Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE AS MATERIAS DA REVISTA VEJA DESTA SEMANA E DO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, EDIÇÃO DE DOMINGO, A RESPEITO DAS CRIANÇAS ENTRE 7 E 14 ANOS QUE TRABALHAM PARA CONTRIBUIR COM A RENDA FAMILIAR, DEIXANDO, COMO CONSEQUENCIA, DE FREQUENTAR A ESCOLA. DISPOSIÇÃO DE S.EXA. EM COLABORAR COM OS PARLAMENTARES ENVOLVIDOS NA DISCUSSÃO DO PROJETO DE GARANTIA DE RENDA MINIMA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • COMENTARIOS SOBRE AS MATERIAS DA REVISTA VEJA DESTA SEMANA E DO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, EDIÇÃO DE DOMINGO, A RESPEITO DAS CRIANÇAS ENTRE 7 E 14 ANOS QUE TRABALHAM PARA CONTRIBUIR COM A RENDA FAMILIAR, DEIXANDO, COMO CONSEQUENCIA, DE FREQUENTAR A ESCOLA. DISPOSIÇÃO DE S.EXA. EM COLABORAR COM OS PARLAMENTARES ENVOLVIDOS NA DISCUSSÃO DO PROJETO DE GARANTIA DE RENDA MINIMA.
Publicação
Publicação no DSF de 30/10/1996 - Página 17768
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, INFORMAÇÃO, IMPRENSA, ESTATISTICA, TRABALHO, MENOR, INFANCIA, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, ASSUNTO, COMERCIO AMBULANTE, MENDIGO, ROUBO, CRIANÇA.
  • ANALISE, PARTICIPAÇÃO, CRIANÇA, ORÇAMENTO, FAMILIA, REGISTRO, PROGRAMA, REDUÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL.
  • COMENTARIO, TRAMITAÇÃO, PROJETO, GARANTIA, RENDA MINIMA, CAMARA DOS DEPUTADOS, EXPECTATIVA, AGILIZAÇÃO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, INICIO, PROCESSO, ERRADICAÇÃO, MISERIA, BRASIL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a revista Veja desta semana, assim como a Folha de S. Paulo no domingo, trouxeram matérias a respeito de um dos mais graves problemas brasileiros: o número extraordinário de crianças na faixa de 7 a 14 anos sobretudo que hoje estão trabalhando, ajudando o sustento de suas famílias e muitas vezes deixando de freqüentar as escolas.

Na verdade, 3 milhões e 800 mil pessoas - assinala a reportagem da Folha de S. Paulo - na faixa etária de 7 a 14 anos estariam, segundo o IBGE, trabalhando. A reportagem da Veja, da qual passo a ler alguns trechos, traz informações impressionantes sobre essas crianças e relata medidas que estão sendo tomadas por governos locais visando reverter esse quadro.

A matéria especial, "Quem sustenta a casa", de Altair Thury Filho e Morris Kachani, se inicia com o seguinte relato:

      "Todas as manhãs, o pequeno Valcir Cristiano Donateli, 10 anos, pega um trem de subúrbio, faz a baldeação num ponto de ônibus e dirige-se a seu local de trabalho, na esquina da Avenida Rebouças com a Rua Estados Unidos, uma das mais movimentadas de São Paulo - uma esquina onde muitas vezes passo e conheço pessoalmente. Ali, Valcir vende chicletes. Dá de cara com motoristas impacientes, que esperam o sinal abrir com a primeira marcha engatada e o pé na embreagem. Entre roncos de motores, vidros fechados e olhares agressivos, o menino tem menos de dois minutos para convencê-los a comprar uma caixa de chicletes. Muitos dos que pagam pela mercadoria não a levam. Ficam satisfeitos apenas em vê-lo se afastar. A labuta dos sinais de trânsito rende ao garoto pelo menos 480 reais por mês - mais de quatro salários mínimos. Nos finais de semana, Valcir pega uma caixa de engraxate e sai para mais um biscate.

      Valcir faz parte das incertas estatísticas que apontam 40 000 crianças perambulando pelas ruas das grandes cidades brasileiras. Nelas, as crianças vendem mercadorias para reforçar o orçamento de casa. Existem as que só pedem esmola, nada entregando em troca. E também existem os meninos que roubam, ameaçam o motorista com um caco de vidro, um estilete e até um revólver. A infância da rua é talvez a imagem mais chocante da questão social brasileira, ainda que não seja, com certeza, a maior nem a mais difícil de ser resolvida. Uma criança que vende balas é um sinal de que algo não vai bem em sua casa, com os adultos que são seus pais, que ganham pouco ou não têm emprego, ou são doentes e não têm quem cuide deles. Não é fácil resolver o drama dessas crianças, mas é bom ver que já se avança nesse sentido em diversas capitais do País.

      Em São Paulo, o pequeno Valcir trabalha em companhia da mãe Lourdes, uma ex-faxineira de 43 anos, seis filhos, separada do marido, que vende panos de prato e de limpeza a menos de 200 metros do ponto onde fica seu filho. Lourdes acompanha o menino na rua porque, estando perto, protege-o de garotos mais velhos que queiram roubá-lo. "Morro de medo de que dêem pinga para ele ou mesmo drogas - esse crack é terrível", diz Lourdes, referindo-se a um tema que também preocupa a dona de casa que está do lado de dentro do automóvel. Trabalhando juntos, Lourdes e Valcir levam para casa 1000 reais por mês. É pouco para uma residência com oito bocas - o ex-marido de Lourdes, desempregado, continua sustentado por ela.

      Um levantamento feito no Rio de Janeiro, em agosto, mostra que 85% das crianças que vivem nas ruas pedem esmola em companhia da mãe ou do pai, ou de ambos. Nada menos que 42% de todos aqueles que apelam por caridade na capital fluminense são crianças até 6 anos de idade. Uma em cada quatro até vai à escola. As poucas pesquisas existentes em outros lugares indicam que, fora dali, a situação não é muito diferente. Mesmo assim, na semana passada, assistiu-se em duas capitais a um esforço para tirar as crianças da rua - à força. No Distrito Federal, o governo do professor petista Cristovam Buarque entrou com um processo contra um casal acusado de usar seus filhos para pedir esmolas. Com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, os pais foram qualificados de "exploradores de crianças". Podem perder o pátrio poder e responder a um processo criminal que dá três meses de cadeia. Como a decisão teve repercussão, o Judiciário se animou e anunciou que fará o mesmo com outros pais pilhados na mesma situação. A coreografia das autoridades, no entanto, não passa de bravata. Ataca o problema na epiderme, desconsiderando que a ferida é bem mais profunda.

      O pai "explorador" de crianças que foi indiciado em Brasília, Ailton Elpídio da Silva, 40 anos, é carroceiro e ganha 400 reais por mês levando entulho, papel velho e garrafa numa charrete em que ele ocupa o lugar do cavalo. Sua mulher, Ana Maria das Dores, ganha 200 reais como lavadeira. Os dois têm nove filhos e foram duas de suas meninas, Cassiana, de 10 anos, e Rosimeire, de 2, que motivaram toda a confusão. Com a irmã pequena no colo, Cassiana abordava motoristas num semáforo para pedir esmola. Habituada à lide das ruas, a menina, às vezes, conseguia arrecadar até 50 reais por dia, um quarto do que a mãe ganha em um mês. Em oito dias, ela punha em casa o mesmo que o pai em trinta.

      "Vai trabalhar!" - Há cinco semanas, um motorista ouviu o pedido de Cassiana e Rosimeire e não gostou. Celular em punho, ligou para um serviço de assistente social, o SOS-Criança. "Essa ação tem de servir de exemplo, para conter a exploração", explica Osvaldo Russo, o motorista denunciante, que também é Secretário do Desenvolvimento Regional do governo de Brasília. As meninas, enquanto a Justiça investiga, ficam sob a responsabilidade da Vara da Infância, cuidadas por educadores e psicólogos. Seria apenas um caso local, mas, no dia seguinte à autuação de Elpídio e Maria das Dores, numa operação idêntica, duas famílias de miseráveis cariocas passaram pelo mesmo constrangimento. "Agora, querem criminalizar a miséria", denunciou a artista plástica e militante dos direitos da criança no Rio de Janeiro, Yvonne Bezerra de Mello.

      "Não se resolve o problema das crianças sem se resolver o problema dos pais", explica a advogada Lia Junqueira, do Centro de Referência da Criança e do Adolescente, da OAB. "Não adianta a Prefeitura oferecer creche e até escola, se em casa não há comida para a família". É fácil acusar os pais de explorar seus filhos. Mas ninguém dá esmola a um adulto. Quando dá, ou é por medo, ou é com raiva: "Por que esse cara não vai trabalhar?" Segundo a antropóloga Cynthia Sarti, da Universidade Federal de São Paulo, as crianças que pedem esmolas têm de ser vistas a partir da ótica das famílias pobres. Em primeiro lugar, diz ela, "faz parte da lógica e da moral das famílias de baixa renda que todos tragam sua contribuição para o sustento do grupo". Do ponto de vista delas, portanto, não há nenhuma aberração. Depois, há o lado de quem dá a esmola. A também antropóloga Delma Pessanha Neves, da Universidade Federal Fluminense, mostra que para a classe média só existem duas circunstâncias que legitimam a caridade. Uma é a fome - quem se nega a pagar um sanduíche para um adulto que peça comida? -, a outra é a impossibilidade de trabalhar. Dá-se esmola com muito mais facilidade ao velho, ao doente e à criança. Nos estudos da professora Delma, estar desempregado nunca é justificativa plausível para que se dê esmola a um pedinte."

A Veja apresenta um quadro levantado pelo SOS Criança, do Rio de Janeiro e pelo sociólogo Rubem César Fernandes, que registra o seguinte:

      "- 40.000 menores de 18 anos perambulam pelas ruas dos principais centros urbanos do país

      - 80% deles vivem com a família

      - 10.000 dormem nas ruas

      - De cada oito crianças que circulam pelas cidades:

      . duas vendem balas, chocolates, frutas ou limpam pára-brisas

      . uma rouba

      - As que pedem esmola ganham, em média, 20 reais por dia

      - Uma em cada quatro crianças que estão nos sinais freqüenta a escola

      - 70% das crianças que pedem esmola estão em companhia da mãe"

A Veja, na reportagem conexa, de Andréa Barros e Policarpo Jr., propõe "três soluções para o drama da infância perdida na rua: escola, escola e escola". E cita diversos programas que estão sendo colocados em prática.

Na reportagem seguinte, Silvania Dal Bosco de Bezerros fala de um mutirão que salva bebês. Fala da queda na mortalidade infantil. Poupou-se a vida de 20 mil crianças no Nordeste, nos últimos dois anos, em função de um esforço que vale a pena ser registrado.

A revista Veja traz também a impressionante reportagem sobre Lindacy, que foi um bebê de pele e osso em 1994 e hoje, com três anos, tem quinze quilos. O que salvou essa criança foi a possibilidade de alimentar-se.

É verdade que, nos últimos 16 anos, conseguiu-se um progresso. O índice de mortalidade infantil, que era de 89 por mil crianças nascidas vivas em 1980, hoje é de 43 por mil crianças nascidas vivas. Houve, portanto, uma queda significativa.

E há aqui o registro de muitos programas como aqueles iniciados em Campinas, em Brasília, em Ribeirão Preto, em São Paulo. Cita também o Programa SOS Criança, de responsabilidade do Governo Estadual de São Paulo.

Mas, Sr. Presidente, Srs. Senadores, está diante de nossos olhos o que as estatísticas dia a dia registram: um extraordinário número de crianças que trabalham. A reportagem da Folha de S.Paulo de domingo mostra que no interior do Estado de São Paulo, o mais desenvolvido do País, é enorme o número de crianças trabalhando. E ainda ontem o Jornal Nacional falou de outro problema relacionado a esse. Mães de famílias bastante pobres, que normalmente têm as suas crianças as acompanhando para realizar um trabalho na agricultura, também no interior de São Paulo, estão extremamente preocupadas porque os seus filhos passaram a experimentar a droga chamada crack. Talvez por falta de uma alternativa mais digna, alguns trabalhadores bóias-frias hoje se vêem levados a uma outra aventura, ou seja, a de comercializar drogas para conseguir a sua sobrevivência. Com isso, levam essa droga, o crack e outras, para jovens que acabam destruindo suas próprias vidas, a sua condição saudável para o trabalho.

Sr. Presidente, observo que, a cada dia, amadurece o diagnóstico, a compreensão de que seria importante podermos atacar esse problema.

Saúdo a declaração feita pela Srª Ruth Cardoso no dia de hoje. A Presidente do Conselho de Comunidade Solidária, segundo informa a imprensa, declarou que o Governo Federal gostaria que todos os prefeitos eleitos, que iniciarão a sua administração em janeiro próximo, venham a adotar projetos como os de Campinas, do Distrito Federal, de Ribeirão Preto e de todas as cidades que estão experimentando Programas de Garantia de Renda Mínima.

Hoje, o jornal Gazeta Mercantil informa que o Deputado Roberto Campos resolveu apoiar o Projeto de Garantia de Renda Mínima, qualificando-o de uma boa idéia, ainda que manifestando preocupação quanto a seus altos custos.

Estou em diálogo com o Deputado Augusto Viveiros, que pediu vista do parecer favorável do Deputado Germano Rigotto ao Projeto de Garantia de Renda Mínima. S. Exª me informou que está concluindo o seu voto, cujo conteúdo ainda não conheço, para ser discutido e apresentado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.

Há informação de que o Deputado Roberto Brant também está em diálogo com o Governo, procurando chegar a um formato. O Deputado José Fortunati pediu vista e está em diálogo com esses Srs. Deputados.

Gostaria, Sr. Presidente, de dizer o quanto quero colaborar com esses Parlamentares que estão debatendo e estudando o assunto, para chegarmos a uma forma comum.

É possível que o Deputado Nelson Marchezan apresente ainda esta semana outra iniciativa, que resulta de diálogo que está tendo com o Palácio do Planalto. Então, vamos juntar os esforços de todos aqueles, como o Senador Ney Suassuna, Senador José Roberto Arruda, Deputados Chico Vigilante, Nelson Marchezan, Fernando Ferro e outros que têm apresentado projetos nessa direção, porque o importante é que o trem esteja caminhando na direção correta e em tempo correto.

Gostaria que pudéssemos apreciá-lo ainda neste ano, porque avalio que mais importante do que votarmos se o Presidente terá ou não direito à reeleição, será votarmos uma fórmula para a erradicação da miséria no Brasil, para a erradicação do trabalho de milhões de crianças nesta faixa de idade, abaixo de 14 anos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/10/1996 - Página 17768