Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A PROIBIÇÃO PURA E SIMPLES DO TRABALHO INFANTIL PELO GOVERNO FEDERAL, SEM QUE SE VIABILIZEM OUTRAS POSSIBILIDADES PARA A SOBREVIVENCIA DO MENOR E DA SUA FAMILIA.

Autor
Odacir Soares (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A PROIBIÇÃO PURA E SIMPLES DO TRABALHO INFANTIL PELO GOVERNO FEDERAL, SEM QUE SE VIABILIZEM OUTRAS POSSIBILIDADES PARA A SOBREVIVENCIA DO MENOR E DA SUA FAMILIA.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/1996 - Página 17598
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, EFICACIA, EMENDA CONSTITUCIONAL, INICIATIVA, EXECUTIVO, PROIBIÇÃO, TRABALHO, MENOR.
  • DEFESA, NECESSIDADE, MINISTERIO DO TRABALHO (MTB), FISCALIZAÇÃO, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, MENOR, SIMULTANEIDADE, OFERECIMENTO, OPÇÃO, SUBSISTENCIA, FAMILIA.

O SR. ODACIR SOARES (PFL-RO) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, recentemente, diante de algumas crianças trabalhadoras rurais, o Presidente Fernando Henrique Cardoso anunciou o envio ao Congresso de uma emenda constitucional proibindo o trabalho de menores de quatorze anos.

Atualmente, a Constituição já estabelece, em seu art. 7º, inciso XXXIII, a proibição de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, "salvo na condição de aprendiz". Esse trabalho de aprendizado é permitido, em geral, para crianças a partir dos doze anos.

O governo pretende acabar com essa possibilidade, por entender que essa brecha estaria permitindo a prática do trabalho escravo infantil.

Com a mudança proposta, portanto, nenhuma criança com menos de quatorze anos poderá desempenhar nenhum tipo de trabalho.

Em que pese aos aplausos que a proposta tem recebido, há dúvidas sobre sua eficácia.

Eu, particularmente, tenho sérias dúvidas, inclusive, quanto ao acerto de sua adoção.

Miro-me em minha experiência individual. Com onze anos - e tenho documentos que o comprovam - eu já havia ingressado no mercado de trabalho, como auxiliar em uma casa comercial.

Na mesma época, nos finais de semana, acompanhava meu pai até a sua roça, e o ajudava nas atividades ali desenvolvidas.

Essa experiência de trabalho precoce, ao contrário do que muitas vezes se alardeia a respeito do trabalho infantil, foi-me gratificante. Não me impediu de estudar, namorar, casar, constituir família, obter outras ocupações, desenvolver a carreira política... Tampouco me causou nenhum tipo de trauma. Pelo contrário, foi fundamental na formação de meu caráter.

Tenho certeza de que minha situação não é exceção. Muitos dos Senhores Senadores aqui presentes tiveram experiências semelhantes, e delas não se arrependem.

O trabalho infantil ao lado dos pais, por sinal, é indispensável para a manutenção da pequena propriedade rural familiar, quer no Brasil, quer em outros países.

Por aí já se vê que a questão do trabalho infantil não se confunde com a mera exploração dos menores, mas tem outras nuanças, que precisam ser analisadas com muito cuidado, sob pena de se chegar a falsas conclusões.

Não acredito que exista uma perversa conspiração no mundo moderno, e particularmente no Brasil, voltada para explorar o trabalho das crianças.

Há, sim, muitas dificuldades econômicas, que envolvem os adultos, suas famílias e, inevitavelmente, seus filhos, as crianças.

Via de regra, ninguém trabalha por diletantismo. Quando um menor se lança ao mercado de trabalho é movido, geralmente, por uma necessidade econômica premente.

Sobre esse aspecto, é exemplar o caso da cidade de Pitangueiras, no interior de São Paulo, recentemente noticiado pela imprensa (Revista Veja).

Lá, a principal atividade é o corte de cana. Trata-se de trabalho penoso, que por trazer, em médio prazo, sérios problemas para a saúde, só é permitido para maiores de dezoito anos.

É também um trabalho que remunera melhor quem tiver maior produtividade. Assim, quem tem maior maior vigor físico, como os jovens, leva vantagem.

Pois bem, o juiz da cidade, segundo relata, tem recebido centenas de pedidos de autorização dos pais da cidade para que seus filhos menores (alguns até com dez anos de idade) sejam liberados para trabalhar no corte de cana.

O que tem feito o juiz? Desde que o menor tenha pelo menos quatorze anos e comprove estar na escola, ele tem permitido o trabalho, mediante a expedição de dezenas de alvarás.

O trabalho, num futuro de médio prazo, poderá trazer problemas de saúde graves aos menores, mas o juiz alega que, se não autorizá-los a trabalhar, eles passarão fome já agora.

Eis aí um dilema difícil de resolver. Mas fica mais fácil encontrar a solução se, como o juiz certamente deve ter feito, formular-se a questão: essas crianças têm outra opção?

Existe algum programa de aprendizado em outra área econômica? Existe alguma ocupação que lhes renda pelo menos parte do que ganham cortando cana? A cidade tem algum programa com bolsas que auxiliem a família dos menores que vão à escola?

A resposta negativa a essas questões dá razão à decisão do juiz de Pitangueiras.

Trabalho infantil não é necessariamente penoso, nem se confunde a priori com exploração ou trabalho escravo. Como no exemplo das pequenas propriedades rurais familiares, ele muitas vezes é necessário e pode ser produtivo, compatível com a freqüência do menor à escola, pode auxiliar a formação de seu caráter, incurtir-lhe o senso de responsabilidade, permitir-lhe participar das dificuldades e progressos da família, enfim, o trabalho pode ser um poderoso elemento de adaptação e integração do menor ao mundo adulto.

Por que no Brasil as coisas nem sempre se passam desse modo?

A verdade é que nosso País ainda tem problemas sociais e econômicos muito sérios: faltam escolas, habitação, infraestrutura, emprego...

Se os adultos ocupados têm trabalhos subvalorizados e penosos, a tendência é que seus filhos menores entrem prematuramente no mercado de trabalho nas mesmas condições.

É importante procurar-se combater a exploração do trabalho infantil, mas, sem soluções econômicas que favoreçam a família do menor, não há como impedir que ele se lance ao mercado em busca de trabalho - qualquer trabalho, insalubre, penoso, noturno, o que estiver disponível.

Nesse ponto, a atuação do Ministério do Trabalho tem de ser não só efetiva, mas também criativa. Fiscalizar com rigor, mas buscar alternativas. Reprimir a exploração do trabalho infantil, mas, sempre que ele for indispensável para a sobrevivência do menor e de seus pais, oferecer opções.

A proibição pura e simples do trabalho infantil, sem que se viabilizem outras possibilidades para a sobrevivência do menor e de sua família, é um mero exercício de hipocrisia.

Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/1996 - Página 17598