Discurso no Senado Federal

CONGRATULANDO-SE COM O SENADOR FRANCISCO ESCORCIO PELA SUA POSSE.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • CONGRATULANDO-SE COM O SENADOR FRANCISCO ESCORCIO PELA SUA POSSE.
Publicação
Publicação no DSF de 01/11/1996 - Página 17967
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, FRANCISCO ESCORCIO, POSSE, SENADOR.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de abordar o grave problema da pretendida privatização da Companhia Vale do Rio Doce, quero fazer constar dos Anais desta Casa o meu protesto contra a ação militar desencadeada sobre os garimpeiros de Serra Leste, em Carajás, no último dia 24.

Para os leitores de jornais, os mil homens do Exército, juntamente com os 63 agentes da Polícia Federal, nada mais fizeram - destruindo barracões ocupados pelo Sindicato e pela Cooperativa dos Garimpeiros, além de prenderem 12 líderes do Movimento para Libertação de Serra Pelada - nada mais fizeram do que restabelecer a ordem naquela longínqua região do Pará.

Essa formidável atuação policial-militar teria assegura, assim, o prosseguimento dos trabalhos ali programados pela Vale do Rio Doce.

Escapou à imprensa, porém - e talvez até felizmente para a imagem do Congresso -, um trabalho investigativo que esclarecesse, entre outros detalhes, os seguintes:

1º - a chamada Serra Leste, nas proximidades da Serra Pelada, é uma região contestada: os garimpeiros, contrariando as afirmações em contrário, alegam que as terras não pertencem à Vale do Rio Doce e, por isso, têm o direito de explorar o seu subsolo.

2º - o Senado Federal, procurando uma solução definitiva para o problema, criou uma Comissão Especial, por mim presidida, que se deslocou, inclusive, até a referida região e resolveu solicitar ao Ministro das Minas e Energia uma demarcação da área contestada para se saber se pertencia ou não à Vale do Rio Doce.

Dois ofícios foram dirigidos ao Ministro Raimundo Brito, das Minas e Energia, para, junto ao Serviço Cartográfico do Exército, procederem à demarcação da área do garimpo da Serra Pelada, incluindo-se, aí, a chamada Serra Pelada Leste.

Passarei a ler o último deles.

      "Objetiva-se saber se tais áreas pertencem ou não à CVRD. Tal medida se deve ao fato de existir, na região, conflito entre os garimpeiros e a Cia. Vale do Rio Doce, necessitando-se, com urgência, desse procedimento, com vistas a obtermos subsídios ao Relatório da Comissão Especial, instituída pelo Senado Federal."

Sr. Presidente, esse ofício, até hoje, não mereceu resposta do Ministro das Minas e Energia. Melhor dizendo, sua resposta consubstanciou-se na ação militar que assegurou a posse, de fato, à empresa estatal, num afrontoso desrespeito à expectativa de direito que poderia favorecer os garimpeiros da Serra Leste.

Devo dizer, Sr. Presidente, nesse passo, que nenhuma culpa cabe ao Exército ou, sequer, à Polícia Federal. Ambos receberam ordens de autoridades superiores para o cumprimento desta missão.

Hoje, porém, o meu desejo não é o de discutir o mérito da questão, assunto que devia caber ao Poder Judiciário. O meu principal propósito agora é destacar o desrespeito com que continua sendo tratado o Poder Legislativo em nosso País.

Dão-se as costas a uma Comissão representativa do Senado Federal, com a certeza de que do atrevimento não advirão conseqüências. Eis aí a síndrome das medidas provisórias: os escalões abaixo da Presidência da República, certos de que sempre terão a palavra final e definitiva sobre as questões nacionais, blasonam os que têm a missão de legislar e fiscalizar.

Já dizia o saudoso Pedro Aleixo que o pior de uma ditadura acaba sendo o guarda de quarteirão, que se imbui de um discricionarismo que supera o do próprio ditador...

Fica registrado, portanto, que mais uma vez o Poder Executivo não deu a menor atenção à missão atribuída pelo Senado a uma Comissão Especial com a representatividade da instituição.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o problema da pretendida privatização da Companhia Vale do Rio Doce, a meu ver, agrava-se.

Sinceramente, começa a toldar-me o espírito, criando-me desconfianças provavelmente infundadas, a persistente e apressada atuação com que círculos governamentais insistem na privatização da nossa mais bem-sucedida empresa estatal.

O argumento de que tal privatização se faz necessária para que o Brasil exiba, no concerto internacional, o seu sincero desejo de incluir-se entre os que defendem o livre mercado, confesso que não mais me convence. A abertura das nossas fronteiras para os produtos estrangeiros, mesmo à custa dos gravames sofridos por nossa indústria e nossa agricultura, confirma, a plenos pulmões, a nossa adesão à tese da globalização da economia. E a essa altura do Governo Fernando Henrique Cardoso, em que Sua Excelência já conquistou, nas Nações mais desenvolvidas do mundo, o prestígio que o consagra na nossa, creio inteiramente desnecessária essa chamada "prova dos nove", na qual o sacrifício da Companhia Vale do Rio Doce seria a pá de cal no velho estatismo brasileiro.

Como sabem V. Exªs, a Companhia Vale do Rio Doce acaba de descobrir uma nova jazida de ouro na região de Igarapé-Bahia, em Carajás, no Pará. Estima-se uma reserva de no mínimo 300 toneladas de ouro e o equivalente em cobre, em valores subestimados de US$ 3,6 bilhões. Será, portanto, a maior jazida de ouro associada a cobre descoberta nos últimos 50 anos.

Com a jazida de Serra Pelada Leste, para a qual se prevê uma produção de 150 toneladas de ouro, chegamos ao somatório de um valor de US$ 5 bilhões.

E é por este preço que se pretende vender a Companhia Vale do Rio Doce. Vale dizer: somente essas duas jazidas, ainda inexploradas, que não constituem o interesse central da Vale, compõem o valor com que se pretende vender toda a Companhia.

Como entender essa operação?

No noticiário de O Globo do último dia 25 de outubro - a bem dizer, no noticiário não do jornal, mas do que extraí da Internet -, está registrada uma grave declaração do Presidente da Confederação Nacional de Militares e Beneficiários, Brigadeiro Ivan Moacyr Frota, estranhando que a informação da descoberta da nova jazida de ouro estaria sendo sonegada.

Não acredito nessa versão, tal a gravidade de que se revestiria se, de fato, as informações sobre as descobertas de novas jazidas, às vésperas da pretendida privatização, estivessem sendo sonegadas.

Mas vale a pena transcrever, agora do mesmo jornal impresso, o seguinte trecho:

"O avanço da proposta pode ser atribuído mais à persistência do presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros", o qual, após várias tratativas com Senadores e bancadas estaduais, "acabou por negociar com os governadores dos Estados onde a Vale atua a repartição dos recursos obtidos com a venda."

Depois disso, viu que o Governo voltou atrás, resolvendo usar o dinheiro da venda da Vale para o abatimento das nossas dívidas.

A seu turno, os Ministros Raimundo Brito e Antônio Kandir disseram que tais descobertas não irão alterar o ritmo da privatização que se deseja para a Vale do Rio Doce. Ambos, portanto, parecem insensíveis às perspectivas de lucros que se abrem com as novas descobertas de jazidas de ouro.

Veja, Sr. Presidente, que há uma grande pressa em se privatizar a Vale do Rio Doce, sob a pressão de motivos que não consigo entender.

Já não me refiro aqui, nesta oportunidade, ao universo das atividades que tornaram a Vale do Rio Doce uma das maiores empresas mundiais. Vou me cingir apenas à sua atuação mineradora.

Suas reservas de ferro só devem se exaurir dentro de 500 anos!

A Vale, como sabemos, possui várias minas de ouro em operação. A Serra Pelada antiga, explorada artesanalmente pelos garimpeiros, será agora explorada mecanicamente pela Vale, estimando-se valores excepcionais nesse aproveitamento do cascalho remanescente. Começará usando todo o material removido pelos garimpeiros ao longo dos anos; somente após essa operação é que fará novas escavações.

A Serra Leste, colada na Serra Pelada, ainda intocada, possui uma quantidade mínima de ouro estimada em 150 toneladas. Há quem fale em 400 toneladas.

A nova jazida descoberta na região de Igarapé-Bahia, como já falei anteriormente, é estimada em 300 toneladas mínimas, além de outro tanto de cobre. Vale, pelo mínimo, US$3,6 bilhões.

Sabe-se que a Companhia pesquisa em várias regiões e seguramente descobrirá novas províncias não apenas de ouro, mas também de cobre, prata e outros minerais nobres, além do ferro.

Imaginem a frustração do País se, após a venda de tal Companhia, começarem a surgir as descobertas de novas jazidas?

Em conclusão, Sr. Presidente, não encontro justificativas para a venda da Companhia Vale do Rio Doce, a estatal que deu certo e que, no exterior, possui tanta credibilidade quanto o próprio Brasil.

Não concordo, igualmente, com a pressa com que se programa a sua privatização, nem com o preço que lhe será fixado. Há avaliações extra-oficiais que estimam em US$200 bilhões o valor da Companhia, e há outras que chegam a avaliá-la em mais de US$1 trilhão.

Como se processar uma venda se se torna inviável uma avaliação correta das suas potencialidades?

Na dúvida, Sr. Presidente, o correto não é vender, sobretudo porque é uma estatal rentável.

Nós, Senadores da República, temos a grave responsabilidade de impedir a concretização de um negócio que não atende aos interesses do País.

O Sr. Ademir Andrade - V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO - Tem V. Exª a palavra.

O Sr. Ademir Andrade - Senador Edison Lobão, em primeiro lugar, gostaria de fazer uma referência à questão de Serra Pelada. Durante toda a minha vida pública, durante toda a minha existência como ser humano, não vi nenhum ato de maior injustiça do que o que se cometeu contra os garimpeiros de Serra Pelada. Confesso que estou absolutamente indignado, revoltado com atitude do Governo nesta questão. V. Exª sabe, assim como nós, que Serra Leste é uma ficção. Serra Leste na verdade não existe. Só existe um lençol aurífero, o de Serra Pelada, que foi finalmente dimensionado pela Companhia Vale do Rio Doce. O direito dos garimpeiros que moraram naquela região durante quinze ou dezesseis anos é mais do que legítimo. Não há nenhum argumento jurídico no mundo que tire o direito daqueles garimpeiros. A Vale, com o apoio do Governo, está liquidando definitivamente - já nem digo o garimpo de Serra Pelada - o distrito de Serra Pelada. A Companhia tem falado num Projeto de Matriz Social e quer implantá-lo em Curionópolis. Por que não fazer esse projeto em Serra Pelada, que é um distrito legalmente constituído, aprovado pela Câmara Municipal daquele Município? E quero dizer mais, Senador Lobão. O candidato a prefeito da Vale do Rio Doce, candidato do Governador do Estado e do atual prefeito de Curionópolis, perdeu a eleição porque era uma pessoa comprometida com a Companhia Vale do Rio Doce. Esse fato significa efetivamente que a maioria do povo de Curionópolis não está a favor da Vale. A empresa foi derrotada na sua pretensão em uma eleição em que interferiu de maneira muito firme. Foi derrotada apesar de todos os recursos empregados, de todas as enganações que pretendeu fazer. Eu me somo ao pronunciamento de V. Exª dizendo que me preocupo extremamente com a possibilidade de a Vale do Rio Doce ser privatizada. Temos nos manifestado contrariamente a essa privatização por inúmeras razões, não só por causa da pressa, mas também por uma questão de princípios. O Governo não diz por que quer privatizar uma empresa que dá lucro, que não dá despesa alguma para o Estado. Não há nenhuma explicação que justifique essa vontade de privatizar a Vale do Rio Doce. E o Sr. Luiz Carlos Mendonça de Barros, Presidente do BNDES, infelizmente já chegou ao ponto de defender publicamente até a privatização da Petrobrás. Na ocasião, o Presidente da República em exercício, Marco Maciel, deu um puxão de orelhas nesse senhor para que ele não desse tal tipo de declaração. Lamento profundamente que o Presidente Fernando Henrique Cardoso esteja concordando, aceitando e até estimulando esse tipo de atitude do Presidente do BNDES; lamento, também, a barbaridade cometida contra os garimpeiros de Serra Pelada. Sem dúvida alguma, isso vai marcar a história da vida do Presidente do BNDES e vai lhe trazer conseqüências graves como político. V. Exª e eu sabemos que o interesse de Serra Pelada não é o interesse de duas mil famílias que vivem lá; o interesse de Serra Pelada é de 80 mil famílias de trabalhadores que se espalham por vários Estados da nossa região, por inúmeros municípios. Em cada lugar está um garimpeiro que tinha a expectativa de receber uma indenização. A última proposta dos garimpeiros foi receber, a título de royalty - na verdade foram eles que descobriram a mina -, 10% do valor da produção. Mas a Vale não quis conversar, o Governo não quis estabelecer nenhum entendimento com os garimpeiros e muito menos conosco. O desrespeito do Presidente da República não foi só pelo Senado, mas o foi também pela Câmara dos Deputados, já que a Comissão era constituída de Senadores e Deputados. Foi o Presidente José Sarney que pediu a audiência. Nós levamos o documento, o Presidente não recebeu a comissão, determinando que o seu secretário particular, Eduardo Jorge, nos recebesse. Depois de três horas de debate, deixamos o documento com a proposição de que a área fosse demarcada pelas próprias Forças Armadas. Propúnhamos, inclusive, que o Estado Maior das Forças Armadas fosse, na verdade, o mediador da questão. Lamentavelmente, o Presidente não respondeu a nós, Senadores da República, nem aos Deputados federais, integrantes da comissão. Depois assistimos ao ato das Forças Armadas que lá foram para atender ao desejo e intento da Vale do Rio Doce. Derrubaram as propriedades coletivas dos garimpeiros - o que não é legal - porque a ordem judicial não autorizava esse procedimento. O palanque onde realizamos a assembléia com os garimpeiros e o local de reunião deles foram destruídos, e isso não é, absolutamente, um ato de legalidade. Lamentavelmente, o Presidente da República está contribuindo para esse ato de barbárie e de injustiça a que estamos assistindo em nosso País. Lamento profundamente tudo isso. Tenho certeza de que a soma desse e de outros atos fará com que ele não tenha mais oportunidade de ser Presidente da República do Brasil.

O SR. EDISON LOBÃO - Senador Ademir Andrade, o cometimento de uma brutal injustiça com os garimpeiros da Serra Pelada é a espinha dorsal do pensamento de V. Exª no aparte que acaba de produzir. Também penso assim. Eu, que estive tantas vezes em Serra Pelada ao longo dos últimos doze anos, entendo que a expulsão dos garimpeiros e de suas famílias foi um ato profundamente reprovável, injusto e até violento.

Essas famílias para ali foram tangidas pela necessidade, oriundas de diversos Estados, notadamente do meu, o Maranhão - cerca de 70% dos garimpeiros são maranhenses -, em busca de uma oportunidade para garantirem sua própria sobrevivência. Trabalharam dia e noite em Serra Pelada, movidos pela esperança, de um lado, e pela necessidade, de outro, para que nesse momento fossem simplesmente expulsas por forças militares por determinação do Poder Central da República. Foi injusto o ato do Governo!

Quanto à privatização da Vale do Rio Doce, e V. Exª se refere à vontade do Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, eu diria que é muito mais do que uma vontade; é uma determinação, é uma obstinação, quase uma obsessão, a privatização sem nenhuma razão aparentemente justificável. Ele procura até que o processo de privatização da Vale seja colocado à frente ao de outras estatais deficitárias, para que, assim, em primeiro lugar, venha o da Companhia Vale do Rio Doce nessa privatização desnecessária, precipitada, mal-estudada, mal concebida, mal dirigida, inoportuna por todas as razões.

Não podemos, portanto, concordar com essa privatização, muito mais pelo fato de que não conseguimos - e ninguém conseguirá - avaliar com precisão o patrimônio da Companhia Vale do Rio Doce. Vamos vender aquilo que não sabemos o quanto vale por um preço seguramente subestimado em relação àquilo que está na superfície e que pode ser avaliado.

Sou contrário, portanto, a essa privatização e votarei contrariamente a todas as proposições que, nesse sentido, forem postas ao exame do Senado Federal.

Sr. Presidente, V. Exª já me adverte para o final do meu tempo. Agradeço a V. Exª a tolerância e dou por encerrado o meu pronunciamento nesta tarde.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/11/1996 - Página 17967