Discurso no Senado Federal

DEFICIT NA CONTA TURISMO DO PAIS, A DESPEITO DE SEU POTENCIAL E DA BELEZA DE SUA NATUREZA. FORÇA DA ECONOMIA MUNDIAL GERADA PELO TURISMO. AUSENCIA DE INFRA-ESTRUTURA, DE INCENTIVOS E DE UMA POLITICA DE TURISMO PLANEJADA. IMPORTANCIA DO DESENVOLVIMENTO DO TURISMO NO NORDESTE.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. TURISMO.:
  • DEFICIT NA CONTA TURISMO DO PAIS, A DESPEITO DE SEU POTENCIAL E DA BELEZA DE SUA NATUREZA. FORÇA DA ECONOMIA MUNDIAL GERADA PELO TURISMO. AUSENCIA DE INFRA-ESTRUTURA, DE INCENTIVOS E DE UMA POLITICA DE TURISMO PLANEJADA. IMPORTANCIA DO DESENVOLVIMENTO DO TURISMO NO NORDESTE.
Aparteantes
Artur da Tavola, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 30/10/1996 - Página 17753
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. TURISMO.
Indexação
  • CONTRADIÇÃO, RIQUEZAS, BENS PAISAGISTICOS, BRASIL, INFERIORIDADE, NUMERO, TURISTA, CONCLUSÃO, ERRO, POLITICA, TURISMO, EFEITO, DEFICIT, BALANÇO DE PAGAMENTOS.
  • OPOSIÇÃO, CRIAÇÃO, OBSTACULO, VIAGEM, BRASILEIROS, EXTERIOR, ATENÇÃO, SUPERIORIDADE, TURISMO, ECONOMIA INTERNACIONAL.
  • ANALISE, VIOLENCIA, FALTA, SEGURANÇA, BRASIL, EFEITO, REDUÇÃO, TURISMO, NECESSIDADE, EDUCAÇÃO, OBJETIVO, TRATAMENTO, TURISTA.
  • ANALISE, PROCESSO, AUMENTO, NUMERO, TURISTA, BRASILEIROS.
  • ANALISE, PROBLEMA, PREÇO, PASSAGEM AEREA, PAIS, EFEITO, CUSTO, BRASIL, TRANSPORTE AEREO.
  • NECESSIDADE, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, CRIATIVIDADE, SERVIÇOS TURISTICOS, POSSIBILIDADE, EXTINÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, REGIÃO NORDESTE.
  • NECESSIDADE, ESTUDO, INSTITUTO BRASILEIRO DO TURISMO (EMBRATUR), DETALHAMENTO, ESTADOS, REGIÃO NORDESTE, SOLICITAÇÃO, LIDERANÇA, CONGRESSISTA, EMENDA, AÇÃO COLETIVA, ORÇAMENTO, FOMENTO, TURISMO.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil é um país lindo. Se observarmos a Bahia, representada pelo Senador Antonio Carlos Magalhães, veremos o conjunto folclórico das raças diferenciadas e toda aquela beleza. Se formos ao Maranhão, de V. Exª, Sr. Presidente, veremos todo aquele conjunto arquitetônico francês. Se formos ao Pará, teremos o Mercado Ver-O-Peso e a festa do Círio de Nazaré. Enfim, se considerarmos a Região Amazônica, que outro país do mundo dispõe disso? Se saltarmos para o Rio de Janeiro, representado pelo Senador Artur da Távola, veremos como é bela aquela cidade. Não existe no mundo - e eu conheço quase todo o mundo - nada semelhante ao Rio de Janeiro: montanhas, mar, céu, tudo formando um conjunto maravilhoso. No Paraná, temos a Foz do Iguaçu, com suas quedas maravilhosas. No Mato Grosso, temos o Pantanal.

Um País com toda essa maravilha, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, teve menos turistas que o Uruguai. Se tivermos sorte este ano - mas acredito que não iremos conseguir - chegaremos ao número de turistas que tivemos em 1986. Esse é o indicativo de que algo está errado com o turismo. É um indicativo de que não estamos agindo corretamente em relação ao turismo.

O Brasil é o campeão mundial das disparidades e das desigualdades, dos paradoxos e das incongruências, conseguindo, muitas vezes, ultrapassar seus próprios feitos e façanhas, superando o inimaginável.

No mais importante setor da economia moderna em termo de geração de renda e emprego, o turismo - setor que apresenta todas as perspectivas de se manter na vanguarda econômica do século XXI, a indústria sem chaminés do próximo século -, o Brasil conseguiu realizar algo inacreditável: ter prejuízo.

Nas principais economias mundiais, a participação do turismo no total das exportações gira em torno de 10%, contribuindo decisivamente para a melhoria no Balanço de Pagamentos, para uma melhor situação das contas externas, ao contrário do que vem ocorrendo no Brasil.

O Brasil é, em termos potenciais, o maior paraíso turístico do planeta - não há tufão, enchentes grandiosas, vulcões -, e apesar disso, o turismo dá prejuízo no Brasil.

É muito difícil compreendermos racionalmente - e não se trata de arranjarmos uma mera e fácil explicação - o conjunto de fatores que têm contribuído para que o Brasil, em apenas dois anos, 1993 e 1994, tenha tido um déficit de quase US$2 bilhões na Conta Turismo.

No ano de 1993, o Brasil teve uma receita de turismo estimada em US$1 bilhão e 91 milhões e uma despesa de turismo de US$1 bilhão e 892 milhões, apresentando, em conseqüência, um déficit de US$800 milhões, consoante dados do Anuário Estatístico 1994/1995 da Embratur.

No ano de 1994, nossa receita de turismo foi estimada em US$1 bilhão e 924 milhões, e a despesa de turismo foi de quase US$3 bilhões, o que gerou um déficit de aproximadamente US$1 bilhão.

Apesar da precariedade histórica de nossas estatísticas e da grande participação do mercado paralelo do dólar no pagamento das despesas com turismo, é muito provável que efetivamente o saldo negativo seja bem superior às cifras por nós apresentadas.

Isso não significa, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, absolutamente propor a criação de barreiras artificiais para os brasileiros que podem e desejam visitar outros países, ainda mais que o critério da reciprocidade deve prevalecer em todas as relações internacionais.

Não podemos, no entanto, menosprezar os interesses da economia nacional e considerarmos normal o fato paradoxal de os brasileiros não aproveitarem o imenso potencial turístico de nosso País e realizarem uma espécie de opção preferencial por falsos paraísos turísticos.

Desejo deixar bem claro que não se trata absolutamente de xenofobismo nem da tentativa de fechamento de fronteiras, o que seria incompatível com a minha formação política de homem que acredita no valor e na capacidade de ação construtiva da iniciativa privada.

Trata-se realmente de algo paradoxal que me deixa profundamente preocupado como cidadão e homem público: um país com enorme potencial turístico apresentar déficit na conta de turismo, vale dizer ser obrigado a gerar divisas em outras atividades e setores para pagar as despesas de turistas no exterior a fim de equilibrar seu Balanço de Pagamentos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as tendências da economia global e as análises prospectivas realizadas pelos principais estudiosos do futuro da economia já elegeram o setor que irá desempenhar o papel mais relevante na economia do século XXI: o turismo.

Muitas vezes são vistas com ceticismo as análises prospectivas realizadas por economistas, futurólogos e analistas da economia mundial, principalmente quando apontam metas que seriam atingidas no próximo século, pois, no dizer de John Maynard Keynes, no longo prazo, todos estaremos mortos.

Quando falamos de turismo, o futuro já chegou, já alcançou o presente, as previsões já se realizaram, não mais se trata de utopia, de análise prospectiva, nem de mera opinião pessoal: o turismo já é a maior indústria mundial deste final de século, superando as indústrias automobilísticas de petróleo e de eletroeletrônica.

As fortes tendências do crescimento do setor serviços, na economia do futuro, apenas reforçam a posição do turismo como atividade de primeira grandeza na geração de renda, emprego, lazer, cultura e entendimento entre os povos.

O desenvolvimento da economia engendra o aumento da participação dos setores terciário e quaternário no conjunto das atividades econômicas e o turismo acompanha essa tendência, aumentando significativamente sua participação nessa nova fronteira econômica e social.

A tendência futura da diminuição das jornadas de trabalho de grande número de trabalhadores e o conseqüente aumento de tempo dedicado ao lazer, à cultura e a atividades correlatas abre caminho para o maior desenvolvimento do turismo em termos mundiais.

No Brasil, essa tendência ainda não se consubstanciou. No entanto, já começaram a surgir as pré-condições necessárias à sua materialização.

A renda per capita vem crescendo, embora lentamente, ao longo dos últimos anos. O contingente de pessoas aposentadas e em vias de se aposentar vem crescendo significativamente. E agora, então, nem se fala, em relação ao funcionário público. Em minha universidade, por exemplo, 40% de meus companheiros aposentaram-se. A economia já demonstra sinais de maior pujança, os investidores estrangeiros já elegem o Brasil, preferencialmente, como o país destinatário para substanciais investimentos produtivos.

Apesar das graves e tenebrosas desigualdades sociais e regionais e de elevados níveis de violência existentes em muitas cidades brasileiras, o turista estrangeiro já não discrimina o Brasil como até recentemente o fazia.

Nesse ponto lembro, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que já houve até um departamento de estado de um país que não recomendava a vinda de seus cidadãos ao Rio de Janeiro.

Ontem, no Rio de Janeiro - e digo isso com muita tristeza, Senador Artur da Távola -, um circo retirou-se do local em que estava por causa das balas perdidas, que atingiram, em uma semana, quatro pessoas. Quem atirou? Ninguém sabe, mas sabe-se que as armas dos bandidos têm alcance de quatro quilômetros.

É difícil fazer prosperar o turismo em um país no qual, repentinamente, as pessoas podem ser o alvo de uma bala perdida; verificar que uma cidade com um aparato como o do Rio de Janeiro sofre tal problema dói na alma da gente.

O Sr. Artur da Távola - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Ney Suassuna?

O SR. NEY SUASSUNA - Pois não, nobre Senador Artur da Távola.

O Sr. Artur da Távola - Senador, V. Exª está falando de modo claro, lúcido, percuciente, como sempre. E o fato de haver me chamado ao discurso realmente me dá a oportunidade de tocar em algo muito importante na simbologia aludida por V. Exª. Quando um circo que representa infância, magia e até um certo sentido aventureiro, bonito, por parte dos artistas, é obrigado a se retirar de um local no centro de uma cidade - a segunda em tamanho no nosso País -, essa simbologia é realmente muito grave. É um sintoma de adoecimento do segmento urbano, e o Rio de Janeiro, evidentemente, sofre esse adoecimento. Parece que as balas que atingem aquele local, tradicionalmente dos circos, não vêm de tiroteios na rua, mas vêm dirigidas de alguns morros próximos. A polícia ainda não apurou, mas parece que alguém, por mero prazer sádico, atira na direção do circo. Então, temos aí dois elementos; primeiro, o fato de que, sem desarmar a população, continuaremos entregues a essa sorte de acasos brutais e da maldição da bala perdida. A bala perdida, por um lado, ou o assassinato que é cometido, porque a pessoa está com a arma na hora. O que poderia ser resolvido no braço, como se dizia ao nosso tempo, é resolvido a bala. Agora, o dado estarrecedor. E não quero me alongar para não atrapalhar o discurso de V. Exª; de todos os dados sociais brasileiros, estarrecedores, o que mais me toca pessoalmente, o que mais me chama a atenção, é o número de homicídios que o País perpetra a cada ano. O Brasil, Senadores, está com uma média de 47 mil homicídios por ano. É um índice brutal. É maior do que o número de americanos mortos na guerra do Vietnã, é maior do que o de pessoas mortas na guerra da Chechênia; é muito maior do que as pessoas mortas no conflito entre Israel, os palestinos e a Cisjordânia. Como esses crimes vão sendo feitos dia a dia, como os cadáveres não estão empilhados e não dão fotografia, como em geral atingem o segmento pobre da população, parece que vamos ficando insensíveis: 47 mil homicídios por ano o Brasil perpetra! E nós nos damos como um País pacífico, bondoso, romântico. A Alemanha tem cerca de 300 homicídios por ano, os Estados Unidos tem pouco mais de mil e, ali, há uma sociedade igualmente ensandecida num segmento pelo delírio do consumismo. Estamos com 47 mil homicídios/ano, sendo que, apenas para dar um exemplo, há duas semanas São Paulo teve um fim de semana com 50 homicídios. A média de homicídios de fim de semana no Rio de Janeiro é 20 e a média de homicídios em São Paulo é 23. Há duas semanas foram 50; e, no Rio de Janeiro, 20, o que nos deixa pasmos diante dessa realidade que não pode ser escamoteada. Há alguma coisa muito grave lavrando por aí. Mas nada disso tem a ver com o aspecto saudável do discurso de V. Exª, com a bela pregação do turismo, com isso que V. Exª pretende: fortalecer o lado sadio da sociedade, sem o qual os aspectos enfermiços de anomia social que o Brasil vive vão acabar ganhando e levando a melhor. Obrigado a V. Exª pela atenção.

O SR. NEY SUASSUNA - Senador Artur da Távola, eu é que agradeço. O que V. Exª acaba de dizer faz muito sentido.

O Brasil, onde há tantas belezas, como a Bahia, os pampas do Rio Grande do Sul, o Pantanal, as cataratas e a Amazônia, recebe menos turistas que o Uruguai. Alguma coisa vai mal, talvez por culpa de nossa própria imprensa, que tanto divulga as barbaridades que estão acontecendo, as quais não podem ser escamoteadas, como bem disse V. Exª; mas isso apavora os estrangeiros, provocando uma queda do turismo.

Não conseguimos atingir novamente o índice de 1986. Quanto cresceu a população mundial? Desde aquela época, quantas linhas de aviação foram implantadas em intercâmbio com o Brasil? Não podemos entender por que isso está acontecendo.

Hoje, a Espanha recebe mais turistas do que a sua população. Naquele país, a crime contra o turista é duplamente penalizado, pois o objetivo nacional é receber os turistas. Aqui, no Brasil, ainda não entendemos isso. O Rio de Janeiro e a maioria das nossas capitais não entenderam que não proteger o turista significa menos empregos nos hotéis e nos restaurantes e menos emprego para os motoristas de táxis, que, muitas vezes, são os primeiros a explorar dos turistas.

Temos que criar uma infra-estrutura, uma educação para o turismo, pois, com isso, possibilita-se um turismo crescente e não a perda, em dois anos, de US$2 bilhões na conta turismo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, lembro que o Nordeste tem sol 365 dias no ano e pode receber vilas e cidades inteiras de japoneses, de dinamarqueses em férias, que têm o inverno muito rigoroso. V. Exª, Sr. Presidente, que bem conhece o seu Estado, sabe que não existe no mundo uma areia e uma água como aquela da Praia do Francês ou da Barra de São Miguel. Eu, que conheço quase que o mundo todo, não me lembro de outro lugar que tenha uma areia e uma praia como a de seu Estado; talvez a Praia de Genipabu, no Rio Grande do Norte, e outras do Ceará possam se igualar as de seu Estado.

Mas não há infra-estrutura para o turismo e em apenas dois Estados do Nordeste ocorrem investimentos nesse setor; nos demais, o investimento é mínimo. O turismo deveria ser encarado como uma indústria que não polui e que traz, com toda a certeza, um progresso gigantesco, gerando um intercâmbio cultural muito grande.

O Presidente Fernando Henrique tinha razão ao nos chamar de matutos e de caipiras, pois temos agido assim com relação ao turismo. Não o temos levado a sério e em relação a ele nada de criativo fazemos. Estive há pouco tempo em um hotel cinco estrelas no Quênia - o restaurante era um grande circo de lona, assim como o bar; os quartos e os apartamentos eram barracas de lona -, caro e sui generis. No Brasil, em contrapartida, ou fazemos monumentos, hotéis todos em granito, ou falta criatividade, porque falta o apoio. Não entendo o porquê, mas algo está errado.

Hoje, quando ocupo esta tribuna, eu o faço por dois motivos: primeiro, para alertar que a política de turismo não vai bem; segundo, para alertar que, dadas as desigualdades gigantescas que tem o Brasil, o Nordeste poderia ser alavancado pelo turismo.

O Sr. Pedro Simon - V. Exª me concede um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Pedro Simon - Senador Ney Suassuna, também creio da maior importância o pronunciamento de V. Exª. Causa dó verificarmos a insignificância do turismo na economia do nosso País principalmente se considerarmos o fato de que o Brasil é um dos países que percentualmente mais turistas produz. Só ali para o parque de Miami são dezenas de vôos fretados, praticamente todos os dias, e o brasileiro é considerado daqueles que mais dólares per capita gasta lá fora. O Brasil descobriu os caminhos do turismo: Estados Unidos, Europa, vários países do mundo e, no entanto, não damos importância alguma para o nosso turismo. Há um vôo que faz a linha Brasília/Curitiba/Porto Alegre/Buenos Aires, e eu o pego para ir para Porto Alegre. Não me lembro com precisão o valor da passagem, vamos supor que seja R$400,00. Se eu pegar o mesmo avião para percorrer o trecho Brasília/Buenos Aires o preço da passagem passa para R$250,00. É menos um terço do valor, embora de Porto Alegre a Buenos Aires sejam quase duas horas de viagem. Se pegarmos qualquer plano de viagem de uma semana, em qualquer lugar, por exemplo, Nova York, Paris, Itália, as passagens, as diárias do hotel, tudo é infinitamente mais barato do que pegarmos um vôo, nas mesmas circunstâncias, aqui no nosso País. Tive que dar uma passagem para meu filho ir à Fortaleza na linha Porto Alegre/Fortaleza. Ele precisava resolver uma questão como advogado. Meu filho gastou bem mais do que um colega dele que foi para Nova York, passou em Paris e retornou a Porto Alegre. Ou seja, um vôo Porto Alegre/Nova York/ Paris/Porto Alegre custou bem menos do que um vôo Porto Alegre/Fortaleza/Porto Alegre. Não temos planos de viagem com preços bons sob nenhum ângulo que se analise a questão. V. Exª disse bem que a indústria do turismo é a indústria sem chaminé; é a que não tem poluição; é pacífica. Temos de nos dar conta de que se a indústria do turismo é feita para as classes média-alta e alta, cada turista significa, pelo menos, a criação de meia dúzia de empregos para a classe pobre. Não há indústria que ofereça mais oportunidade de trabalho do que o turismo. Pode haver alguém que pense o seguinte: o Senador Ney Suassuna está na tribuna falando sobre turismo, mas isso é assunto para rico porque pobre não faz turismo. É verdade. Turismo pode ser coisa para rico, para a classe média-alta, mas dá empregos para a classe menos favorecida, um emprego tranqüilo, sereno. É muito melhor a pessoa trabalhar num hotel 5 estrelas, do que trabalhar numa fábrica ou numa mina fazendo uma tarefa muito mais árdua, mais difícil e ganhando menos. Quando se fala em turismo, está-se mencionando divisas que vem para o País e trabalho para quem não tem. V. Exª tem razão: num País como o Brasil, que perde em turismo para Montevidéu e Punta del Este - porque no Uruguai são só essas duas cidades -, não dá para se falar em turismo. Meus cumprimentos pelo importante pronunciamento de V. Exª.

O SR. NEY SUASSUNA - Agradeço, nobre Senador Pedro Simon, seu aparte ao meu discurso.

V. Exª abordou um assunto que eu iria deixar ao largo, mas vou falar sobre ele agora. Realmente, os preços das passagens de avião no Brasil são inviáveis, mas estão inviáveis em função de toda uma conjuntura. Os aeroportos brasileiros são os que mais cobram no mundo; o querosene tem uma taxação gigantesca; um avião, ao ser comprado, paga um custo-Brasil, portanto, custa muito mais caro do que os comprados em outros países. E nós ainda não nos conscientizamos disso, não pensamos seriamente em diminuir esse custo, não fazemos força para diminuí-lo. Os juros cobrados na compra de um avião no Brasil são quase o dobro dos cobrados nos Estados Unidos.

E os hotéis? Paga-se para fica em qualquer cidade do interior do Brasil a mesma diária de um hotel localizado em Manhattan ou na Broadway. Os cento e poucos dólares pagos lá por uma diária de hotel aqui equivalem a mais ou menos R$200.

Realmente, algo está errado com o turismo nacional. Idéias existem muitas. Há países como a China, e na Europa, a Alemanha, que fazem turismo para a massa. Por outro lado, aqui não se faz turismo para pobre nem para rico. Quem, tendo dinheiro, se arriscará a passear numa cidade brasileira para receber um tiro proveniente de uma bala perdida? Imediatamente publicamos esse fato nos jornais; não prendemos o bandido e, depois, fazemos propaganda negativa de nós mesmos. Convenhamos que essa situação é de difícil conserto.

Temos uma riqueza natural formidável no Nordeste, praias maravilhosas, povo hospitaleiro, comida regional e folclore. Há tudo! Conversando com o Governador da Paraíba, falávamos sobre a belíssima orla marítima de nosso Estado. Temos, inclusive, um vale onde há pegadas de dinossauros em quantidade. Se aquele local estivesse nas mãos dos americanos, haveria animais pré-históricos movendo-se como em Disneyworld e, com certeza, milhares deles estariam à venda, sem falarmos nos restaurantes e outros empreendimentos que abordariam essa temática turística. Infelizmente, não fazemos uso desse potencial.

Srs. Senadores, temos uma cidade na Paraíba, de nome Princesa, que se proclamou independente, emitindo dinheiro e montando um exército para combater a República. Se isso tivesse ocorrido nos Estados Unidos, teríamos aqui uma Williamsburg, outrora uma antiga cidade decadente e que, repentinamente, se tornou promissora. Como? Voltou ao século XVI. Todos os dias há desfiles, tiros de canhões no forte e todos os seus restaurantes são tabernas. É preciso apenas um pouco de criatividade. O turista poderia ir à capital e visitaria duas ou três cidades do interior. Como isso poderá ser feito se o nosso empresário quer ganhar tudo instantaneamente? Como fazer se o Governo não tem infra-estrutura e capital barato para isso? Como vamos fazer se enfrentamos as mais diversas dificuldades? Pensamos em criar uma vila para japoneses aposentados, e o que aconteceu? Esbarramos no visto, que só é concedido por um prazo curto, e um cidadão de idade não vai sair do Japão para passar pequena temporada em outro país. Teria de ser, pelo menos, seis meses. Felizmente esse obstáculo já foi contornado pelo Ministério das Relações Exteriores.

Fáceis medidas podem transformar este País num verdadeiro paraíso do turismo, mas é preciso proteger o turista. É preciso criar infra-estrutura, que pode ter baixo custo. Para isso, basta usar a criatividade. Como acabei de dizer, no Quênia, há um hotel cinco estrelas, com serviço cinco estrelas, custo de cinco estrelas, e é todo de lona. Falta aos nossos empresários da área de turismo a criatividade.

O organismo se burocratizou. Conseguir verba para montar os hotéis que deveriam montados tornou-se praticamente inviável. É uma dificuldade tremenda! Enquanto isso, nossa receita cai pela falta de segurança, pelo alto custo, pela falta de infra-estrutura, enfim, por falta de uma política de turismo. Gastamos, como acabei de dizer, R$2 bilhões a mais. Considerando os turistas que saíram e os que vieram, tivemos que desembolsar R$2 bilhões.

É uma situação difícil, é uma situação triste, é uma situação revoltante. Isso nos revolta, porque nós, que conhecemos um pouco nosso País e boa parte do mundo, sabemos que não existe país mais bonito do que este; não existe povo mais gentil e mais afável que este; não existe povo mais amigo, mas falta uma política voltada para a educação.

Senador Pedro Simon, V. Exª quer voltar a fazer um aparte?

O Sr. Pedro Simon - Gostaria de chamar a atenção para um pequeno detalhe: o melhor exemplo de país que resolveu levar a sério o turismo é o da Espanha. Antes de entrar no mercado comum europeu, quando ainda estava numa fase atrasada, antes de se desenvolver e crescer, ainda no tempo de Franco, a Espanha resolveu levar a sério o turismo e fez um plano para alcançar esse objetivo. Hoje na Espanha um guarda de trânsito não pode exercer a sua profissão sem que tenha feito um curso de turismo; nenhum garçon, balconista de loja ou atendente de bar pode trabalhar se não tiver feito um curso de turismo. Na escola, todos os alunos recebem aulas de turismo para aprender a tratar o visitante. A Espanha recebe 33 milhões de pessoas por ano, e nós recebemos, como disse V. Exª, uma quantia insignificante. A Espanha, que é um país pequeno, comparado com o Brasil, recebe 33 milhões de turistas por ano.

O SR. NEY SUASSUNA - Senador Pedro Simon, vou contar uma história sem dizer o Estado onde ela ocorreu; direi apenas que aconteceu no nordeste: um navio americano parou num dos portos nordestinos, e seus marinheiros decidiram conhecer o interior do Estado.

Foram até uma cidade do interior, sentaram-se num bar e pediram uma cerveja - ninguém falava inglês no local, mas eles conseguiram explicar que queriam uma cerveja. Foram atendidos e ficaram conversando entre si. Logo depois, chegou o delegado e prendeu os três marinheiros. Ao ser indagado por que havia feito isso, respondeu que eles falavam algo que ninguém entendia e que podiam estar falando mal dos habitantes da cidade.

Dessa forma, ninguém faz turismo. Enquanto nos outros países se criam condições para o turismo receptivo, aqui tratamos o turista desta forma: nós os prendemos porque não sabemos o que estão dizendo.

O nosso povo é afável sim, mas teme algumas coisas, principalmente estrangeiros no interior, quando não há comunicação. Então, é preciso que se crie essa estrutura receptiva. É preciso que aproveitemos nossos recursos naturais, que são abundantes.

Na qualidade de Senador nordestino, como representante do Estado da Paraíba, vejo que é chegado o momento de sairmos dos planos e das teorias para o desenvolvimento do Nordeste e utilizarmos o enorme potencial representado pelo turismo na forma de redução das desigualdades e de crescimento da região.

O Governo Federal é constitucionalmente obrigado a adotar políticas compensatórias em benefício das regiões menos desenvolvidas. Dessa forma, cabe ao Instituto Brasileiro de Turismo - Embratur - conceder grande prioridade ao desenvolvimento do turismo no Nordeste.

Para tanto, defendemos maior participação entre Governo e iniciativa privada, em que a Embratur deveria realizar estudos técnicos mais profundos do turismo no Nordeste e colocar à disposição dos empresários interessados o conhecimento técnico, a base científica, a capacitação de pessoal e demais ingredientes necessários para que o Nordeste possa competir favoravelmente nessa atividade tão prioritária para nosso País.

Precisamos dotar o Nordeste brasileiro, cuja Costa Dourada desfruta de sol praticamente 365 dias por ano, de produtos turísticos de alta qualidade, de serviços prestados de acordo com os padrões internacionalmente aceitos, a fim de que o turista seja bem atendido e retorne ao nosso País.

Com a extinção dos incentivos fiscais ao turismo 1986, o setor passou a ter maiores dificuldades de competir internacionalmente. Basta observar que, até os dias de hoje, ainda não conseguimos recuperar o fluxo de turistas estrangeiros que ingressou no Brasil no ano de 1986, que foi de um milhão, novecentos e trinta e quatro mil e noventa e um.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o enorme potencial turístico brasileiro, certamente, deverá ser observado por concorrentes de outros países, receosos de que se desviem para o Brasil os fluxos turísticos atualmente estabelecidos, já que nenhum desses países tem uma cidade com a beleza natural do Rio de Janeiro; nenhum país possui uma floresta amazônica tão extensa; e em nenhum outro existe um lugar como o Pantanal mato-grossense.

Um dos nossos trunfos nessa luta pelo desenvolvimento do turismo é a beleza do litoral nordestino, com praias consideradas as mais belas do mundo, com um povo hospitaleiro e desejoso de trabalhar e construir riquezas para o Brasil.

O desenvolvimento do turismo no Nordeste contribuirá decisivamente para a melhoria da qualidade de vida de milhares de brasileiros, com a geração de novos empregos, com maior qualificação dos recursos humanos, reduzindo as desigualdades regionais, dando maior integração social e econômica ao nosso País, protegendo o meio ambiente e preservando o patrimônio histórico e cultural.

No Anuário Estatístico da Embratur, apenas dois Estados nordestinos são estudados e analisados especificamente: Pernambuco e Bahia. Os demais Estados são agrupados em "outros", o que dificulta uma análise mais profunda do turismo nordestino.

Quero, neste momento, fazer um apelo ao Sr. Ministro da Indústria, do Comércio e do Turismo para que transforme em decisão política o preceito constitucional que confere ao Nordeste prioridade na área de turismo.

De minha parte, acredito ser esse o momento político ideal, quando o Congresso aprecia o Orçamento para 1997, para contribuirmos com as ações de fomento necessárias ao incremento da atividade turística.

Considerando que as emendas individuais têm pequeno poder em termos de força para aprovação, gostaria de conclamar os Srs. Líderes e as Bancadas interessadas, para a apresentação de Emendas Coletivas, posto tratar-se de matéria de interesse de vasta porção do território nacional.

Tenho a firme convicção de que a adoção de uma política de turismo planejada, determinada e responsável contribuirá não só para a melhoria da imagem do Brasil no exterior e para o equilíbrio do nosso Balanço de Pagamentos - dois bilhões é muito dinheiro; com um bilhão faríamos a transposição das águas do Rio São Francisco e resolveríamos o problema de quatro Estados. E dois bilhões foi o que perdemos nos últimos dois anos - mas, sobretudo, para resgatar o desenvolvimento do Nordeste a partir da sua vocação natural.

Sr. Presidente, ao terminar, espero que façamos as correções necessárias, para que esse gigante adormecido acorde e atraia, com a qualidade dos serviços prestados ao turista, toda a população mundial para conhecê-lo. Então, teremos uma indústria limpa que traz grandes recursos e que tem condições de alavancar o progresso deste País, que é o que todos nós queremos.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/10/1996 - Página 17753