima semana. O principal projeto de renda mínima tramitando no Congresso é o do Senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que se transformou num incansável defensor da tese. Mas o que o Governo pretende é chegar a um substitutivo fundindo quatro projetos no mesmo sentido, mas voltados para a educação. O argumento é o de que a proposta Suplicy atingiria 34 milhões de pessoas carentes, ao custo de R$17,6 bilhões por ano, equivalente a 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

      Os projetos considerados na fusão são dos Deputados Marchezan, Pedro Wilson (PT-GO) e Chico Vigilante (PT-DF), além dos Senadores José Roberto Arruda (líder do Governo no Congresso, do PSDB-DF) e Ney Suassuna (PMDB-PB). Quem vai assinar o substitutivo de interesse do Governo será o gaúcho Marchezan.

      "O que os cofres públicos gastam hoje com evasão escolar e com repetência dos alunos da rede oficial é uma barbaridade. Precisamos evitar esse desperdício, além de acabar com as crianças pedintes de rua neste País", disse o Deputado Marchezan, que conversou com o Presidente da República na semana passada e obteve pessoalmente dele o aval para tocar adiante um substitutivo. Na sua opinião, o ideal é votar o projeto na Comissão de Educação na semana que vem e em plenário antes do final do ano. "A nova safra de prefeitos é altamente suscetível a um projeto de cunho social como este. Precisamos que eles pesquem a isca rapidamente", justificou.

      Ele e o Deputado Roberto Brant, porém, insistiram em que não adianta partir para iniciativas utópicas, que o Tesouro Nacional não possa sustentar. "Qualquer programa de renda mínima tem que ser municipal e voluntário, com a União ressarcindo metade dos gastos das Prefeituras" - disse Brant."

Ora, Sr. Presidente, em primeiro lugar é importante saudar a disposição do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em sendo verdadeira a notícia, de abraçar de vez o projeto de garantia de renda mínima, que, na verdade, desde 16 dezembro de 1991, foi por Sua Excelência votado e aprovado, inclusive tendo argumentado a favor, como líder do PSDB, em 16 de dezembro de 1991.

Os Senadores presentes naquela oportunidade, como o Senador Edison Lobão, hão de lembrar que, naquela noite, o Senador José Paulo Bisol fez um pronunciamento brilhante. S. Exª contou a história de um escritor espanhol que havia falado de um trem muito especial, que corria em alta velocidade; ao chegar à plataforma da estação andava mais devagar, onde se encontrava uma pessoa com um chapéu, com um capote grande, hesitando se iria ou não pegar o trem; e o homem, na hora em que o trem passou, com o seu chapéu, o grande capote, hesitou, quase entrou no trem, mas o trem passou e ele ficou na plataforma, e assim perdeu o trem da história.

Naquela ocasião, o Senador José Paulo Bisol qualificou esse projeto de garantia de renda mínima como o mais relevante, o que mais afetaria a condição do povo brasileiro e o que mais condizia com o objetivo fundamental desta Nação, inscrito por ele próprio, como Constituinte, na Constituição: erradicar a pobreza e melhorar a distribuição da renda em termos pessoais e regionais.

No diálogo que tivemos esta semana, o Professor Philippe Van Parijs, da Universidade Católica de Louvain, que conversou durante quarenta minutos com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, estava fazendo uma reflexão comigo sobre as memórias de Jean Monnet, um dos principais formadores da Comunidade Européia atual. Foi um daqueles que mais contribuíram para que se formasse, primeiro, o Mercado Comum Europeu e tudo aquilo que precedeu a sua instituição, para, depois, chegar-se à Comunidade Econômica Européia, visando, gradualmente, à unificação econômica, monetária, a fim de que não haja mais barreiras aduaneiras em todos os países da Europa.

O Professor Philippe Van Parijs disse-me que Jean Monnet, aos 85 anos, afirmou, nas memórias que escreveu, que houve ocasiões em que se deparou com pessoas que assumiam idéias e proposições de outras; porém, ao longo de sua vida, aprendeu a lidar com isso, observando que o importante, a cada momento da história, era encontrar pessoas com idéias certas e motivação correta para levá-las adiante, na melhor direção possível.

Jean Monnet - embora muitas pessoas tenham assumido ou levado adiante algumas das suas principais proposições - é considerado um dos mais importantes formuladores e fundadores da idéia da Comunidade Econômica Européia.

Levando-se em conta essa reflexão, essas memórias de Jean Monnet, e em relação ao que expliquei ao Professor Philippe Van Parijs a respeito das inúmeras idéias que surgem pelo Brasil afora, com os mais diversos nomes - Bolsa-Escola, Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima, Pioneiros, no Tocantins, Projeto Vale-Cidadania, Projeto Direito à Vida, no Amazonas, e outros -, é importante observarmos que, a cada momento, surgem pequenos e grandes trens, e que o fundamental não é tanto o nome do trem, mas que esteja caminhando na direção correta.

Felizmente, tenho saudado inúmeras vezes atitudes de Deputados e Senadores, que, de alguma forma, abraçaram a idéia de fazer com que todos os brasileiros possam partilhar da riqueza desta Nação, também aliando à proposta de garantia de renda mínima as oportunidades de educação para as crianças.

É importante ressaltar que Deputados Federais agiram nesse sentido, como o Deputado Nelson Marchezan; o Deputado que apresentou também uma proposta de lei baseada no projeto de garantia de renda familiar mínima de Campinas, do Prefeito José Roberto Magalhães Teixeira; o Deputado Pedro Wilson, do PT de Goiás; o Deputado Chico Vigilante, que apresentou na Câmara dos Deputados um projeto de bolsa-escola; o Senador José Roberto Arruda, Líder do Governo no Senado, do PSDB, que apresentou aqui um projeto de bolsa-escola; antes, o Senador Ney Suassuna, do PMDB da Paraíba, apresentou um projeto de garantia de renda mínima relacionada à educação. Avalio que haja ainda outros parlamentares que propuseram medidas nessa direção.

O Deputado Germano Rigotto, Relator do projeto que institui o Programa de Garantia de Renda Mínima, em julho último, apresentou novas emendas ao projeto e relacionou-o à educação, além de outras emendas que o aperfeiçoam.

Sr. Presidente, qual será o nome do trem? Será Bolsa-Escola? Será Programa de Garantia de Renda Mínima? Será Programa de Renda de Cidadania, ou de Renda Básica, ou de Direito à Vida? Talvez não seja tão importante o nome do trem, desde que esteja muito claro para a população o que significa. O importante é que o direito a uma renda, a um dividendo, a uma renda mínima, torne-se um direito à cidadania e jamais seja apenas a dádiva de um deputado, um senador, um vereador, um prefeito, um governador ou um presidente.

Porém, é preciso que se chame a atenção do Presidente Fernando Henrique Cardoso, porque Sua Excelência está sendo responsável pela demora no que diz respeito à apreciação desse projeto. Quero lembrar que já em 1993 ele era Ministro da Fazenda e o Presidente Itamar Franco encaminhou-lhe cópia da carta de Herbert de Souza, coordenador da Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida, em que falava da importância de logo se fazer tramitar e aprovar o projeto. O Ministro da Fazenda soube disso e conhecia a importância de se acelerarem, desde aquela época em que ainda não era Presidente da República, os estudos a respeito do tema.

Durante o período em que exerceram função no Ministério, todos os Ministros - Zélia Cardoso de Mello, Marcílio Marques Moreira, Gustavo Krause, Paulo Haddad, Yeda Crusius, Rubens Ricúpero, Fernando Henrique Cardoso, Ciro Gomes, Pedro Malan, Antonio Kandir, José Serra - tiveram oportunidade de mandar suas assessorias e seus economistas estudarem em profundidade essa matéria.

No âmbito do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - IPEA, do Ministério do Planejamento, inúmeros estudos e seminários foram realizados. Neste ano, inclusive, o economista André Urani fez extenso estudo: Renda mínima - avaliação das propostas em debate no Brasil, de julho de 96; ainda mais recentemente, realizou estudo em que já estima o Programa de Renda Mínima com as propostas do Deputado Germano Rigotto, criadas em conjunto comigo. Portanto, esses estudos já estão avançados.

Saúdo esse sinal verde dado pelo Presidente Fernando Henrique, porém, ressalto que o está fazendo com atraso; deveria acelerar ainda mais o processo. Deveria acelerar ainda mais.

O Ministro Clóvis Carvalho, agora Coordenador dos Assuntos Políticos, como que chamou para si a responsabilidade de coordenar esse programa e chamou o Assessor Parlamentar, Eduardo Graeff, da Presidência da República, para dialogar a respeito. O jornal noticia que Eduardo Graeff vai conversar, e já começou a fazê-lo, com os Deputados aliados. Entretanto, não me procurou ainda, não procurou o Partido dos Trabalhadores. O que é isso, Sr. Presidente? Só procuram os aliados?

Esse Governo não dialoga com sinceridade, com transparência, com aqueles que estão na oposição. Será uma questão simplesmente de não dar força ao Senador por ser do Partido dos Trabalhadores? Com ele é melhor não dialogar?

Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Presidente se enche de cuidados para conversar comigo e até mesmo com um dos maiores especialistas, um grande filósofo, economista, professor eminente, fundador da rede européia da renda básica: o Professor Philippe Van Parijs. Foi preciso insistir muito para que Sua Excelência o recebesse, o que, com certeza, foi extremamente importante, tanto que o Presidente queria que o Professor ficasse alguns dias no Brasil para debater com sua equipe todo o conhecimento que está trazendo de lá. O Professor Philippe Van Parijs já tinha estado por dois dias no seminário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, discutindo com cerca de 150 pessoas, dos mais diversos Estados e Municípios brasileiros, que têm interesse profundo nesse assunto. Felizmente, a idéia está abraçada por pessoas de todos os Partidos e de todos os credos.

Tem sido nossa intenção mostrar que essa proposição acompanha a história da humanidade, é apoiada por pessoas de bom senso e racionais de todos os Partidos e por economistas de todos os credos. No entanto, o Governo se toma de todos os cuidados, até mesmo para receber um economista com a qualificação do Professor Philippe Van Parijs. Não duvido que, em algum momento da história, esse Professor se torne Prêmio Nobel de Economia. Apesar de tudo isso, o Presidente Fernando Henrique, como precaução para impedir que houvesse muita divulgação sobre o evento, marcou a audiência em sua agenda privada, e não naquela que é passada para a imprensa. Tomou inclusive o cuidado de que nenhum fotógrafo registrasse o encontro. Não pedi que isso fosse feito, porque, em seu Gabinete, o Presidente da República tem total responsabilidade pelo que ali se passa. Assim, não houve nem mesmo o registro fotográfico do encontro. Agora, o Presidente dá o sinal verde, quase cinco anos depois. É ótimo! Mas será que realmente é para valer?

Nesta matéria, não há referência ou registro de nenhuma atitude de diálogo e de respeito para com o Relator da matéria, Deputado Germano Rigotto. Quem sabe o Sr. Eduardo Graeff foi instruído para não dialogar com esse Deputado, embora ele tenha sido Líder do Governo e seja a pessoa que mais estudou o assunto ao longo dos últimos quatro anos!... Como ele é o Relator de um projeto de um Senador do PT, então, que não se faça por meio dele.

Sr. Presidente, o que está aqui colocado é que o Governo teme e quer limitar os custos e diz que o custo máximo seria de R$1.200 milhões. Ora, Sr. Presidente, R$1.380 milhões, com uma perspectiva de que seria até menor, seria exatamente quanto custaria o Programa de Garantia de Renda Mínima, se aprovado para o primeiro ano, de acordo com o projeto agora com as emendas de Germano Rigotto, aplicando nos Estados de menor renda per capita. Ou seja, a etapa primeira, de acordo com estudos de André Urani e a emenda de Germano Rigotto, colocaria o Programa de Garantia de Renda Mínima funcionando, no primeiro ano, nos Estados do Piauí, Maranhão e Tocantins, o que atingiria cerca de 2.386.000 pessoas, de 25 anos ou mais, cuja renda não atinge R$25 per capita, excluindo-se as famílias com renda acima de R$720, tendo um montante anual de transferência de R$1,381 bilhão, com benefício médio mensal de R$48. Isso significaria, para os Estados mais pobres, justamente o início de um projeto, o início de uma esperança, o início daquilo que nós e o próprio Presidente avaliamos como uma utopia realista.

Portanto, gostaria de ressaltar e registrar, como parte do meu pronunciamento, o parecer sobre o substitutivo do Projeto do Programa de Garantia de Renda Mínima, do Deputado Germano Rigotto, Relator do Projeto na Comissão de Finanças e Tributação, feito pelo economista André Urani, do IPEA e Professor da UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Nesse estudo, ele mostra que o Projeto pode ser perfeitamente aprovado e permitiria que erradicássemos a miséria do Brasil, investíssemos em capital humano e realizássemos maior justiça social do que a que tem sido realizada até agora.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/1996 - Página 17632