Discurso no Senado Federal

AVANÇOS DA MEDICINA NA LUTA CONTRA A AIDS, RELATADOS DURANTE O IX CONGRESSO BRASILEIRO DE INFECTOLOGIA, EM RECIFE. PREOCUPAÇÕES DE S. EXA. COM O ALTO CUSTO FINANCEIRO DOS TRATAMENTOS E COM O ALARMANTE INDICE DE CONTAGIO NA ADOLESCENCIA.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • AVANÇOS DA MEDICINA NA LUTA CONTRA A AIDS, RELATADOS DURANTE O IX CONGRESSO BRASILEIRO DE INFECTOLOGIA, EM RECIFE. PREOCUPAÇÕES DE S. EXA. COM O ALTO CUSTO FINANCEIRO DOS TRATAMENTOS E COM O ALARMANTE INDICE DE CONTAGIO NA ADOLESCENCIA.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/1996 - Página 18055
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA, TRATAMENTO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), REGISTRO, PESQUISA, REDUÇÃO, CUSTO, MEDICAMENTOS, IMPOSSIBILIDADE, ACESSO, MAIORIA, DOENTE, MUNDO.
  • APREENSÃO, AUMENTO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), MULHER, CRIANÇA, FALTA, INFORMAÇÃO, ENFERMEIRO, MEDICO, EFEITO, DISCRIMINAÇÃO.
  • REGISTRO, CORRELAÇÃO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), DOENÇA TRANSMISSIVEL, SEXO, DESNUTRIÇÃO, ENDEMIA.
  • APREENSÃO, AUMENTO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), ADOLESCENTE, NECESSIDADE, DESTINAÇÃO, CAMPANHA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), ADOLESCENCIA.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, embora afastado do trabalho diário de consultórios e hospitais há mais de sete anos, tenho sempre procurado inteirar-me dos avanços da Medicina.

Assim sendo, dispus-me, no fim de semana anterior, a informar-me dos resultados e sugestões do IX Congresso Brasileiro de Infectologia, realizado em Recife, na última semana de agosto passado. Esse evento, que contou com a presença de cientistas nossos e de outros países, deixou-me como conseqüência as esperanças e preocupações que ora trago ao conhecimento dos ilustres pares.

Uma vez que o tema é AIDS, falemos primeiro das esperanças. É açodamento dizer-se que estamos a 1% da cura. Realmente, as novas drogas já matam 99% do vírus em alguns doentes. Segundo pesquisadores, a AIDS está deixando de ser encarada como sinônimo de morte. Entrará para o rol das doenças crônicas, graves, com a qual a maioria dos doentes poderá conviver ao longo de vários anos, talvez décadas.

Além disso, em 1997, o Brasil testará uma vacina genética, desenvolvida nos Estados Unidos da América e estará disponível um novo teste diagnóstico, mais rápido, simples e barato. Esse novo teste desenvolvido na Suíça custará quatro vezes menos que os similares e permitirá o diagnóstico em 24 horas.

Em julho, durante a 11ª Conferência Internacional da AIDS, no Canadá, foi anunciada a fabricação de um "coquetel" de drogas capaz de conter o crescimento do HIV no organismo humano, cem vezes mais poderoso que o AZT, até então o único remédio disponível. Esse remédio reduz a presença do vírus em quase 100% melhorando a qualidade de vida e aumentando a sobrevida dos infectados. Pacientes terminais ganham peso, controlam as infecções oportunistas, típicas da doença e voltam a caminhar. Alguns retornaram ao trabalho. Esse resultado positivo foi constatado em quase 50% dos pacientes já em estágio avançado da doença. Ignora-se, porém, a eficácia dessa terapia que se ampara em avanços farmacêuticos que não se supunham possíveis antes do início do século XXI.

Os pesquisadores estão empenhados no estudo de novas drogas que possam reduzir o custo dessa combinação de medicamentos, responsável pela eliminação do HIV do sangue. Buscam, outrossim, descobrir um componente que faça com que o "coquetel" não necessite de uso ininterrupto. O busílis é que a "mistura" elimina o vírus do sangue, mas ele permanece no corpo escondido, por exemplo, no cérebro, na medula ou nos nódulos linfáticos.

Mesmo assim, são boas notícias para todos os atingidos por essa pandemia, bem como para os respectivos familiares. Estima-se que, no mundo, 22 milhões de pessoas estejam infectados; dessas, 700 mil em nosso País. Um milhão e trezentos mil aidéticos estão espalhados em hospitais dos cinco continentes. Sabe-se, no entanto, que nove em cada dez doentes vivem em países pobres. Como pagarão um tratamento cujo custo médio anual é de US$12 mil e que talvez tenha que se prolongar por toda a vida?

Para os 44.000 aidéticos brasileiros já identificados e para as centenas de milhares de portadores do vírus que ainda não manifestaram a doença, o impacto do medicamento e do respectivo custo foi enorme. Um exemplo é o do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, líder da campanha "Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida".

Betinho, como se sabe, é hemofílico; contraiu o HIV há 14 anos, mas só passou a desenvolver a doença em 1995. Começou a tomar AZT desde antes de aparecerem os sintomas. Há um ano passou a usar também o 3TC. Com o tempo, os dois remédios foram perdendo a eficácia, ele enfraqueceu e surgiram as infecções oportunistas. A partir do momento em que incluiu a droga inibidora da protease - o terceiro componente do "coquetel" -, obteve excelentes resultados, voltou a trabalhar com energia e nunca mais teve infecções oportunistas.

As novas drogas, além de reduzir a mortalidade, melhoram radicalmente a qualidade de vida do paciente, mas valem quase tanto quanto o ouro. Nos Estados Unidos, uma dose diária do inibidor da protease no laboratório Merck custa US$12,00 - quase a mesma cotação de um grama de ouro em nosso País.

Os amigos de Betinho se organizaram nos moldes de uma cooperativa, para pagar os US$1.000,00 mensais dos remédios indispensáveis ao tratamento. Quantos doentes poderão contar com essa ajuda, com essa compreensão?

Pelo que sei, e que os infectologistas confirmam, a infecção pelo HIV transforma o indivíduo em uma espécie de pária, um leproso contemporâneo, que a sociedade trata de forma extremamente cruel. São raros os casos como o do Betinho. Na maioria das vezes o medo, a vergonha e o preconceito superam o amor e a solidariedade; os amigos se afastam, os parentes se retraem. Às dores físicas se sobrepõem a dor moral e a solidão.

Um condenado à morte pelo tribunal dos homens pode sonhar com o perdão até o último minuto. Aquele que se condenou ou que foi traído em sua confiança espera a morte, sem esperança de clemência, em meio a humilhações indizíveis.

Da mesma forma que a tuberculose assinalou o final do século XIX, temos a AIDS como o "mal do século XX", ceifando vidas que poderiam contribuir para o progresso do País.

Sr. Presidente, nobres Colegas, permitam-me apresentar-lhes agora as principais preocupações, são sete as mais graves, todas concernentes ao nosso País:

1 - A epidemia de AIDS está se feminilizando. Em São Paulo, já atinge uma mulher para cada três homens, evoluindo rapidamente para uma paridade só registrada em países africanos. Pesquisa feita naquele Estado com 2.759 mulheres infectadas, apontam que 1,6% são prostitutas, 29,3% são usuárias de drogas injetáveis e 25,9% são heterossexuais. O Jornal do Brasil de 25 de agosto afirma que 45% das mulheres paulistanas contaminadas nos últimos anos foram contaminadas pelo parceiro sexual único e fixo, o marido ou o namorado.

O jornal Folha de S. Paulo de anteontem mostra a preocupação com o grande incidência de AIDS nas mulheres: "Triplica número de mulheres com AIDS". Também o Correio Braziliense de hoje cuida de matéria semelhante.

O número de mulheres com AIDS aumentou 211.46%, entre 1990 e 1994. No mesmo período, o número de homens que contraiu a doença cresceu 62.8% - para que V.Exªs tenham a noção exata do perigo e dessa feminilização da AIDS. E o mais importante é que isso está acontecendo com mulheres que têm um parceiro único e fixo.

Em Santos, a Prefeitura pretende distribuir 600 unidades de preservativo feminino às prostitutas, mensalmente. Esse preservativo ainda não é produzido no Brasil e é menos eficiente do que o produto destinado aos homens, mas é uma opção para as mulheres cujos parceiros não admitem o uso da "camisinha".

2) A transmissão vertical da AIDS, isto é, o número de filhos de soropositivas que já nascem com o vírus, é conseqüência direta da feminilização da doença. Uma vez que as mulheres jovens infectadas formam o grupo que mais cresce, o Ministério da Saúde estabeleceu como prioridade o tratamento a essas gestantes e aos respectivos bebês. As demais crianças portadoras do vírus deverão receber em breve um medicamento especial para o seu tratamento.

Os infectologistas pediatras alertam que as crianças têm sido relegadas a segundo plano nos grandes estudos sobre drogas, o que, na minha opinião, é um absurdo, pois são elas as maiores vítimas dessa tragédia. Inicialmente, 25% dos filhos de soropositivas nasciam infectados. O tratamento das mulheres grávidas com AZT reduziu para 8% o número de nascituros portadores de HIV; com o "coquetel", os riscos de contaminação caem para 2%. Portanto, houve um significativo avanço.

3) Outro assunto bastante debatido no Congresso de Recife foi a necessidade de se verificar o nível de conhecimento dos médicos e enfermeiros sobre a Aids. Em um teste destinado a essa avaliação nos estados do Nordeste descobriu-se, segundo a infectologista Sylvia Maria Lemos, Presidente daquele encontro científico, que a maioria dos hospitais privados rejeita pacientes aidéticos por medo e preconceito e por desconhecer medidas de segurança.

Para solucionar a questão, o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco conseguiu R$40 mil junto à Organização Mundial de Saúde-OMS, para treinar cem profissionais de saúde de hospitais públicos daquela região.

Esse medo e o desconhecimento de que um profissional de saúde corre risco de 0,4% de contrair AIDS contra 40% de possibilidade de contágio com hepatite B, por exemplo, não são exclusivos dos médicos e enfermeiros do Nordeste. Os mesmos tipos de sondagem e treinamento devem ser realizados nas outras regiões do País.

4) Os congressistas de Recife lançaram um alerta que deve ser considerado com toda a seriedade, tanto pela população quanto pelos médicos. As DST - doenças sexualmente transmissíveis abrem caminho ao vírus da AIDS.

O Diretor de Pesquisa do Departamento de Infectologia da Universidade da Flórida informou que, nos Estados Unidos, a associação entre as doenças venéreas e a AIDS é tão estreita que se tornou uma prática oferecer o exame de HIV a doentes com qualquer tipo de DST.

No Brasil, os médicos não costumam associar esses dois problemas, a não ser nas situações mais evidentes.

Para a Presidente do Congresso, mesmo os problemas venéreos crônicos e aparentemente mais leves, como a candidíase, facilitam a propagação do HIV e devem ser motivo de preocupação dos especialistas. Recomenda também que os ambulatórios de Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST - do País ofereçam habitualmente o exame do HIV.

5) Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta Casa comemorou, no dia 16 do mês de outubro, o Dia Mundial da Alimentação. Entretanto, a desnutrição mata aidéticos tanto quanto as infecções oportunistas. Entre 50% e 70% dos hospitalizados estão desnutridos.

Em meio às causas apontadas pelos pesquisadores, destacam-se a perda de apetite provocada pelos medicamentos, a dificuldade de absorção do organismo, a falta de estímulo e os problemas psicológicos e emocionais dos doentes.

A saída encontrada foi a produção de um alimento líquido, que já é oferecido na rede pública de saúde norte-americana. Ao fortalecer o organismo, a chamada "solução em lata" impede também a perda da massa muscular, além de reforçar as defesas do organismo, protegendo o doente das infecções oportunistas.

Um triste exemplo foi o recente falecimento do cantor e compositor Renato Russo. A anorexia o levou a uma grande perda de vitaminas, sais minerais e proteínas, além da redução da massa gordurosa, muscular e visceral. Em conseqüência, o organismo do artista não resistiu à broncopneumonia e a uma infecção renal.

Sr. Presidente, embora seja tão importante quanto a medicação, conforme os infectologistas, nenhum hospital ligado ao Sistema Único de Saúde - SUS - distribui esse suplemento alimentar. O médico Dan Waitzberg, professor da USP, observa que esse aspecto da saúde está sendo relegado a segundo plano e que mesmo os portadores sadios do vírus necessitam de uma alimentação especial.

Segundo as autoridades, a maior dificuldade está no preço desse suplemento alimentar, que pode atingir a cifra de até R$30,00 diários por paciente, o que acarretaria uma despesa mensal de R$900,00 com cada aidético internado.

Sabe-se, entretanto, que as internações provocadas pela desnutrição e pelas infecções custam muito mais.

6) Outro aspecto que considero importante comunicar aos nobres Pares é que a proliferação de AIDS, em um País onde a população é castigada por um grande número de endemias, pode levar a infecções múltiplas e ao surgimento de doenças desconhecidas e inesperadas.

Já foi constatado, por exemplo, que a contaminação pelo HIV em portadores do Mal de Chagas provoca graves danos no cérebro.

O que resultará, Srs. e Srªs Senadores, da combinação da AIDS com leishmaniose ou com esquistossomose?

7) Nobres Colegas, deixei para o final o aspecto que mais me preocupa. A maior parte das pessoas doentes contraiu o vírus HIV durante a adolescência. As estatísticas não mostram esse fato, porque a doença demora geralmente 10 anos para se manifestar; daí os óbitos ocorrerem, na maioria, entre jovens adultos.

Voltemos ao caso do cantor Renato Russo. Ele faleceu aos 36 anos. Há 6 anos lutava contra a AIDS; tinha, portanto, 30 anos quando ela se manifestou. Descontando-se o período de 10 anos de incubação, conclui-se que aquele artista contraiu o vírus HIV aos 20 anos de idade.

Segundo a Organização Mundial de Saúde - OMS -, existiriam 500 mil pessoas com AIDS no Brasil. Para alguns pesquisadores, esse número atinge 700 mil brasileiros. Mesmo que consideremos os números da OMS, não podemos esquecer que a esmagadora maioria é de jovens adultos, o que constitui uma perda inestimável para o País.

Li, há alguns meses, uma entrevista do Dr. John Bartlett, o chefe da Divisão de Moléstias Infecciosas do Hospital Johns Hopkins - um dos mais importantes centros de saúde dos Estados Unidos. Naquele país, a AIDS é a maior causa de morte entre jovens adultos. Para esse pesquisador, ser sexualmente ativo em 1996 é como praticar a roleta-russa, isto é, um risco muito grande de morrer.

Não posso deixar de aplaudir o Ministério da Saúde pelas campanhas de esclarecimento à população, apesar dos problemas surgidos quanto à validade dos preservativos masculinos. Sabe-se que o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - Idec - avaliou vinte diferentes produtos e rejeitou oito; dentre esses recusados, duas marcas têm sido distribuídas gratuitamente à população. O incompreensível é que esses produtos apresentam o selo do Inmetro, o que garante a qualidade do produto.

Quero ressaltar, no entanto, que as campanhas oficiais contra a AIDS falam pouco aos adolescentes. Constituem eles, nos dias atuais, um dos maiores grupos de risco, pois procuram viver o mais intensamente possível, recorrendo às drogas e a outras experiências que desafiam a vida. Durante tal período, não se dão conta do que significa cruzar a fronteira dessa terrível infecção. Portanto, nobres Colegas, torna-se necessário que se estabeleça uma efetiva comunicação com a juventude, além da pura e simples informação. Segundo o Dr. John Bartlett, a estratégia mais eficaz está em fazê-los conversar com jovens infectados ou que apresentem todo o quadro da AIDS. Temos visto na televisão a Sandra Bréa, grande atriz brasileira, prestando relevante serviço, ensinando como se afastar da AIDS. Só assim, ouvindo seus iguais, convencem-se de que, de uma hora para outra, todos os seus sonhos e ambições podem morrer.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dos mais de 80 mil casos de AIDS notificados no Brasil desde 1980, mais de 41 mil óbitos foram confirmados. Precisamos deter essa hecatombe que ameaça a camada populacional mais preciosa de qualquer nação: o seu futuro, a sua esperança, a sua juventude.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/1996 - Página 18055