Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES ACERCA DE PALESTRAS PROFERIDAS PELO EMBAIXADOR RUBENS RICUPERO, SOBRE O MODO COMO O PAIS ESTA SE INSERINDO NO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CONSIDERAÇÕES ACERCA DE PALESTRAS PROFERIDAS PELO EMBAIXADOR RUBENS RICUPERO, SOBRE O MODO COMO O PAIS ESTA SE INSERINDO NO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/1996 - Página 18062
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, CONFERENCIA, EMBAIXADOR, ASSUNTO, INSERÇÃO, BRASIL, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, MUNDO.
  • CRITICA, GOVERNO, FALTA, CRIATIVIDADE, ALTERNATIVA, PLANO, REAL, CONTESTAÇÃO, IMPUTAÇÃO, RESPONSABILIDADE, FUNCIONARIO PUBLICO, DEFICIT, SETOR PUBLICO.
  • ANALISE, TEORIA, ECONOMIA, CAPITALISMO.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, encontra-se no Brasil, onde faz uma série de conferências, o Embaixador Rubens Ricupero. Assisti à sua palestra sobre globalização, proferida na Universidade de Brasília, e acompanhei com muita atenção aquela exposição de quem teve uma grande parcela de responsabilidade sobre o Plano Real, uma vez que S. Exª foi Ministro da Fazenda.

O Ministro Rubens Ricupero está realmente preocupado com a forma pela qual o Brasil está se inserindo no processo de globalização. A visão que S. Exª tem desse processo, por ele divido em três categorias possíveis, assemelha-se muito, como tive oportunidade de falar em aparte a sua conferência, com a minha visão.

Anteontem, em São Paulo, S. Exª fez uma palestra sobre o mesmo tema e, logo em seguida, concedeu à Folha de S.Paulo uma entrevista. Tal como S. Exª, considero que essa não é a melhor forma pela qual o Brasil poderia inserir-se nas transformações que a chamada modernidade impõe ao mundo: a divisão internacional do trabalho, do poder, da exploração, da técnica e do consumo.

Parece-me que S. Exª, o Sr. Rubens Ricupero, considera que, a partir de determinado momento, o Plano Real - e esta interpretação é minha - teria se enleado em suas próprias tramas, se enrijecido dentro de um conjunto de variáveis que passaram, cada vez mais, a ser determinadas de fora pela globalização externa, que engessou todo o processo de possível crescimento que ainda teria a economia brasileira.

Ao contrário de Gustavo Franco, Diretor do Banco Central, S. Exª o Ministro Rubens Ricupero considera que esse engessamento não terá no Brasil senão um triste fim. Na verdade, S. Exª considera que o governo brasileiro não soube criar uma alternativa à altura do nosso destino, que o Governo brasileiro deixou-se prender por estas relações que foram impostas ao Brasil: relações cambiais, destruição do parque industrial, desemprego, desconstitucionalização do Estado, falta de garantias de estabilidade em nome da estabilidade e da estabilização, falta de garantias em relação ao emprego e à aposentadoria, falta de atenção ao social. Portanto, um governo que, ao tentar criar um estado minimalista, apequenou-se.

Agora, verificamos que Sua Excelência o Senhor Presidente da República, ao invés de assumir a postura de estadista e enfrentar esses condicionamentos externos que pesam sobre a sociedade brasileira, introduzindo aqui o neo-imperialismo, numa situação de desespero, desesperança e inquietação por parte dos trabalhadores e funcionários públicos brasileiros, o Presidente FHC vem aos jornais dizer que os funcionários públicos brasileiros são parasitas, voltando, portanto, nesta modernidade tão apregoada, a uma discussão que era realmente nova por volta de 1820. Naquela ocasião, Ricardo e Robert Malthus, expoentes considerados marcos definitivos da história do pensamento econômico capitalista, debatiam, digladiavam com as armas de sua inteligência, com a destreza e o respeito que aquele condicionamento inglês impunha e exigia.

Robert Malthus foi citado por Charles Darwin, que afirmou ter se inspirado nele para elaborar a sua teoria da população e escrever a Origem das Espécies.

John Maynard Keynes, tido como o maior economista capitalista deste século, escreveu um artigo no qual afirmou que Robert Malthus era o primeiro dos economistas de Cambridge e, portanto, do mundo.

Robert Malthus introduziu este conceito de trabalho improdutivo e de parasitas. Dizia que o capitalismo é incompatível com a felicidade da humanidade. Afirmava que sem parasitas, sem funcionários públicos, sem reis, sem militares, sem advogados, sem professores, sem o que ele chamava de trabalhadores improdutivos, consumidores improdutivos, o capitalismo não poderia sobreviver.

Portanto, ao invés de criticar aquele segmento da população que se dedicou, não como uma escolha grandiosa, muitos deles, não como uma preferência individual, àquele tipo de atividade - o sacrifício de ser professor... A falta de grandes horizontes construtivos daqueles que se transformaram em funcionários públicos dos mais modestos escalões até os superiores, a eles o apodo.

Naquele momento, Malthus afirmava que a sociedade dos trabalhadores parasitas, dos trabalhadores improdutivos, dos consumidores improdutivos era necessária. Os trabalhadores ganham pouco e, portanto, não podem consumir senão uma parte muito pequena daquilo que produzem. A classe dos ricos é muito reduzida, e, por mais que consuma, não consegue, obviamente somando o seu consumo ao dos pobres, criar uma possibilidade de demandar, de consumir, de comprar o total da produção.

Como acontece agora com a produção agrícola do Brasil, que se passar de 85 milhões de toneladas ocasionará um desastre, segundo afirma nosso Ministro da Agricultura, também naquele momento Malthus já percebia que, se a produção não fosse vendida, a capacidade produtiva, nesse sistema capitalista, sofreria um estrangulamento, um general glut. Um estrangulamento geral poderá sofrer a produção capitalista se não for compensada a capacidade de consumo pelos parasitas, pelos consumidores improdutivos, pelos funcionários, pelos padres, pelos militares, pelos professores etc.

Agora, no momento em que percebemos que realmente nos é imposto um arrocho salarial, uma elevação enorme da taxa de juros, um aumento da carga tributária, reduzindo a capacidade de consumo da sociedade - as forças de consumo que Malthus e Keynes consideram ser uma das mais importantes forças produtivas -, há aqueles que desejam acabar com essa capacidade de consumo. E eles, os neo-ricardianos, os produtivistas de São Paulo, com uma visão limitada, produtivista, uma visão paulistana do mundo, incapaz de ver e apreender a totalidade e as necessidades do todo, chamam-nos - aos funcionários públicos - de puros parasitas, assim como Marx repetiu de Malthus.

Eu sou um desses parasitas! Não tive escolha. Não nasci filho de industrial, não nasci filho de banqueiro, que talvez seja considerado também produtivo, embora naquele tempo não o fosse; mas Fernando Henrique Cardoso é também meu colega, um ser improdutivo, do ponto de vista da sociedade industrial. Sua Excelência é professor e funcionário público, filho e neto de militares. Quando é que Sua Excelência deixou nossa triste, pobre e difamada categoria de improdutivos e parasitas para se erguer ao mundo e valores da produção?

Portanto, é lastimável que um Presidente da República não tenha assumido uma visão mais panorâmica, mais globalizante da sociedade brasileira, não tenha percebido que é o capitalismo que produz, necessariamente, esse contingente de parasitas, a fim de tentar corrigir esse defeito que ocorre como uma contradição entre as condições de produção e as condições de consumo da nossa sociedade.

Sr. Presidente, a cada passo em que as forças produtivas avolumam-se, em que a eficiência, própria do sistema capitalista, afirma-se, também se afirma o seu oposto - a deficiência do consumo coletivo, a necessidade de que o Governo reempregue os trabalhadores, os quais a modernização tecnológica vem colocando sempre, desde a Revolução Industrial, no desemprego.

Onde reempregar esses trabalhadores? A partir de certo momento, ficou visível: na crise de 1847, na França, 50% dos trabalhadores foram empregados na construção civil. Em 1863, na Fome do Algodão, a própria população inglesa cotizou-se para garantir um consumo razoável por parte dos trabalhadores ingleses desempregados.

A partir daí, verificamos que cada vez mais é o governo que, em vez de chamar de parasitas e de improdutivos, de ameaçar com a demissão, de retirar os direitos dos aposentados, veio socorrê-los, aumentando esse contingente para que a produção pudesse retomar o seu nível, o seu volume e a sua grandeza.

Foi isso o que Franklin Delano Roosevelt fez. Em 1935, ele dizia que o patrão que não pudesse ou não quisesse pagar um salário digno aos seus trabalhadores deveria fechar a sua atividade. O seu governo começou a pagar para que os fazendeiros também se transformassem em improdutivos; passou a pagar para que os fazendeiros não pagassem a partir de 1933.

Depois de 1935, com a mudança na Suprema Corte, quando ali ele adquiriu a maioria dos votos, seu governo deixa de pagar para que plantem cactos e passa então a aumentar cada vez mais os setores improdutivos e o reemprego de trabalhadores desempregados nas atividades inicialmente governamentais e, em seguida, nas atividades bélicas, mediante convocação da população civil.

Portanto, é preciso criticar o criticável, e não jogar a culpa num segmento como o dos funcionários públicos, que já se encontra amedrontado, aterrado, eviscerado.

Eu gostaria que realmente pudéssemos ter à frente dos destinos do Brasil alguém que tivesse uma visão global, totalizante da nossa sociedade, que não trabalhasse única e exclusivamente em causa própria para sua reeleição.

Disse Sua Excelência que quatro anos de governo é muito pouco para se governar. O tempo passa voando para quem anda voando. No entanto, para nós, que sofremos quatro anos, parece-nos uma eternidade, uma eternidade de quatro anos; e Sua Excelência, o semideus Fernando Henrique Cardoso, considera pouco uma eternidade para ele. Deus é eterno. Ele quer duas eternidades, duas vezes quatro anos, para poder desfrutar o tempo que, para ele, é tão leve e passa tão rapidamente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/1996 - Página 18062