Discurso no Senado Federal

POSSE DA PRIMEIRA DESEMBARGADORA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, DRA MARIA BERENICE DIAS, UM MARCO PARA AS CONQUISTAS DA MULHER NA VIDA PUBLICA.

Autor
Emília Fernandes (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO.:
  • POSSE DA PRIMEIRA DESEMBARGADORA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, DRA MARIA BERENICE DIAS, UM MARCO PARA AS CONQUISTAS DA MULHER NA VIDA PUBLICA.
Publicação
Publicação no DSF de 02/11/1996 - Página 18030
Assunto
Outros > FEMINISMO.
Indexação
  • REGISTRO, ANAIS DO SENADO, POSSE, DESEMBARGADOR, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), MARIA BERENICE DIAS, JUIZ, TRIBUNAL DE ALÇADA, LEITURA, TRECHO, DISCURSO.
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, PARTICIPAÇÃO, MULHER, POLITICA NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), COMBATE, DISCRIMINAÇÃO.

A SRª EMILIA FERNANDES (PTB-RS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto, hoje, a esta tribuna para registrar uma nova vitória das mulheres na ocupação dos espaços que lhes são devidos por direito, merecimento e justiça.

Desta vez, informo a esta Casa, e para que fique registrado nos Anais, que tomou posse a primeira Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a Juíza do Tribunal de Alçada Drª Maria Berenice Dias.

A solenidade, da qual participei, presidida pelo Exmº Juiz Adroaldo Furtado Fabrício, Presidente daquele Tribunal, ocorreu no último dia 28, em Porto Alegre, com a presença de autoridades do Judiciário, do Executivo e do Legislativo e lideranças femininas de diversos segmentos.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, no meu Estado, as mulheres gradativamente ocupam significativos espaços.

Em 1994, fui honrada com a responsabilidade de ser a primeira mulher gaúcha a ocupar este importante espaço político nacional, que procuro desempenhar, também contribuindo para abrir cada vez mais os espaços para o conjunto das mulheres, não apenas do meu Estado mas também de todo o País.

Mais recentemente, outras conquistas, para a satisfação de todos que lutam contra o preconceito e a discriminação: a Procuradoria Geral do Rio Grande é ocupada pela primeira vez por uma mulher, a advogada Eunice Nequete Machado; assim como a professora Wrana Panizzi, há pouco mais de um mês, assumiu como primeira Reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

E, agora, a posse da nova Desembargadora gaúcha, sem dúvida, marca mais um ponto na luta pela conquista da igualdade desenvolvida por homens e mulheres do Brasil e, em especial, do Rio Grande do Sul.

Sr. Presidente, a indicação da Drª Maria Berenice Dias torna-se mais importante quando lembramos toda a dificuldade para que a presença da mulher na magistratura gaúcha fosse uma realidade. Levou cem anos até que fosse permitida a participação feminina em concursos e, passados vinte e três anos, apesar de um ingresso cada vez maior, especialmente nos últimos concursos, as mulheres ainda representam um percentual de 32,8% dos seus quadros.

Em nome do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no pronunciamento de saudação à nova Desembargadora, o Presidente da Instituição, Desembargador Adroaldo Furtado Fabrício, demonstrando profunda percepção daquele momento, disse:

      "Chega ao Tribunal a sua primeira Desembargadora. Não por acaso, nem de modo imprevisto, nem com surpresa."

E afirmou ainda que, "com a posse de Maria Berenice Dias, estava sendo plantado um marco histórico, cuja significação jamais seria suficientemente enfatizada".

Também saudando a primeira Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em nome da Ordem do Advogados do Brasil, a Conselheira Federal e também ex-Presidente da OAB no Rio Grande do Sul, Cléia Anna Maria Carpi da Rocha, lembrou que a confirmação da Desembargadora Maria Berenice Dias confirmava a Carta Constituinte das Nações Unidas, de 1945, que estabelece a igualdade dos homens e mulheres e o respeito às liberdades democráticas fundamentais de todos, sem distinção por motivo de sexo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a nova Desembargadora iniciou a sua carreira em 1972, sendo a primeira mulher a entrar na Magistratura do Estado, acumulando, desde então, cargos e funções, ao lado de suas tarefas cotidianas de mãe de três filhos, professora nas Escolas Superiores de Magistratura, Ministério Público e no Instituto de Advogados, e coordenadora do jornal Mulher, publicação destinada às mulheres da carreira jurídica.

Com uma trajetória de pioneirismo, iniciada há 23 anos, atualmente Presidente da Associação Brasileira de Mulheres da Carreira Jurídica no Estado, Maria Berenice Dias defende a igualdade de direitos e, com sua postura, tem contribuído decisivamente para abrir o caminho para outras mulheres no Judiciário.

Com esse compromisso, a nova Desembargadora também é responsável pela criação do JusMulher, um serviço gratuito oferecido a mulheres carentes e prestado pelas próprias associadas da entidade da qual é a dirigente.

Gostaria de destacar, aqui, alguns trechos do pronunciamento de posse da nova Desembargadora, Maria Berenice Dias, que demonstram uma grande sensibilidade para com os problemas enfrentados pelas mulheres e também compromisso de determinação para encontrar as soluções necessárias, não apenas em seu campo de atuação.

Diz a primeira Desembargadora do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias:

      "Em respeito à verdade, é necessário registrar que nunca sofri restrições dos jurisdicionados, advogados, serventuários ou das comunidades onde atuei. No entanto, minha trajetória foi longa, demorada e impregnada de discriminações institucionais, e por isso sempre me senti comprometida com as questões que dizem respeito à mulher, o que me permitiu constatar de forma brutal toda a carga machista que se faz sentir também nos julgamentos."

E afirma, ainda:

      "É mister despertar a consciência de todos, da sociedade e dos operadores do Direito, para que não mais sejam os delitos praticados contra a mulher considerados como de menor lesividade, a ensejar a vergonhosa estatística de ausência quase total de condenações. Urge que o exercício da liberdade sexual deixe de ser causa de exclusão de direitos ou que se continue a exigir o dever da fidelidade, após o rompimento da vida em comum, para a concessão e manutenção de benefícios."

Ainda em seu pronunciamento de posse, a primeira Desembargadora também afirmou:

      "Tendo, por profissão, atividade que acaba por estabelecer normas de conduta social, considero uma missão tentar pôr fim a esse tratamento desigualitário e preconceituoso, fruto de um hediondo sentimento de poder e que acaba por revelar a sua face mais perversa na violência doméstica, fenômeno infelizmente universal, como pude constatar na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada pela ONU em Pequim."

São palavras de grande sabedoria, que demonstram não apenas uma ampla e profunda visão da luta feminista, mas também, e acima de tudo, um sério e determinado compromisso com a igualdade, com a democracia e com a justiça, comprovado pela sua trajetória profissional e de vida, marcada por posições firmes, corajosas e ousadas.

A posse da Juíza Maria Berenice Dias, e a conseqüente ocupação desse novo espaço de luta feminina é um novo impulso para a busca da igualdade, agora também no campo das leis, em sua maior parte ainda instrumentos da preservação dos preconceitos contra as mulheres.

É preciso, com urgência, avançar na conquista do princípio da igualdade em toda a legislação brasileira, através da revisão ou modificação dos atuais Códigos Civil e Penal, que restringem os direitos das mulheres em várias situações e não atendem satisfatoriamente aos princípios da igualdade de gênero.

Também necessária é a criação e a ampliação de serviços já existentes, como as Delegacias de Mulheres, em plano mais imediato, que facilitem o acesso das mulheres à Justiça, assegurando condições para garantir os seus direitos perante a Lei.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de finalizar, gostaria de destacar alguns trechos do pronunciamento do Presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pela importância e profundidade de sua análise sobre a situação atual, especialmente em relação à grande responsabilidade da Justiça, no sentido de proteger os mais fracos, de manter a democracia e o equilíbrio social.

Disse o Dr. Adroaldo Furtado Fabrício, naquela oportunidade, em seu pronunciamento:

      "No plano institucional, o juiz tem de estar constantemente atento às ameaças e intentos de debilitação do Poder, em luta permanente contra os propósitos desestabilizadores dos poderosos da hora, sempre contrariados com os freios e limites que lhes põe a jurisdição. Em tempos de neo-ultra-liberalismo, quando só se tecem loas à excelência do mercado e da iniciativa privada, em contraponto à satanização do serviço público, cresce a importância da postura vigilante pela preservação do Estado de Direito, que não sobrevive sem um Judiciário forte e independente. Quando o estranho e perigoso conúbio entre setores governamentais, órgãos legislativos, a parcela mais retrógrada do empresariado e a mídia de vocação monopolista ensombrece o horizonte com o fantasma da fujimorização, o Poder Judiciário resta como único bastião de resistência à onda avassaladora."

Diante dessa realidade, que exige profunda reflexão de todos nós, descrita com tanta precisão pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a presença da mulher nesta esfera do poder nacional cresce em importância e em responsabilidade, tanto pela sua competência, quanto pela sua sensibilidade social, compromisso com o coletivo e postura ética.

Sem a menor dúvida, a primeira Desembargadora do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, já deu demonstração de preencher todos esses requisitos e, com o seu trabalho exemplar, será uma nova luz a iluminar os caminhos não apenas para as mulheres, mas também para toda a sociedade, que precisa cada vez mais de justiça, democracia e igualdade.

À Desembargadora, os nossos cumprimentos e os votos de êxito na nova missão que assume.

Esse era o registro, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que queríamos fazer, para que o Senado Federal compartilhasse conosco este momento de orgulho que vive o povo gaúcho, as mulheres em geral, todo o Brasil, enfim, na luta pela igualdade.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/11/1996 - Página 18030