Discurso no Senado Federal

ABORDAGEM DO PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR. EQUIVOCO DA PROPOSTA GOVERNAMENTAL DE TROCA DO TICKET-ALIMENTAÇÃO POR DINHEIRO. DEFESA DA VALORIZAÇÃO DOS SERVIDORES PUBLICOS.

Autor
Emília Fernandes (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • ABORDAGEM DO PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR. EQUIVOCO DA PROPOSTA GOVERNAMENTAL DE TROCA DO TICKET-ALIMENTAÇÃO POR DINHEIRO. DEFESA DA VALORIZAÇÃO DOS SERVIDORES PUBLICOS.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 06/11/1996 - Página 18118
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • OPOSIÇÃO, ORADOR, EMPRESARIO, SINDICATO, ALTERAÇÃO, PROGRAMA, ALIMENTAÇÃO, TRABALHADOR, TROCA, VALE-REFEIÇÃO, DINHEIRO, RISCOS, CONFISCO, DIREITO ADQUIRIDO.
  • COMENTARIO, ESTATISTICA, ATENDIMENTO, PROGRAMA, SETOR PUBLICO, EMPRESA PRIVADA, EFEITO, CRIAÇÃO, EMPREGO, EMPRESA, SETOR, ALIMENTAÇÃO.
  • CRITICA, POLITICA, GOVERNO, REDUÇÃO, DIREITOS, TRABALHADOR, FALTA, PRIORIDADE, POLITICA SOCIAL, VALORIZAÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO.
  • REGISTRO, SUGESTÃO, ALTERAÇÃO, PROGRAMA, UTILIZAÇÃO, CARTÃO MAGNETICO, OBJETIVO, AUMENTO, CONTROLE.
  • CRITICA, UTILIZAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), SOLICITAÇÃO, AUTORIDADE, EXECUTIVO, PROMOÇÃO, DEBATE, ALIMENTAÇÃO, TRABALHADOR.

A SRª EMILIA FERNANDES (PTB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, abordo um assunto que tem mobilizado trabalhadores e empresários de todos os setores, parlamentares de todos os partidos, instituições e a opinião pública em geral.

Trata-se do Programa de Alimentação do Trabalhador, que, apesar das informações e contra-informações, está sendo alvo de iniciativas que pretendem alterar o seu funcionamento e que podem levá-lo à extinção definitiva. É que, alegando o uso inadequado dos tíquetes, em função da sua comercialização ilegal e indevida, o Governo quer substituir o sistema atual pela concessão dos valores correspondentes em dinheiro, incorporando-o ao salário.

A meu ver, é mais uma iniciativa equivocada. Assim como em outros casos, em nome de se corrigir um erro, promove-se um confisco de direitos adquiridos dos trabalhadores, entre os quais o acesso ao tíquete-refeição é um dos mais importantes das últimas décadas.

O Programa de Alimentação do Trabalhador, conhecido como PAT, criado há vinte anos pelo então Ministro do Trabalho do Governo Geisel, Arnaldo Prieto, é um dos programas de maior alcance social já implantados no País. Atualmente, ele beneficia cerca de 9,5 milhões de trabalhadores, especialmente os de menor renda, dos quais 5,2 milhões são atendidos pelo Sistema de Refeições e Alimentação Convênio. Os benefícios do programa são inegáveis para os trabalhadores, indo desde a garantia da alimentação adequada até o aumento da produtividade, a redução da incidência de doenças e mesmo a valorização do ser humano.

É uma solução adequada e eficiente também para as cerca de 100 mil empresas, especialmente as pequenas e médias, que lançam mão do programa para atender os seus funcionários, em substituição à inviável montagem de grandes cozinhas e restaurantes industriais. Além disso, segundo levantamento da Associação Brasileira das Entidades de Hospedagem, Alimentação e Turismo, o programa ainda é responsável pela existência de 300 mil empresas do setor de alimentação e por aproximadamente 3 milhões de empregos diretos.

Esse serviço, por outro lado, deve-se registrar, é realizado com renúncia fiscal relativamente pequena, atingindo, segundo dados da Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, em 1995, por exemplo, cerca de 13,5 milhões, equivalentes ao custo anual de aproximadamente R$1,50 por trabalhador beneficiado.

As vozes que se têm levantado contra a proposta de alteração do programa, às quais me incorporo, são muitas e de todos os setores sociais, e também são os mais variados os argumentos utilizados para sustentar a defesa da continuidade do programa.

Para o líder sindical Paulo Pereira da Silva, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, "trocar os tíquetes por dinheiro vai resultar em incorporação mínima ao salário, que vai se perder com o tempo, terminando por eliminar esse direito dos trabalhadores".

A troca dos tíquetes por dinheiro, por outro lado, de acordo com Waldir Luiz Corrêa, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças, "poderia resultar em falta de transparência do processo, possibilitando que as empresas utilizem o argumento da verba-alimentação no momento de conceder reajustes, prejudicando o trabalhador e reduzindo o recolhimento dos encargos".

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª EMILIA FERNANDES - Tem V. Exª o aparte, Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Desculpe-me interrompê-la, Senadora Emilia Fernandes, mas parece-me que esse é o ponto interessante sobre o qual eu devesse fazer esta manifestação para juntar um dado a mais. Cabe aqui lembrar o problema do salário-família, cujo valor, com o tempo, foi se escarificando, até chegar ao nível de hoje: é o que vai acontecer com essa nova medida. Quero cumprimentá-la por estar trazendo a esta Casa um assunto dessa natureza, pena que numa hora em que este plenário não esteja abarrotado também no sentido quantitativo, e não só qualitativo, para ouvi-la.

A SRª EMILIA FERNANDES - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Bernardo Cabral. Queremos fazer uma reflexão exatamente nesse sentido. Sabemos que, no momento em que esse valor incorporar-se a salários, isso irá prejudicar o trabalhador, podendo, gradativamente, ser até usado contra ele. A ponderação de V. Exª, Senador Bernardo Cabral, mostra exatamente o tratamento que vem sendo dado ao trabalhador nesses últimos anos; entra governo, sai governo, e são cada vez mais freqüentes as tentativas de se retirar direitos, de congelar salário, de atribuir penalidades aos trabalhadores, ao funcionário público, pelos problemas decorrentes da falta de recursos, pelas mazelas que existem no País. Sabemos que, gradativamente, os salários dos trabalhadores estão sendo penalizados, e os seus direitos, um a um, estão sendo levantados como se privilégios fossem. Estão promovendo uma caça às bruxas, como se os trabalhadores fossem os culpados pela situação em que se encontra o Brasil hoje.

Essa é uma reflexão que precisamos fazer, do ponto de vista humanitário e, acima de tudo, comprometidos com o desenvolvimento que passa pela valorização do ser humano. Enquanto não investirmos no ser humano como responsável por levar adiante o serviço público, em atividades que precisam de qualificação, valorização, condições de saúde e de trabalho adequadas, não passaremos de um país que escancara as portas a todo tipo de mercadoria em detrimento da nossa mão-de-obra, que precisa ser valorizada.

É nesse sentido que estamos fazendo uma reflexão. É uma pena que mais Senadores não estejam aqui, para que pudéssemos travar um debate mais amplo. Mas esperamos que a nossa voz chegue aos sentimentos, à razão, ao coração dos nossos governantes e dos nossos parlamentares, para que as decisões não sejam tomadas de cima para baixo, com medidas provisórias que inviabilizam uma participação mais efetiva do Congresso Nacional.

Continuando, Sr. Presidente, segundo o criador do PAT, o ex-Ministro do Trabalho, Arnaldo Prieto, para quem a substituição dos tíquetes por dinheiro é uma forma sutil e ardilosa de acabar com o PAT, "a tendência, com a substituição dos tíquetes por dinheiro, é surgirem outras prioridades no orçamento do trabalhador, que deixará de usar aquele recurso para a alimentação." Ou seja, gradativamente, o próprio trabalhador, diante das exigências do dia-a-dia, da necessidade de sobrevivência da sua família, voltará àquela época em que levava a marmita para o trabalho e vivia mal alimentado. Muitos trabalhadores ainda vivem essa condição subumana, mas hoje a grande maioria já a está superando, exatamente porque conseguiu este direito: o vale-refeição.

Para o Presidente da CUT, Vicente Paulo da Silva, "não há dúvida de que temos que apostar na autocapacidade do trabalhador para gerir o seu próprio dinheiro - com o que também concordamos -, fazer com ele o que bem quiser, comprar o que mais necessitar - mas a realidade não é bem essa".

Já o Presidente da CGT, Antônio Neto, defende a manutenção do programa como uma espécie de lei de proteção da alimentação do trabalhador, argumentando que "a falta de alimentação adequada incrementa assustadoramente o índice de acidentes de trabalho" e degrada a condição humana.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é evidente que, assim como outros programas, o PAT tem desvios, que devem ser corrigidos para aperfeiçoá-lo, e não utilizados para atacar e extinguir o serviço que se tem mostrado necessário e eficaz ao longo de sua existência.

Especialmente a venda ilegal dos tíquetes, principal argumento utilizado para a extinção do programa, deve ser combatida onde ocorre, através da ação repressiva da Secretaria da Receita Federal e demais autoridades, punindo exemplarmente os infratores.

Outras medidas podem ser tomadas, como já foram, inclusive, sugeridas pelos setores diretamente envolvidos. Entre elas, destacamos a informatização do processo, através de cartões magnéticos, que possibilitarão um maior controle e fiscalização. Quer dizer, formas existem: basta que tenhamos a boa vontade de aperfeiçoar o programa, de aperfeiçoar o processo. Agora, não é simplesmente eliminando que vamos cortar o mal pela raiz, pois, assim, vamos atingir, mais um vez, os trabalhadores deste País, tanto do setor privado como do setor público.

Até o momento, por meio da Medida Provisória nº 1.522 - mais uma vez o Executivo impõe ao Brasil uma medida provisória - e de decreto assinado pelo Presidente da República, recentemente, os servidores públicos do Regime Jurídico Único já tiveram os seus tíquetes trocados por dinheiro, ou seja, é mais uma investida. Como os valores são diferenciados, temos a informação de que o novo cálculo será feito pela média, o que, de acordo com denúncias das entidades de servidores, terminará por rebaixar o valor até então percebido por um grande número de trabalhadores.

Às vésperas da reunião da Cúpula Mundial da Alimentação, que ocorrerá em Roma, na Itália, entre os dias 13 e 17 de novembro, é fundamental que esse debate seja feito com toda a sociedade - desde os setores diretamente interessados, especialmente os trabalhadores, como também com o Congresso Nacional e, particularmente, com o Senado Federal.

Os trabalhadores já estão sendo profundamente prejudicados com o desemprego, com o congelamento dos seus salários e com a ameaça de retirada de direitos previdenciários, trabalhistas e sociais, como a aposentadoria por tempo de serviço, entre outros.

Nesse sentido, reafirmo o meu compromisso com a defesa dos direitos dos trabalhadores à alimentação, nos moldes atuais, para impedir o retorno à situação anterior da má alimentação, ao tempo da marmita, do fogareiro, da comida fria e até mesmo da humilhação.

Apelo, desta tribuna, Sr. Presidente, Srs. Senadores, para que as autoridades responsáveis, antes de qualquer decisão, promovam um amplo debate com os trabalhadores, empresários, técnicos e parlamentares, para que uma medida dessa dimensão não seja adotada à revelia da sociedade.

A utilização de medidas provisórias já é, por si só, uma iniciativa arbitrária, inoportuna e contrária ao espírito público, sendo ainda mais grave a sua utilização nesse caso, pois, sem consulta, sem aviso e sem debate, vai retirar a comida do prato e da mesa dos trabalhadores.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/11/1996 - Página 18118