Discurso no Senado Federal

EXEMPLO DE BRAVURA DO COMANDANTE DA TAM, DESVIANDO O AVIÃO DE UMA ESCOLA ANTES DE SUA QUEDA, EVITANDO UMA TRAGEDIA MAIOR. ARQUIVAMENTO DO PROCESSO DO CANAL DA MATERNIDADE NO ACRE. SOLIDARIEDADE A DECISÃO DA PROCURADORA DE JUSTIÇA GISELLE MUBARAC DETONI, DETERMINANDO A ABERTURA DE SINDICANCIA PARA APURAR AS CIRCUNSTANCIAS QUE LEVARAM O PROCURADOR NILO FIGUEIREDO MAIA A PEDIR O ARQUIVAMENTO DO PROCESSO.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ESTADO DO ACRE (AC), GOVERNO ESTADUAL.:
  • EXEMPLO DE BRAVURA DO COMANDANTE DA TAM, DESVIANDO O AVIÃO DE UMA ESCOLA ANTES DE SUA QUEDA, EVITANDO UMA TRAGEDIA MAIOR. ARQUIVAMENTO DO PROCESSO DO CANAL DA MATERNIDADE NO ACRE. SOLIDARIEDADE A DECISÃO DA PROCURADORA DE JUSTIÇA GISELLE MUBARAC DETONI, DETERMINANDO A ABERTURA DE SINDICANCIA PARA APURAR AS CIRCUNSTANCIAS QUE LEVARAM O PROCURADOR NILO FIGUEIREDO MAIA A PEDIR O ARQUIVAMENTO DO PROCESSO.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/1996 - Página 18073
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ESTADO DO ACRE (AC), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, COMANDANTE, AERONAVE, ACIDENTE AERONAUTICO, OPERAÇÃO, DESVIO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO.
  • PROTESTO, ARQUIVAMENTO, PROCESSO, APURAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, OBRA PUBLICA, SANEAMENTO, MATERNIDADE, ESTADO DO ACRE (AC).
  • ANALISE, IRREGULARIDADE, CONSTRUÇÃO, CANAL DA MATERNIDADE, ESPECIFICAÇÃO, HOMICIDIO, EX GOVERNADOR, EX-DIRETOR, COMPANHIA DE HABITAÇÃO POPULAR (COHAB), ESTADO DO ACRE (AC), PROBLEMA, LICITAÇÃO, EXCESSO, FATURAMENTO, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS), INCENDIO, DOCUMENTO, INVESTIGAÇÃO.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, PROCURADOR DE JUSTIÇA, ABERTURA, SINDICANCIA, MOTIVO, PEDIDO, ARQUIVAMENTO, INQUERITO, CRITICA, SITUAÇÃO, IMPUNIDADE, ESTADO DO ACRE (AC).

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Primeiramente, Sr. Presidente, quero fazer um registro quanto ao gesto, que me emocionou, que deve servir de exemplo para o País e também para a humanidade, do comandante do avião da TAM no lamentável incidente que ceifou a vida de tantas pessoas. Suas últimas palavras, ao avisar que estava caindo, foram para dizer que iria salvar a escola onde estavam mais de 800 crianças, entre jovens e adolescentes. Essa atitude em muito nos emociona.

É muito fácil nos compadecermos de outras pessoas quando temos a possibilidade de viver a vida. Mas, no momento da morte, em que não nos resta mais esperança, pensar nos outros talvez seja muito mais difícil. Em nome da grandeza desse gesto, que deve ser acompanhado por cada um de nós em vida, porque a morte só é possível aos heróis de carne e osso, faço este registro.

Mas quero também falar, Sr. Presidente, sobre um episódio lamentável ocorrido em o meu Estado, a obra do Canal da Maternidade, em que houve denúncias de superfaturamento, envolvimento de autoridades, assassinatos e uma série de irregularidades.

Durante muito tempo, nós, do Estado do Acre, ficamos aguardando que a Justiça se pronunciasse sobre o episódio. Após um longo período de espera, pelo pronunciamento da Justiça do Acre, fomos surpreendidos com a notícia de que o Procurador Nilo Figueiredo Maia pediu o arquivamento do processo.

Ora, Sr. Presidente, ao pedir o arquivamento de um inquérito tão importante, tão conhecido no Brasil e sobre o qual pesam inúmeras expectativas, principalmente de que sejam apuradas as denúncias existentes e de que sejam punidos os responsáveis acusados, caso venham a ser provadas essas acusações, o Dr. Nilo Figueiredo Maia alega que a imprensa exagerou.

      Diz o Procurador: "Ao caso do Canal da Maternidade foi dada uma roupagem delituosa e, se for investigado mais a fundo, com certeza, irá se descobrir que as denúncias feitas não são tão contundentes e que, quanto mais se investiga o caso, mais se chega perto da inocência daqueles que estariam sendo acusados."

A que inquérito se refere o Dr. Nilo? A que inocentes possíveis, se uma profunda investigação foi feita, como se refere o citado Procurador?

Vou apenas fazer um breve histórico sobre a matéria, Sr. Presidente, para que conste dos Anais desta Casa, e os nobres Colegas possam participar das minhas preocupações de que um inquérito como esse não poderia jamais ser arquivado.

1- As obras do Canal da Maternidade e da Estação de Tratamento de Água foram iniciadas no primeiro ano da gestão do ex-Governador Edmundo Pinto, assassinado há quatro anos no Hotel Della Volpe no Estado de São Paulo. Essas obras, estimadas em mais de US$110 milhões, foram entregues à Construtora Norberto Odebrecht na gestão do referido governador.

2- Durante o processo licitatório houve uma série de denúncias de irregularidades. Além do direcionamento da licitação, foi denunciada à época um superfaturamento das obras.

3- Na Assembléia Legislativa do Estado do Acre foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito para analisar as denúncias.

4- O então Ministro do Trabalho, Antonio Rogério Magri, teve uma conversa gravada em que afirmava ter recebido US$30 mil para liberar o financiamento, através do FGTS, para as obras do Acre. Esse episódio levou o Congresso Nacional a criar a CPI do FGTS.

5- No Acre, a CPI e o Conselho Regional de Engenharia constataram o superfaturamento das obras em mais de 40%.

6- Misteriosamente, a Assembléia Legislativa do Acre pegou fogo uma semana antes do assassinato do Governador do Estado. O incêndio começou justamente na sala em que estavam os documentos da comissão de sindicância que investigava as denúncias de superfaturamento da obra do Canal da Maternidade.

7- Um dia antes de depor na CPI do FGTS no Congresso Nacional, o Governador Edmundo Pinto foi assassinado em São Paulo, após ter passado um final de semana com alguns assessores e diretores da construtora Norberto Odebrecht.

Vejam bem, Sr. Presidente, Srs. Senadores, o que se está pedindo para arquivar é um inquérito eivado de suspeitas, envolvendo a morte de um governador e a morte de um engenheiro, o Sr. Vandervan de Souza Rodrigues; ele era o responsável pela tomada de preço das obras, e o inquérito envolvia o nome de autoridades, inclusive de deputados; é muito estranho que se esteja pedindo o seu arquivamento.

8- Mesmo cercado de mistérios e de suspeitas, a polícia de São Paulo concluiu que o assassinato do Governador foi praticado por dois assaltantes (latrocínio - assalto seguido de morte).

9- A partir desses episódios, a obra foi paralisada e os processos encaminhados à Justiça. Ao todo foram indiciadas 15 pessoas, entre elas o engenheiro Vandervan de Souza Rodrigues, ex-Diretor do Cohab-Acre, um dos responsáveis pela planilha de custos das obras do Canal da Maternidade, assassinado em 1993 e o Deputado Carlos Airton (PPB/AC).

10- Vandervan deixou um diário onde relata as ameaças de morte que estava sofrendo e responsabilizava o ex-presidente da Companhia de Saneamento do Acre (Sanacre) de estar por trás dessas ameaças.

(...)

Sr. Presidente e Srs. Senadores, aqui cabe uma pequena ressalva:

13- O Procurador entendeu que os projetos técnicos para as obras da Estação de Tratamento de Água e o Canal da Maternidade poderiam dar, no máximo, ensejo a litígios no âmbito dos direitos autorais ou de responsabilidade civil, jamais chegando ao questionamento de sua autenticidade. Ele considera, ainda, que houve total lisura no processo de financiamento pleiteado pelo Governo do Acre junto à Caixa Econômica Federal.

14- Esse episódio motivou a abertura de uma sindicância na Corregedoria do Ministério Público Estadual, a pedido da Procuradora de Justiça Giselle Mubárac Detoni para apurar as circunstâncias que levaram o Procurador a pedir o arquivamento do processo.

E aqui parabenizo a coragem da Drª Giselle Mubárac Detoni. Temos tido casos de mulheres tomando atitudes em situações nas quais os homens não têm coragem de agir. Foi assim no caso da Drª Denise Frossard, quando ordenou uma ação efetiva contra os bicheiros; o caso da nossa juíza aqui do Distrito Federal, numa ação contundente junto a um Ministro; e, agora, a Drª Giselle Mubárac enfrenta corajosamente problemas envolvendo o Canal da Maternidade, pois a referida obra já implicou até o assassinato de um Governador, de um engenheiro e de inúmeras pessoas.

14 - Esse episódio motivou a abertura de uma sindicância na Corregedoria do Ministério Público Estadual, a pedido da Procuradora de Justiça Giselle Mubárac Detoni, para apurar as circunstâncias que levaram o procurador Nilo Figueiredo Maia a pedir o arquivamento do inquérito que envolve as denúncias de irregularidades no processo licitatório e superfaturamento das obras do Canal da Maternidade e da Estação de Tratamento de Água (ETA).

Essa obra é importante para o Acre, mas não pode ser feita a qualquer custo, como a perda de vida de pessoas, além dos casos de corrupção, fortemente denunciados nesse inquérito.

Que razões levaram essa procuradora a solicitar essa comissão de sindicância, em função das suspeitas referentes ao pedido de arquivamento do Dr. Nilo Figueiredo?

15 - No documento em que pediu a abertura da sindicância, Giselle Detoni menciona o fato de que o procurador Francisco Matias, cunhado de Nilo Maia, recebeu a visita de uma pessoa de seu círculo de amizade que, de forma reservada, contou-lhe que um dos advogados dos indiciados propôs o pagamento de R$50 mil para que ficasse quieto, porque já havia "pessoa certa para emitir parecer pelo arquivamento do caso".

Não quero acusar ninguém levianamente. Creio que a sindicância será feita, o Brasil também espera que isso ocorra, para que se saiba realmente quem era essa pessoa certa para emitir parecer pedindo o arquivamento do caso. Espero sinceramente que não seja o Procurador Nilo Figueiredo Maia.

16 - Os procuradores designados para atuar nos autos foram Nilo Maia, Francisco Matias e Giselle Detoni. Nilo Maia, desde o início, disse aos demais que não assinaria nenhuma denúncia, porque temia sofrer represálias após dois assassinatos suspeitos de envolvimento com a contratação das obras. Na declinação do fórum competente, Giselle Detoni e Francisco Matias argüíram a incompetência do Tribunal de Justiça do Acre para julgar o inquérito. Nilo Maia não participou da elaboração do documento, mas o assinou. O Desembargador Relator, Francisco das Chagas Praça, devolveu o inquérito, comunicando que havia feito o desmembramento em razão do indiciamento de Carlos Airton que se tornara deputado federal. Giselle e Matias recorreram porque entendiam que apenas o Supremo Tribunal Federal poderia desmembrá-lo.

17 - O prazo que os dois procuradores tinham para apresentar o agravo regimental esgotava-se no dia 21. Decidiram apresentar o recurso três dias antes, mas foram surpreendidos com a notícia de que o processo fora arquivado no dia 17.

18 - Giselle Detoni acha estranho que Nilo Maia, que temia represálias e era o mais vulnerável às pressões dos advogados, tenha sido designado e decidido tão rapidamente um caso que chamou a atenção da opinião pública nacional. "Envolve pessoas influentes do Acre e a poderosa Norberto Odebrecht, mas o inquérito foi fulminado sem qualquer apreciação do pleno do Tribunal de Justiça", acrescenta a Procuradora, que sofreu ameaças de morte e já comunicou ao superintendente da Polícia Federal, Ildor Reni Graebner. Ela suspeita que Nilo Maia tenha recebido o parecer pronto antes dos autos. "Não existe cópia do parecer nos computadores do Ministério e muito menos no gabinete do Procurador Nilo Maia, onde inexiste computador ou datilógrafa para reproduzir pareceres".

Sr. Presidente, há uma contradição muito forte. Enquanto a Procuradoria de Justiça de São Paulo reabre o inquérito para investigar as circunstâncias da morte do Governador Edmundo Pinto, o Governador do Estado do Acre, que deveria ser o mais interessado nas investigações desse episódio, no sentido de que o mesmo fosse esclarecido e de que se fizesse justiça ao assassinato do ex-Governador acreano, pede o arquivamento do inquérito.

O meu pronunciamento visa a reforçar a decisão corajosa da Drª Giselle Mubárac Detoni. Faço um apelo nesse sentido às autoridades federais para que esse processo não seja arquivado. Este assunto diz respeito às autoridades federais, em função do fato de se tratar de uma obra de cunho federal, que envolve recursos do FGTS.

O Acre, em muitos momentos, figura como terra de ninguém. Ouvi aqui o pronunciamento do Senador Ademir Andrade, em que S. Exª lamentava as desgraças que estão acontecendo no meu Estado.

Quero aqui, Sr. Presidente, parodiando às avessas a canção de Djavan, dizer que, infelizmente, se ele se dizia "jurado para morrer de amor", no Acre e no Norte da Amazônia, quem é jurado de morte o é para morrer mesmo. Tratam-se de mortes anunciadas, cujos processos, mesmo eivados de erros, são arquivados, apesar das fortes denúncias que sobre eles surgem e que deveriam ser investigadas.

Apresento mais uma vez minha solidariedade para que este caso tenha continuidade e que as autoridades competentes não se calem diante das ameaças. Eu jamais me calaria diante de um episódio como esse, mesmo sabendo que pessoas que se envolvem nele correm muitos riscos. Todavia, prefiro correr o risco a pecar pela omissão do silêncio, como muitos fazem para salvar a própria pele, deixando a Justiça e a sociedade civil acreana à mercê de sua própria sorte.

Obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/1996 - Página 18073