Discurso no Senado Federal

COMPLEMENTANDO INFORMAÇÕES TRAZIDAS A CASA, EM PRONUNCIAMENTO DO ULTIMO DIA 22, SOBRE O RELATORIO FINAL DO PROJETO BRA 87/022 - PRINCIPAIS INDICADORES SOCIO-ECONOMICOS DOS ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRARIA, HOJE ENFOCANDO OS INDICADORES COMPARATIVOS DO DESEMPENHO SOCIO-ECONOMICOS, CAPITALIZAÇÃO NOS ASSENTAMENTOS, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, DESISTENCIA E ABANDONOS E CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES.

Autor
Odacir Soares (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • COMPLEMENTANDO INFORMAÇÕES TRAZIDAS A CASA, EM PRONUNCIAMENTO DO ULTIMO DIA 22, SOBRE O RELATORIO FINAL DO PROJETO BRA 87/022 - PRINCIPAIS INDICADORES SOCIO-ECONOMICOS DOS ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRARIA, HOJE ENFOCANDO OS INDICADORES COMPARATIVOS DO DESEMPENHO SOCIO-ECONOMICOS, CAPITALIZAÇÃO NOS ASSENTAMENTOS, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, DESISTENCIA E ABANDONOS E CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES.
Publicação
Publicação no DSF de 26/10/1996 - Página 17678
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, DADOS, RELATORIO, PESQUISA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA (FAO), PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), SITUAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, REFORMA AGRARIA, REFERENCIA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, BENEFICIARIO.
  • COMENTARIO, DIFERENÇA, RENDA, FAMILIA, ASSENTAMENTO RURAL, REGISTRO, DESIGUALDADE REGIONAL.
  • REGISTRO, TRANSFERENCIA, BENEFICIARIO, SETOR, AGRICULTURA, COMERCIALIZAÇÃO, ANALISE, ESTATISTICA, ABANDONO, DESISTENCIA, VENDA, CONCENTRAÇÃO, TERRAS, ASSENTAMENTO RURAL, REFORMA AGRARIA.
  • COMENTARIO, CARACTERISTICA, REGIÃO AMAZONICA, NECESSIDADE, APOIO, INCENTIVO, COMERCIO, PRODUTO AGRICOLA.
  • CONCLUSÃO, PESQUISA, EFICACIA, PROGRAMA, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA, COMERCIALIZAÇÃO, DIFICULDADE, RELAÇÃO, MEIO AMBIENTE, PRODUTIVIDADE, RECOMENDAÇÃO, EXPANSÃO, BENEFICIO, MELHORIA, COMERCIALIZAÇÃO AGRICOLA, ORIENTAÇÃO, ASSISTENCIA TECNICA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.

           O SR. ODACIR SOARES (PFL-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a dedicar-me ao tema da Reforma Agrária, complementando as informações trazidas a esta Casa no dia 22 de outubro. O Relatório Final do Projeto BRA 87/022, "Principais Indicadores Sócio-Econômicos dos Assentamentos de Reforma Agrária", na abordagem que hoje faço, enfoca os temas: indicadores comparativos de desempenho sócio-econômico, capitalização nos assentamentos, distribuição de renda, desistência e abandonos e conclusões e recomendações.

           Os dados de renda dizem respeito à situação dos assentamentos em si. Embora sejam bastante significativos em termos de valores absolutos, para ganhar relevância analítica precisam ser comparados com o contexto regional e nacional.

           Por outro lado, existem certos indicadores sociais, como os de mortalidade infantil, os de situação de emprego anterior ao assentamento e os de força de trabalho absorvida nas atividades agrícolas, que permitem completar o quadro da situação atual dos beneficiários da reforma agrária em relação a sua situação anterior.

           Cabe assinalar, Sr. Presidente, que a maior parte (90%) dos assentados declarou que a sua situação melhorara em relação ao período anterior.

           Cálculos e estimativas realizadas no Brasil com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, coligidos por Hoffman, em 1985, estabelecem a linha de pobreza em um salário mínimo por família.

           A metodologia da definição das chamadas linhas de indigência e de pobreza, têm por base o custo de uma cesta básica de alimentos, cuja composição varia de acordo com a região e que atende aos critérios nutricionais recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

           A linha de indigência definida pela CEPAL corresponde ao valor da cesta básica mensal. Assim, são considerados indigentes todos aqueles cuja renda dá apenas, e na melhor das hipóteses, para garantir a alimentação adequada, ou seja, para adquirir uma cesta básica.

           A linha de pobreza corresponde a um nível de renda que permite cobrir, além do custo da cesta de alimentos, outras necessidades básicas, como saúde, educação, habitação, transporte e vestuário.

           Verifica-se que os assentados da reforma agrária superaram amplamente, em média, o patamar de um salário mínimo mensal, atingindo valores semelhantes à renda média nacional das famílias.

           Deve-se assinalar que a renda média nacional das famílias inclui as rendas urbanas, que sobejamente são superiores às rendas rurais, como também as rendas das famílias de classes média e alta da sociedade.

           Ao se comparar a renda média por trabalhador (renda total dividida pelo número de pessoas que trabalham na família do assentado pelo projeto de reforma agrária) com o salário de um mensalista na agricultura ou com os salários médios de um capataz, tratorista,administrador e mensalista, obtêm-se também valores parecidos.

           A renda obtida por um trabalhador dentro de um assentamento de reforma agrária foi superior ao salário ganho por um mensalista, de acordo com os dados da Fundação Getúlio Vargas. Quando se compara com o mix de salários agrícolas. comprova-se que os resultados dos assentamentos ficam um pouco abaixo dessa média, com exceção dos Estados do Sul, que superam essa média.

           Esse dado comparativo mostra que o custo de oportunidade gerado pelos assentamentos foi bastante alto, ou seja, consegue-se uma renda igual ou maior à de um mensalista e levemente inferior ao mix de salários,nestes incluídos os salários altos dos administradores.

           No que diz respeito à comparação da situação atual dos beneficiários da reforma agrária com a sua situação anterior, existem indícios de que a vida deles experimentou uma melhora significativa. Primeiro, por causa de sua situação de emprego anterior, que na maioria dos casos era do tipo de subemprego ou desemprego (empregos temporários, biscates, bóia-fria).

           Apenas 13,4%, Sr. Presidente, dos assentados em projetos de reforma agrária eram proprietários ou posseiros antes de entrar no assentamento, ou seja , já possuiam algum recurso de terra.

           Sendo assim, pode-se afirmar categoricamente que na reforma agrária brasileira os beneficiários foram, no geral, os que realmente precisavam de terra, tendo ocorrido uma melhora apenas com a transferência patrimonial realizada com a entrega do lote de terras a eles.

           Do ponto de vista social, existem alguns indicadores que mostram que a situação nos assentamentos é melhor do que na sociedade em geral. Os dados do UNICEF- Fundo das Nações Unidas para a Infância revelam uma taxa de mortalidade para o Brasil de 53 crianças mortas por cada mil nascidas, enquanto que, nos assentamentos, a taxa teria sido de 50 por mil.

           Em resumo, os resultados da pesquisa do Projeto BRA 87/022 sugerem que os assentamentos de reforma agrária representaram uma melhoria significativa dos seus beneficiários, tanto em termos de superação da pobreza rural, como no que diz respeito à situação de emprego e mortalidade infantil.

           É importante assinalar que a situação em média descrita não reflete a situação de todos os assentados, exatamente por se tratar de média. Internamente aos assentamentos existem importantes disparidades de renda, geradas por fatores passíveis de serem quantificados e por outros motivos de ordem subjetiva.

           Há um alto grau de diferenciação entre as famílias num assentamento.Verifica-se que existem três grupos de rendas bem diferentes:

           a) - um grupo de famílias, formado por aproximadamente 15% do total, que sobrevive com menos de um salário mínimo de renda total (incluindo todas as atividades);

           b) - um segundo grupo, de 40% das famílias, cuja renda oscila entre um e três salários mínimos por família;

           c) - um terceiro grupo, formado por 45% das famílias, que ganha mais de três salários mínimos em média.

           A distribuição descrita, Senhor Presidente, varia entre as diferentes regiões, sendo que o Nordeste apresenta uma situação bastante distante das médias: apenas 25,5% superam os três salários mínimos, e a maior parte se encontra entre um e três salários mínimos de renda total por família. No Sul, verifica-se a melhor situação em termos de distribuição de renda, sendo que a maior parte, 76%, superou os três salários mínimos e apenas 5% ficaram abaixo de um salário mínimo.

           A divisão das rendas familiares totais em grupos de renda sugere a existência de três categorias bem definidas dos assentados:

           a) - Os beneficiários da reforma agrária que não têm conseguido desenvolver uma atividade produtiva e que se mantêm abaixo da linha da pobreza- setor pobre ou marginalizado.

           b) - Um grupo cujas rendas oscilam entre um e três salários mínimos por mês.

           c) - O grupo de rendas mais altas, maiores de três salários mínimos por mês, que consegue produzir regularmente quantidades razoáveis de produtos de origem agrícola ou animal.

           É importante indicar que a reforma agrária conseguiu criar um subsetor de agricultores familiares comerciais, da ordem de 45% do total dos beneficiários de terra -- somando em torno de 45 mil famílias, considerando um universo de 100 mil famílias assentadas até 1990.

           Por outro lado, este processo não melhorou a situação de uma parcela de assentados, em torno de 15%, que ficaram, por diversos motivos, marginalizados do processo produtivo após três anos da implantação da reforma agrária. Este setor aparentemente não estaria em condições de progredir e provavelmente desistirá da vida no campo, abandonando ou vendendo os seus lotes.

           Numa faixa intermediária estão os agricultores que estariam em vias de integração, que varia entre 50% no Nordeste a 19% no Sul. Dependendo das condições climáticas e do apoio que recebam no futuro, poder-se-á transferir, ao menos uma parte deles, para o setor dos agricultores comerciais.

           A análise feita e os conhecimentos acumulados como resultado da pesquisa do Projeto BRA 87/022 sugerem que o padrão de vida nos assentamentos é melhor do que nas áreas que os rodeiam, o que era lógico de acontecer ao se considerar que os assentamentos de reforma agrária receberam apoio das instituições governamentais, enquanto que nas áreas de pequena produção ou de posseiros e arrendatários rurais prima a absoluta incerteza.

           Uma das críticas mais importantes que tem sido feita à política de assentamentos rurais diz respeito à problemática de abandono da terra e venda de lotes por parte dos beneficiários desta política.

           Os debates acontecidos, Sr. Presidente, sobre este assunto têm caído, por falta de dados consistentes, ora no alarmismo e derrotismo, com apreciações exageradas acerca do total abandono e reconcentração de terras supostamente acontecido, ou, de outro lado, no defensismo ingênuo e negador de uma realidade que existe, e que se materializa na freqüente venda dos lotes nos assentamentos.

           A pesquisa procurou contabilizar as desistências ocorridas no período de vida dos assentamentos visitados, e alinhar alguns fatos que permitem avançar na explicação do fenômeno.

           O percentual médio de desistência nos assentamentos de reforma agrária foi aproximadamente de 22% em relação ao número original de beneficiários. Verifica-se, em alguns casos, percentuais relativamente altos, como nos assentamentos do Pará (Carajás II e III; Manuel Crescêncio e Colônia Reunida).Nestes casos, as desistências estão aparentemente relacionadas com a questão do meio ambiente e do desmatamento.

           O ciclo tradicional da pequena agricultura na região Amazônica pode ser, em grandes rasgos, assim caracterizada:

           1ª fase - Após o recebimento da terra (ou a ocupação no caso dos posseiros) efetua-se a abertura da área por meio do desmatamento. Este desmatamento cumpre a dupla função de viabilizar um futuro plantio e de gerar alguma receita com a venda da madeira, que garanta a sobrevivência da família durante este período.

           2ª fase - O agricultor efetua o plantio de cereais, geralmente arroz, na área desmatada. Por causa da distância e da falta de meios de transporte o agricultor não realiza ganhos significativos, que de fato são internalizados pela estrutura de comercialização atuante. Esta situação vê-se agravada com o declínio da fertilidade da terra nos lotes.

           3ª fase - Decepcionado com a lavoura, o agricultor forma pastos nas terras do arroz e muda de atividade. Abrem-se três leques de possibilidades: a) vende ou arrenda o lote para fazendeiros pecuaristas; b) ele próprio se dedica à pecuária; c) dedica-se à venda de madeira de forma crescente.

           Obviamente que estas alternativas podem acontecer de forma combinada, ou seja, arrendando parte das terras, cortando madeira, e colocando gado para pastar nelas.

           Acredita-se que a promoção de atividades de incentivo à comercialização com menor incidência de intermediários permitirá internalizar uma parcela de renda maior dentro dos assentamentos, evitando-se ou minimizando-se, desta forma, o abandono da agricultura, ou a venda da área para fazendeiros que são os que depois vão realmente desmatar grandes extensões.

           As atividades de desenvolvimento auto-sustentado, com a combinação da lavoura, da pecuária, dos cultivos permanentes (café, cacau,pimenta-negra) e da extração seletiva de madeira podem aumentar a renda dos agricultores, como um fundo de reserva de valor que eles possuem na floresta, que lhes serve para afrontar necessidades eventuais ou mesmo para pagar pelo título da terra.

           No geral, os percentuais de desistências não têm sido muito altos, em torno de 20%, e coincidem com aquele estrato da população que ganha menos de um salário mínimo. Uma parcela dos assentados fica marginalizada e provavelmente abandonará a terra, fato este que não atenta ou diminui o valor do programa de reforma agrária, já que garantiu a retenção de um percentual de colonos importante na terra, promovendo o desenvolvimento social e econômico de uma parcela considerável da população assentada.

           A reconcentração de terra, quando se verifica, não implica a volta automática à situação prévia à desapropriação. As informações recolhidas no campo demonstram que uma parte das vendas acontece entre colonos, ou seja, beneficiários originais vendendo para agricultores "sem-terras" da redondeza, que não deixam de ser clientes potenciais e por vezes melhores que os originalmente selecionados.

           Pode-se afirmar, Sr. Presidente, que nos assentamentos visitados, apesar de suas inúmeras carências, um número considerável dos beneficiários originais tem preferido ficar na terra a migrar para as cidades, provavelmente devido à baixa absorção de força de trabalho que se verifica atualmente, ou a migrar para outras regiões onde não teriam acesso à terra.

           Importante contribuição deixou a pesquisa efetivada pela FAO, como órgão executor do projeto e o PNUD, como órgão financiador, ao elencar diversas recomendações de política agrária para o País, das quais se destacam:

           1) - O programa de assentamento de populações rurais de baixa renda nas áreas desapropriadas pelo INCRA revelou-se eficaz na promoção do desenvolvimento rural e na fixação do homem no campo. A pesquisa mostrou que os beneficiários da distribuição de terras geraram, em média, uma renda mensal por família equivalente a 3,70 salários mínimos, valor este superior à média de renda passível de ser obtida por qualquer categoria de trabalhadores rurais no campo.

           Recomenda-se a expansão deste programa, de forma tal que permita incorporar maior número de famílias de baixa renda, evitando-se assim o isolamento dos assentamentos num contexto de pobreza rural.

           2) - Verificou-se a existência de um marcado processo de integração nos mercados, principalmente entre as famílias de maior renda, o que revela que os assentamentos, além de colaborarem no aumento da produção de alimentos, foram eficientes em desenvolver um setor de agricultura comercial.

           Recomenda-se concentrar esforços e investimentos no sentido de eliminar os obstáculos que existem para uma mais eficiente integração, principalmente no que diz respeito à estrutura de comercialização.

           3) - Constatou-se que a produtividade, em geral, dos assentamentos é baixa, quando comparada ao contexto regional.Surgiram evidências também que mostraram a existência de dificuldades na relação com o meio ambiente, principalmente na região Amazônica.

           Recomenda-se que as atividades de assistência técnica levem em consideração o objetivo de incentivar o aumento da produtividade da terra, sem incidir negativamente na relação com a natureza.

           A aplicação de métodos agrícolas baseados no conceito de desenvolvimento auto-sustentado pode ser de grande ajuda no melhoramento tanto da produtividade, como no que diz respeito à utilização não predatória da natureza.

           4) - A pesquisa revela que, embora tenham sido realizadas obras de captação de água em algumas regiões, foi tênue a atividade de canalização de água e irrigação nas áreas passíveis de cultivo.

           O Nordeste, carecendo destas obras em quantidade suficiente, ressentiu-se em termos da renda gerada por família, o que pode ameaçar o futuro do programa na região.

           Em resumo, Sr. Presidente, pode-se dizer que a continuação do programa de assentamento de populações rurais de baixa renda, realizado de uma forma pragmática e bem organizada, resultará no melhoramento dos indicadores socioeconômicos do setor rural do Brasil e da sociedade como um todo.

                  "Não aguento a fome

                  Não há mais perdão

                  Deus dorme nos ares

                  O chefe nas camas

                  Acordo no chão

                  Eu quero o meu pão"

                  (Mário de Andrade,"Café")


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/10/1996 - Página 17678