Discurso no Senado Federal

DESPREZO E DESMORALIZAÇÃO DOS FUNCIONARIOS PUBLICOS PELO GOVERNO FEDERAL. FECHAMENTO DE OPORTUNIDADES DE TRABALHO NAS ESFERAS FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAL. CRITICAS AO PROGRAMA DE DEMISSÃO VOLUNTARIA A SER INSTAURADO PELO GOVERNO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.:
  • DESPREZO E DESMORALIZAÇÃO DOS FUNCIONARIOS PUBLICOS PELO GOVERNO FEDERAL. FECHAMENTO DE OPORTUNIDADES DE TRABALHO NAS ESFERAS FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAL. CRITICAS AO PROGRAMA DE DEMISSÃO VOLUNTARIA A SER INSTAURADO PELO GOVERNO.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Epitácio Cafeteira, Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 30/10/1996 - Página 17732
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • CRITICA, POLITICA, DESEMPREGO, GOVERNO, REDUÇÃO, DIREITOS, FUNCIONARIO PUBLICO, INCENTIVO, DEMISSÃO, VOLUNTARIO.
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESCONHECIMENTO, PROBLEMA, ECONOMIA, BRASIL, REPUDIO, REELEIÇÃO, CONTINUAÇÃO, PROCESSO, DESTRUIÇÃO, ESTADO.
  • LEITURA, TRECHO, ENTREVISTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CONTRADIÇÃO, EXCESSO, CAPITAL DE GIRO, AUSENCIA, INVESTIMENTO, POLITICA SOCIAL.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estive ontem na calçada do Banco Central e, hoje, entre 9h e 11h30 da manhã, fiz uma exposição e participei de um debate no CNPq.

Triste foi a forma como os funcionários públicos comemoraram o Dia do Funcionário. Resolveram até conceder um feriado a essa classe, que querem matar, que morre hoje sem foguete, mas foi para afastá-la de possíveis comemorações e protestos, para que ficasse em casa, para que não se aglutinasse na Praça dos Três Poderes ou nas repartições públicas. Era medo de suas reações, já que, há muito tempo, a classe dos funcionários públicos já deveria ter reagido contra o sucateamento, contra o desrespeito, contra o desprezo, contra a desmoralização programada que esse Governo propagandeia aos quatro ventos, a fim de justificar a desumanidade de propostas de desemprego, de fechamento de 102 mil cargos de funcionários públicos federais, de 50 mil demissões. Espera o Governo que 30 mil demissões aconteçam espontaneamente, como se os funcionários públicos pudessem encontrar alguma outra forma digna de subsistência e de sobrevivência, quando sabemos que não há oportunidade no mercado de trabalho deste País.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Os 3,6 milhões de empregos novos que deveriam ser criados, obrigatoriamente, por esse Governo convertem-se, ao contrário, em fechamento de oportunidades de trabalho nas esferas estatal, federal, estadual e municipal, em cascata, e também, obviamente, nos setores públicos, que são destruídos, sucateados pela avalanche de mercadorias que invadem o nosso mercado, extinguindo as oportunidades de emprego, colocando os trabalhadores na rua. E para fazer isso bem feito, o Governo reduz agora, por exemplo, a 2% o imposto sobre importação de partes, peças e componentes de automóveis.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Pois não, nobre Senador, com prazer.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Pedi o aparte a V. Exª quando V. Exª falou nesse tal de Programa de Demissão Voluntária. Veja V. Exª a falta de sentimento de humanidade do Governo, que declara que vai haver um Programa de Demissão Voluntária e que ele vai pagar para o funcionário pedir demissão; que ele vai até dar uma gratificação extra para quem aderir ao Programa nos primeiros 5 dias. Mas, na mesma hora, diz o Governo que quem não aceitar a demissão voluntária será transferido, porque esse Governo tem o direito de transferir o funcionário compulsoriamente. O cidadão do Amazonas não aceitará ser transferido para o Rio Grande do Sul ou para Brasília; não existe condição. Hoje, há muito funcionário público vendendo pastel e cachorro-quente, e o Governo quer valer-se exatamente dessa situação, pois, sem aumento, o funcionário chega a essa condição eu não diria de pobreza, mas de miséria. Aí, então, o Governo acena com algum dinheiro, a fim de que o funcionário se aposente. Nobre Senador, estamos passando por um período difícil. E, como diz um comentarista de televisão: "Isso é uma vergonha!"

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço o aparte de V. Exª e concordo em gênero, número e grau com suas palavras.

Na verdade, quando o Governo promove esse desemprego, essas demissões voluntárias, colocando um revólver na cabeça dos funcionários, aterrorizando-os e levando-os à situação de concordar voluntariamente - voluntariamente! - com o seu desemprego, verificamos, por outro lado, que esse mesmo Governo que reduz as alíquotas do imposto de importação; que coloca 2% para a importação de peças e componentes de carros; que parece estar esbanjando em receita tributária e que concede esses favores e benefícios aos setores de luxo, esse mesmo Governo vai atrás dos funcionários demitidos, que foram para o mercado informal, e não os admite na Feira do Paraguai, onde tentam sobreviver. Não admite que fiquem nas calçadas de todas as capitais.

Infelizmente, há juízes, há magistrados neste País completamente fora da realidade, desrealizados, que querem, em nome de um jurisdicismo desumano - fazendo aquilo que o Nietzsche chamava de "justiça raivosa" -, colocar também na rua aqueles que estão na informalidade, rebaixá-los ainda mais para o mercado subterrâneo do tráfico de entorpecentes, para o tráfico subterrâneo da prostituição infanto-juvenil, para o mercado subterrâneo do crime organizado deste País.

Portanto, é realmente incrível o que se passa diante dessa barbárie, que corresponde a essa crise inédita na história do capitalismo. Os governos não encontram a resposta, a não ser a velha, arcaica e defunta resposta dada pelos neoclássicos, a partir de 1873. Aí começa essa modernidade!

Um dia, talvez, eu me prolongue em mostrar os mitos da ideologia neoclássica que, agora, domina o Brasil e os altos escalões desta República.

Aproveitando todos os espaços, Fernando Henrique Cardoso concedeu uma entrevista, de mais de três páginas, à Folha de S. Paulo de 13 de outubro corrente. Li, com cuidado e atenção, a entrevista. Realmente, fiquei perplexo! Não há uma proposta de superar os problemas que Sua Excelência recebeu como herança perversa. Fernando Henrique Cardoso, que eu pensava ser mais do que um sociólogo, descobri, finalmente, que de economia não entende nada! S. Exª parece confirmar aquela crítica segundo a qual sociólogo é aquele que fala sobre tudo sem entender de nada ou de quase nada.

Agora, motivado, como acontece com todas as figuras que se deixam levar pelos impulsos narcísicos, Sua Excelência o Presidente diz que quatro anos é um período muito curto para fazer a sua grande obra.

O tempo passa, e Sua Excelência desemprega, desmantela o Estado, desmonetariza a economia, dolarizando-a; destrói o parque industrial, desarticula a pesquisa científica, desmantela as universidades e desfaz o sistema de saúde. É o programa do "des": desfazer, desmantelar.

Talvez, se o povo brasileiro conceder-lhe mais quatro anos, Sua Excelência, então, tome uma posse verdadeira na Presidência da República, para começar a fazer e a construir pelo menos parte daquilo que destruiu nos seus primeiros quatro anos.

O Presidente acha pouco quatro anos! 22 viagens internacionais! O tempo passa célere. Passeios, convescotes, 1.600 medidas provisórias! O tempo passa célere. Mas, para nós, que sofremos durante esses quatro anos de Governo; para nós, que estamos ameaçados de desemprego; para nós, que estamos ameaçados de aprofundarmos a fome; para nós, que estamos ameaçados com a entrega das empresas estatais, que custou, sim, o nosso sangue durante décadas; para nós, quatro anos foram uma eternidade. Eternidade! E Sua Excelência o deus Fernando Henrique Cardoso quer duas eternidades, duas vezes quatro anos, porque uma eternidade, para tamanha divindade, é muito pouco!

Pois bem, de toda essa entrevista conferida pela cabeça coroada de Fernando Henrique Cardoso à Folha de S. Paulo, retiro um trecho com o qual concordo. Sua Excelência, que virou um neoclássico; Sua Excelência, que acredita que não tem a menor importância desempregar trabalhadores, desempregar funcionários, porque haverá sempre um equilíbrio entre a oferta e a demanda; Sua Excelência, que acredita que é possível governar uma economia capitalista com equilíbrio orçamentário, o que jamais houve na história econômica do capitalismo, exceto durante crises; Sua Excelência, que acredita na Lei de Say, segundo a qual a oferta cria a sua própria demanda, um dos grandes mitos que tiveram pouca duração, porque Sraffa e, muito antes dele, Robert Malthus e Karl Marx desmoralizaram essa falácia. Diziam eles que o governo deve fazer como os comerciantes: se quiser equilibrar sua situação, deve cortar gastos, reduzir despesas e, se possível, aumentar receitas. Ora, se o comerciante, traído por essa mentira, por essa ilusão, quiser equilibrar sua receita e sua despesa, terá um lucro zero; não será nem comerciante, nem capitalista. O Estado que quiser harmonizar suas finanças equilibrando o orçamento não terá recursos para promover seu desenvolvimento econômico. Nem poderá fazê-lo, porque, de acordo com Fernando Henrique Cardoso, o que existe no capitalismo de hoje é excesso de capital. Essa afirmação está aqui, na página cinco deste jornal.

O SR. PRESIDENTE (Levy Dias) - Senador, a Mesa pede licença a V. Exª para prorrogar a Hora do Expediente por 15 minutos para que V. Exª possa concluir o seu discurso e para que possamos atender a mais duas inscrições.

O SR. LAURO CAMPOS - Sr. Presidente, gostaria de saber quantos minutos me restam.

O SR. PRESIDENTE (Levy Dias) - V. Exª ainda tem 4 minutos.

O SR. LAURO CAMPOS - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Se, numa fase mais recente da sua vida, o Presidente concorda com as medidas de enxugamento, de demissão, com o sucateamento das empresas estatais e adota o modelo do emagrecimento, em outra fase Sua Excelência adota o diagnóstico de Marx, segundo qual o grande problema do capitalismo não é falta de capital, mas excesso de capital. O problema do capital é o próprio capital, dizia Marx. É o processo de acumulação de capital que acaba anulando as oportunidades de investimento lucrativo e, portanto, colocando uma barreira ao seu próprio processo.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, Fernando Henrique Cardoso concorda que o problema, no Brasil e no mundo, é o excesso de capital. E, se o problema é esse, é óbvio que não será difícil atrair empresas do Japão, da Alemanha, da Itália e dos Estados Unidos, onde o capital é excedente. Não será também difícil conseguir empréstimos externos, até que esse processo seja barrado pela dívida pública; até que, como acontece hoje, os compradores dos títulos da dívida pública brasileira passem a exigir uma taxa de juros superior, fazendo fracassar a emissão de R$750 milhões feita pelo Banco Central na semana passada.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Josaphat Marinho - Note V. Exª, na linha de seu pronunciamento, que o Governo esmaga o funcionalismo, esmaga a economia, e está tentando ou prosseguindo no processo de esmagamento dos Estados. O espírito federativo não funciona. O Governo se recusa a negociar coletivamente com os Estados; só quer fazê-lo de um a um para esmagar definitivamente aqueles que já estão econômica e financeiramente enfraquecidos. É um processo comum de destruição de todas as entidades.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço ao nobre Senador Josaphat Marinho pela contribuição que trouxe à minha modesta fala. Vou ler um trecho da entrevista de Fernando Henrique, publicada na Folha de S. Paulo, que tenho em mãos.

      "Folha - Quem tira as vantagens máximas hoje com a mundialização, no Brasil?

      FHC - Aí depende. Como houve essa mudança geral no modo de produzir com a globalização etc., você teve aquilo que Marx jamais pensou, nem o Weber, nem ninguém - nem podiam: que o capital se internacionalizou com muita rapidez e ele é fator abundante."

Se o capital é fator abundante, por que economizar dessa maneira? Por que sacrificar uma população inteira, com medidas de economia, se o problema é o capital abundante? Quando o capital tornou-se abundante e provocou a crise de 1929, Roosevelt começou a pagar os fazendeiros para que não plantassem. Depois, pelo fato de a Suprema Corte ter julgado inconstitucional esse ato, o Presidente pagou para plantarem cactos. A produção excedente, nos Estados Unidos e no mundo, não encontrava consumidores diante da pobreza da massa. E o governo norte-americano teve que recorrer à grande dissipação para queimar esse capital.

Fernando Henrique Cardoso fala, no seu livro "Modelo Político Brasileiro", que o problema é o excesso de capital e que o Governo deve queimá-lo, ainda que seja no social.

O SR. PRESIDENTE (Levy Dias) - O tempo de V. Exª está esgotado.

O SR. LAURO CAMPOS - É realmente incrível que uma pessoa que considere o excesso de capital o principal problema da crise de hoje venha a chefiar, a comandar o governo da economia, o governo do "aperto do cinto", o governo que parece considerar que o capital é escasso, o governo que quer economizar para aumentar as disponibilidades! Ora, se Sua Excelência sabe que o capital é abundante, por que não gastá-lo, por que não aplicá-lo? Isso é completamente incongruente. Não se trata de uma contradição dialética, mas de uma absurda contradição ilógica.

Portanto, esperamos que o Presidente Fernando Henrique Cardoso esqueça um pouco da sua reeleição. Que cuide de semear primeiro para colher depois. Se até agora Sua Excelência só semeou a pobreza, o enxugamento e o desmantelamento, o que irá colher? A mídia não é capaz de fazer milagres, de transformar o branco em preto, de transformar a desarticulação em articulação, de transformar o desinvestimento em investimento, de transformar a crise em crescimento e prosperidade.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Levy Dias) - O tempo de V. Exª já está esgotado em 4 minutos, Senador Lauro Campos. A Mesa pede que encerre o pronunciamento.

O SR. LAURO CAMPOS - Eu gostaria muito de ouvir o nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Será apenas para uma informação complementar, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Levy Dias) - V. Exª tem um minuto para conceder o aparte ao Senador Eduardo Suplicy.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente.

Ouço o Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - É importante que a voz de V. Exª seja multiplicada. Amanhã, justamente sobre o tema que V. Exª aborda nesta tarde, haverá manifestação dos servidores públicos federais de todo o Brasil. Estarão presentes, solidários às reivindicações, os que lutam para que haja a reforma agrária mais rapidamente. Por isso, registro a importante informação: amanhã, na Esplanada dos Ministérios, saindo da Catedral e do edifício do INCRA - duas saídas - haverá uma manifestação, e todos os Senadores estão convidados a se solidarizarem com aqueles que chamam a atenção - como V. Exª está fazendo - para as medidas do Governo Fernando Henrique Cardoso, especialmente em relação ao servidor público e à questão da reforma agrária, que precisaria ser mais rapidamente efetivada.

O SR. LAURO CAMPOS - Nobre Senador, o aparte de V. Exª é a chave de ouro que faltava para que eu encerrasse este meu modesto pronunciamento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/10/1996 - Página 17732