Discurso no Senado Federal

MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PELA COOPERATIVA DOS GARIMPEIROS DE SERRA PELADA CONTRA ATO ILEGAL E ABUSIVO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA, INDICANDO COMO LITISCONSORTES PASSIVAS NECESSARIAS A COMPANHIA VALE DO RIO DOCE - CVRD E A UNIÃO FEDERAL.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA MINERAL.:
  • MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PELA COOPERATIVA DOS GARIMPEIROS DE SERRA PELADA CONTRA ATO ILEGAL E ABUSIVO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA, INDICANDO COMO LITISCONSORTES PASSIVAS NECESSARIAS A COMPANHIA VALE DO RIO DOCE - CVRD E A UNIÃO FEDERAL.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/1996 - Página 18066
Assunto
Outros > POLITICA MINERAL.
Indexação
  • REGISTRO, ANAIS DO SENADO, MANDADO DE SEGURANÇA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), COOPERATIVA, GARIMPEIRO, ESTADO DO PARA (PA), OPOSIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • PROTESTO, ILEGALIDADE, PARTICIPAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, EXPULSÃO, GARIMPEIRO, INJUSTIÇA, CONCESSÃO, AUTORIZAÇÃO, EXPLORAÇÃO, MINERIO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), AREA, DISTRITO, SERRA PELADA, ESTADO DO PARA (PA), REGISTRO, ARBITRARIEDADE, EMPRESA ESTATAL, POLICIA FEDERAL.
  • EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, JUDICIARIO, DEFESA, GARIMPEIRO, CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GOVERNADOR, ESTADO DO PARA (PA), PRIVILEGIO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD).

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho por obrigação voltar ao assunto que me causa profundo constrangimento. Quero registrar nos Anais do Senado Federal uma peça jurídica elaborada pela Cooperativa dos Garimpeiros de Serra Pelada, assinada pelo Dr. Mário Gilberto de Oliveira, e que é um mandado de segurança dirigido ao Supremo Tribunal Federal.

Quero dizer, Sr. Presidente, que essa continua sendo a maior das injustiças praticadas neste País, desde que me entendo por gente.

O Ministro do Exército esteve em Serra Pelada e ficou satisfeito com a ação das Forças Armadas, que, segundo suas palavras, promoveu tudo em paz. Inclusive, S. Exª citou a conversa que teve comigo, dizendo que as Forças Armadas não estariam deslocando os garimpeiros ou participando da ação, mas apenas apoiando a ação.

Sr. Presidente, o fato é que se deu a uma empresa o que, na verdade, não lhe pertence. A presença das Forças Armadas brasileiras e da Polícia Federal se deu de maneira absolutamente irregular, porque atenderam a um pedido de um juiz de comarca. As Forças Armadas, em hipótese alguma, podem atender a pedido de um juiz de comarca. As Forças Armadas poderiam ter sido solicitadas a manter a ordem se o pedido tivesse sido feito pelo Tribunal de Justiça do meu Estado; evidentemente, não foi o que aconteceu.

Esse juiz interpretou a lei, inclusive, exorbitando de sua competência, haja vista que uma disputa judicial entre a União e a Cooperativa de Garimpeiros teria que ser decidida por um juiz federal, e não por um juiz de comarca.

Por último, a Vale do Rio Doce voltou a explorar minérios dentro da área que pertence aos garimpeiros de Serra Pelada, conforme fixada pelo decreto de lavra de 100 hectares concedido pelo Governo Federal.

O que está acontecendo na prática, Sr. Presidente, é que, agora, protegida pelo Exército e pela Polícia Federal, a Vale do Rio Doce lá está promovendo as maiores arbitrariedades, uma vez que a Polícia Federal, valendo-se mesmo de bens da companhia, destruiu todas as propriedades coletivas dos garimpeiros de Serra Pelada, tais como locais de assembléia e de acampamento coletivo; enfim, tudo o que era comum da cooperativa foi destruído, destroçado pela Vale do Rio Doce.

Evidentemente, o mandado expedido pelo juiz da Comarca de Curionópolis indevidamente, embora atendido pelas Forças Armadas e pela Polícia Federal, não determinava a destruição de patrimônio alheio.

Além de tudo isso, as prisões continuam. Há pouco, há cerca de dez minutos, ligou-me a esposa de Claudionor Dias de Melo. Segundo ela, o marido encontra-se preso em Serra Pelada, e a família não tem acesso a ele; ele estaria incomunicável. Ligou-me também a esposa do líder Ataliba, informando-me que a Polícia Federal, atrás dessa liderança que, evidentemente, está escondida em algum lugar, invadiu casa alheia, deu tiros dentro dessa casa, perturbando a vida de outras pessoas, para depois constatar que o líder ali não estava.

A televisão brasileira mostrou a violência com que a Polícia Federal tratou os garimpeiros, a humilhação a que a Polícia Federal os submeteu. O Jornal Nacional, da TV Globo, mostrou os xingamentos feitos pelos policiais, mostrou os cidadãos sendo arrastados, outros empurrados; enfim, é uma tristeza total e absoluta. Um quadro completamente ilegal, de absoluta incompreensão de todo esse processo, porque não há nenhuma legalidade em tudo que se está fazendo ali.

A Vale, agora devidamente protegida, está a comprar os barracos dos garimpeiros, a demoli-los e a cercar a área. Alguns garimpeiros ainda resistem: afirmam que não sairão, não entregarão sua propriedade por R$6 mil; outros construíram novos barracos.

Infelizmente, a imprensa do meu Estado noticia: Garimpeiros especulam na Serra.

Não entendo por que, Sr. Presidente, a Vale do Rio Doce insiste em destruir uma vila legalmente constituída? Serra Pelada não é um simples povoado; é um distrito criado por lei da Câmara Municipal de Curionópolis.

Se a Vale fala que tem um projeto de matriz social, deveria implantá-lo em Serra Pelada, e não em Curionópolis, como parece ser sua intenção. O que ela quer - e o seu diretor diz com toda a tranqüilidade - é tirar do mapa, definitivamente, o Distrito de Serra Pelada; deseja acabar, liquidar com ele. Como não pode fazê-lo pela força - porque, se dependesse da Vale, aquela máquina que destruiu o alojamento e o local das assembléias destruiria todas as casas que lá estão - está tentando comprar casa a casa.

E ficamos a esperar que a Justiça do nosso País tome alguma posição. Esta peça jurídica, este mandado de segurança, conta toda a verdadeira história; mostra de maneira clara e objetiva que os garimpeiros são os verdadeiros donos de Serra Pelada e pede que o Supremo Tribunal Federal se manifeste sobre o assunto.

Sr. Presidente, espero que, neste momento, o Supremo Tribunal Federal assuma a sua responsabilidade, tomando as informações devidas diante desse documento e que se manifeste com a brevidade que se faz necessária. De nossa parte, ficamos impotentes. Felizmente, não sou só eu que o diga. Há poucos dias, um dos Líderes do Governo, Presidente da Comissão criada pelo Senado Federal para apresentar uma solução ao problema de Serra Pelada, o Senador Edison Lobão, do PFL, condenou veementemente, desta tribuna, a falta de respeito do Presidente da República do Brasil para com o Congresso Nacional.

A minha condenação ao Presidente da República é ainda mais veemente. É um Presidente que mente à Nação brasileira, que procura deturpar a verdade para atingir seus objetivos, objetivos da sua política entreguista, da sua política traidora dos interesses do povo brasileiro, na sua posição de vender a maior empresa mineradora de nosso País, a Companhia Vale do Rio Doce, uma empresa que dá lucro, que não gasta dinheiro do Governo para crescer.

Registro minha condenação ao Governador do meu Estado, Almir Gabriel, que lava as mãos diante de um ato de tamanha injustiça e barbaridade, porque também já foi contra a venda da Companhia Vale do Rio Doce, mas hoje se integra à posição majoritária de seu Partido, no sentido de privatizá-la. Para privatizá-la, é necessário acabar com o distrito de Serra Pelada. O que eles querem é fazer com que ali haja mais um enclave. Já há um na Serra dos Carajás, onde temos um estado independente dentro do nosso próprio Estado. Ali ninguém entra sem ordem da Vale do Rio Doce; são 1.167 mil hectares controlados por aquela companhia, que manda, ordena e determina para, evidentemente, entregá-la a grupos internacionais. Agora, querem fazer mais um novo enclave: o de Serra Pelada, onde, certamente, ninguém mais mandará em coisa alguma.

A única coisa que podemos dizer aos garimpeiros é que procurem resistir, que não abandonem Serra Pelada, que não vendam seus barracos, que esperem e aguardem a manifestação do Supremo Tribunal Federal, onde já existem duas ações, sendo que a última foi aquela protocolada no dia 30 de outubro próximo passado.

Sr. Presidente, persisto em dizer que nunca vi, em toda a minha vida, um ato de tamanha injustiça. Muitas coisas ruins acontecem neste País. No entanto, nunca vi - de maneira tão ostensiva e abusiva - tanto privilégio ao poder econômico, querendo dar-lhe um direito que não possui, ao se pretender retirar a propriedade de alguém apenas por ser pobre e não ter mesmo a possibilidade de lutar por aquilo que é seu, para entregá-lo àqueles que detêm o poder político e econômico, como ocorre no meu Estado do Pará, com a omissão do Governador e o total empenho do Presidente da República, além de, infelizmente, das Forças Armadas brasileiras.

Finalizo pedindo urgência ao Supremo Tribunal Federal na manifestação sobre essas matérias e dirigindo-me ao Ministro do Exército, General Zenildo Lucena. Lamento profundamente, General, mas as Forças Armadas brasileiras não estão apenas acompanhando, mas protegendo alguém que está usurpando um direito, como se as estivéssemos usando para proteger quem está assaltando. Isto é o que o Exército brasileiro está fazendo lá em Serra Pelada: não está metendo a mão no rombo, mas está tornando o proprietário indefeso, está deixando o proprietário da riqueza sem qualquer condição de reação. É simplesmente uma vergonha o que o Exército brasileiro está fazendo neste momento no meu Estado do Pará e em Serra Pelada.

Sr. Presidente, vou continuar aqui me manifestando permanentemente sobre essa questão. Não sei se atingirei os objetivos a que me proponho. Tenho certeza de que a revolta do povo do sul do meu Estado é grande, assim como a do povo do sul do Estado de V. Exª, Senador José Sarney, que preside neste momento esta sessão. No sul do seu Estado, no sul do meu Estado, no norte do Tocantins, existem centenas de milhares de pessoas que deram mais de uma década de suas vidas naquele garimpo; sabiam que o ouro estava lá, mas nunca podiam esperar que esse ouro deixasse de ser deles um dia. Está provado que o ouro está lá. As pessoas espalhadas pelos quatro cantos dos nossos Estados se sentem donas daquele ouro e por isso se sentem roubadas neste momento, roubadas pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, roubadas com a conivência do Governador do meu Estado, Almir Gabriel.

Essas pessoas não esquecerão jamais disso, tenho certeza. Um dia, esses senhores, sem dúvida alguma, receberão o troco de suas ações. Ninguém esquecerá a violência que se pratica hoje. Por mais que se perca, por mais que a Companhia Vale do Rio Doce consiga destruir Serra Pelada - e nós lutaremos até o fim para que isso não aconteça - de uma coisa tenho certeza: o povo não esquecerá esse ato de covardia do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/1996 - Página 18066