Discurso durante a 189ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

DESIGNAÇÃO DE S.EXA. PARA REPRESENTAR O SENADO FEDERAL NA CONFERENCIA DE CUPULA, ORGANIZADA PELA FAO, A SER REALIZADA EM ROMA ITALIA NO PERIODO DE 13 A 17 DE NOVEMBRO DO CORRENTE, OBJETIVANDO A DISCUSSÃO SOBRE A FOME E A MISERIA NO MUNDO. DEFENDENDO A TESE DA ELIMINAÇÃO DOS SUBSIDIOS A PRODUTOS AGRICOLAS PRATICADOS PELOS PAISES DESENVOLVIDOS O QUE PERMITIRIA AOS PAISES EM DESENVOLVIMENTO COMPETITIVIDADE NO MERCADO DE COMMODITIES. NECESSIDADE DE UMA POLITICA ESPECIAL DE APOIO A PEQUENA PROPRIEDADE.

Autor
Osmar Dias (S/PARTIDO - Sem Partido/PR)
Nome completo: Osmar Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • DESIGNAÇÃO DE S.EXA. PARA REPRESENTAR O SENADO FEDERAL NA CONFERENCIA DE CUPULA, ORGANIZADA PELA FAO, A SER REALIZADA EM ROMA ITALIA NO PERIODO DE 13 A 17 DE NOVEMBRO DO CORRENTE, OBJETIVANDO A DISCUSSÃO SOBRE A FOME E A MISERIA NO MUNDO. DEFENDENDO A TESE DA ELIMINAÇÃO DOS SUBSIDIOS A PRODUTOS AGRICOLAS PRATICADOS PELOS PAISES DESENVOLVIDOS O QUE PERMITIRIA AOS PAISES EM DESENVOLVIMENTO COMPETITIVIDADE NO MERCADO DE COMMODITIES. NECESSIDADE DE UMA POLITICA ESPECIAL DE APOIO A PEQUENA PROPRIEDADE.
Publicação
Publicação no DSF de 07/11/1996 - Página 18168
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • DESIGNAÇÃO, ORADOR, REPRESENTAÇÃO, SENADO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, DISCUSSÃO, FOME, MISERIA, MUNDO.
  • NECESSIDADE, DEFESA, INTERESSE, PAIS SUBDESENVOLVIDO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, BRASIL, REDUÇÃO, FINANCIAMENTO, SUBSIDIOS, PRIMEIRO MUNDO, SETOR PRIMARIO, GARANTIA, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, MERCADO INTERNACIONAL, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.
  • INEFICACIA, PROGRAMA, COMBATE, FOME, MISERIA, PAIS, NECESSIDADE, POLITICA, APOIO, PEQUENA PROPRIEDADE, ZONA RURAL.

O SR. OSMAR DIAS (-PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a abordar um assunto de extrema relevância. Há 15 dias, iniciei, desta tribuna, um pronunciamento, tratando de uma questão de extrema importância para o Governo brasileiro, para o nosso País e, com certeza, para todos os países. Tive a honra de ter sido designado pelo Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, Senador Antonio Carlos Magalhães e pelo Presidente do Senado, José Sarney, para representar o Senado Federal na Conferência de Cúpula que ocorrerá do dia 13 ao dia 17 deste mês em Roma.

Sr. Presidente, na Conferência organizada pela FAO, Organismo da ONU, estarão presentes todos os países do mundo, preocupados com esse tema. Fiz referência, aqui, ao Tratado assinado há 22 anos, em que, infelizmente, apenas ficou no papel a intenção de acabar com a fome e com a miséria no mundo inteiro. Hoje, são quase um bilhão de pessoas que vivem abaixo da linha da miséria e que, portanto, não comem regularmente uma refeição por dia.

Mas, Sr. Presidente, ao falar sobre este tema, quero enfocá-lo sob um ângulo diferente daquele que tem sido abordado neste Senado Federal. Sempre temos, aqui, apontado as causas internas da fome, da desnutrição, da miséria e até apontado soluções que também dependem de providências internas.

Sr. Presidente, Senador Lauro Campos, tenho a felicidade de tê-lo presidindo esta sessão, porque, economista que é, V. Exª vai entender a tese que quero defender aqui: de que o combate à fome dos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos não será possível, se países como o Brasil, que tem potencial para abastecer mercados, não se impuserem nas negociações comerciais, principalmente aquelas do GATT, haja vista que os países desenvolvidos, movidos pelo lobby de sua potente agroindústria, não têm permitido, sequer, discutir esse tema. E o Brasil tem se colocado de forma muito tímida, ignorando a importância de nosso País no contexto internacional no que se relaciona ao abastecimento alimentar.

Refiro-me, Sr. Presidente, ao protecionismo dos países desenvolvidos que chega, hoje, ao absurdo de US$350 bilhões, apenas nos 24 países componentes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico: países da Europa, da Ásia, principalmente, os Estados Unidos e o Canadá, contando ainda com a Austrália e com a Nova Zelândia. Pois bem, esses países, ao subsidiarem todos os anos, com esse volume de recursos, a produção primária, não permitem que os países em desenvolvimento se insiram competitivamente no mercado de commodities, e isso os impede de fazer recursos na balança comercial tanto para enfrentarem os serviços da dívida e promoverem seu desenvolvimento interno quanto para formularem no Orçamento uma política de segurança alimentar.

Se os países desenvolvidos já sofrem todos os anos para convencer seus parlamentares e seus governos para que em seu orçamento seja inscrita também a política de segurança alimentar, imaginem um País como o nosso, que tem prioridades - pelo menos tem dito, nos últimos governos e especialmente neste - muito diferentes daquela que foi tratada com absoluta importância pelos países, depois da Segunda Guerra Mundial.

No Brasil, não há essa preocupação com a segurança alimentar. Ao contrário, há a preocupação do Ministro de não se produzir muito, porque se se produzir muito, segundo S. Exª, teremos problemas com a economia. Tomara, Sr. Presidente, que o Ministro, ao nos representar nessa conferência de cúpula, não defenda essa tese, porque estarei presente e, com certeza, não me sentirei confortável em ouvi-lo discursando sobre tese tão absurda que nos coloca nas páginas dos jornais como um ponto de interrogação, dentro e fora do nosso País.

O Brasil prega o limite de produção: hoje, enquanto todos os países avançam na produtividade para buscar a auto-suficiência - e não só a auto-suficiência, mas também estoques de alimentos que possam significar segurança alimentar -, caminhamos na estrada no caminho inverso.

Pois bem, de acordo com um levantamento que fiz junto com organismos oficiais e internacionais, a tese é a seguinte: Se tivéssemos hoje a eliminação de todos os subsídios concedidos pelos países desenvolvidos e se houvesse a abertura de mercados desses países, nós, países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, teríamos um mercado de US$40 bilhões a mais. Significa que poderíamos eliminar nosso déficit - de US$25 bilhões na balança comercial e de produtos agrícolas - e passaríamos a ter superávits. Por que isso ocorreria? Porque eliminaríamos o fator que impede nossa inserção competitiva no mercado internacional. A Argentina teria a mais um mercado de exportação de US$3 bilhões, e o Brasil seria presenteado - e aí talvez o Ministro não dissesse mais que não poderíamos aumentar a nossa produção - com um mercado de US$20 bilhões a mais do que o que possui hoje.

Sr. Presidente, estou defendendo essa tese e gostaria de ver o Governo fazendo o mesmo em Roma. Se os países desenvolvidos estão bem-intencionados e querem realmente assinar um tratado de combate à fome e à miséria, deveriam fazer constar desse tratado a eliminação completa dos subsídios.

Vejam bem, Srs. Senadores, numa escala sucessiva, aos 40 anos do início do protecionismo, verificamos que houve, para esses países, um aumento da produtividade anual de 1%. Hoje, a produtividade é 40% maior do que há 40 anos, nos países desenvolvidos. Isso levou a grandes estoques, volumes exageradamente desnecessários, fazendo com que os preços fossem pressionados para baixo e que houvesse prejuízos, por não poderem, exatamente, esses países desenvolvidos, contar com o fator estimulador de preços. Dessa forma, os preços caíram, em média, 0,5% ao ano.

Através de uma estimativa feita por organismos oficiais e por economistas de todo o mundo, inclusive australianos, chegamos à conclusão de que, se eliminássemos, de uma vez por todas, o protecionismo, teríamos um aumento nos preços das commodities de 20% no mercado internacional.

Alguém poderia dizer que os consumidores estariam pagando mais pela comida. Não, porque os consumidores pagam o preço do produto subsidiado na origem, mas a vantagem vai exatamente para os produtores subsidiados e não fica com os consumidores, que estão pagando o preço equivalente aos produtos nacionais que, por não terem escala de produção, são relativamente altos ao consumidor, embora sejam muito baixos para o produtor.

Gostaria de ver essa tese defendida pelo Governo brasileiro nessa conferência de cúpula. É preciso brigar com todo o poder de barganha que o Brasil tem, no mercado internacional de fornecimento de commodities, de grãos especialmente, porque ganharíamos com isso um mercado de mais ou menos 37 milhões a mais de grãos - não o Brasil, mas os países em desenvolvimento, dos quais o Brasil faz parte -, um mercado promissor para nós, produtores de grãos. São cerca de oito milhões de toneladas de açúcar, já que os países que subsidiam esse produto pagam três vezes mais pelo preço do açúcar no mercado internacional para manter os produtores de açúcar de beterraba, principalmente, produzindo nos campos. Ganharíamos um mercado de 65 milhões de toneladas de laticínios; ganharíamos um mercado de quase 20 milhões de toneladas de carne. Tudo isso seria um mercado aberto de US$40 bilhões para os países em desenvolvimento.

Se houver boa intenção por parte dos países que participarão dessa conferência de cúpula, eles irão discutir a questão de se reduzir, pelo menos gradativamente, o alto subsídio que dão a suas agriculturas. Assim, poderemos planejar nossa agricultura, não apenas para o mercado interno, mas também para o mercado que ganharemos com essas medidas. Não há como combater a fome no mundo se não houver um recuo por parte dos países desenvolvidos com relação ao alto grau de subsídio que hoje caracteriza o mercado internacional.

Na França, por exemplo, há hoje a disposição dos agricultores, dos camponeses, de defenderem a todo custo esse protecionismo, a ponto de invadirem a principal avenida de Paris para fazerem valer os seus direitos.

Mas quando verificamos que os camponeses franceses são apenas 6% da população da França, que eles diminuíram nos últimos 30 anos e significam hoje apenas 10% do que eram há 40 anos, quando começou o subsídio, percebemos que há algo por trás disso que não existe em nosso País.

Embora no Brasil o agribusiness seja responsável por 40% da balança comercial brasileira e por 60% das movimentações internacionais, não existe em nosso País uma integração de forças dos empresários do campo e dos empresários da cidade, do agribusiness, e muito menos do Governo - que tem se interessado muito pouco por este assunto, que o tem até negligenciado -, para que tivéssemos aqui a mesma força que têm os camponeses franceses. Lá, o lobby da agroindústria, como nos Estados Unidos, funciona muito bem para defender os interesses não apenas dos camponeses mas também do grande complexo agroindustrial, sobretudo dos consumidores. Se, há 40 anos, cada trabalhador via 50% do seu salário ser retirado para comprar comida, hoje ele vê 20% ser retirado e nem se incomoda que esse subsídio saia do seu bolso - o equivalente a 7% na França, chegando a 25% na Inglaterra. E há o cúmulo de uma vaca, na União Européia, receber de subsídio US$2 mil, valor que chega muito próximo à renda per capita de muitas regiões deste País, de muitos Estados deste País. Cada vaca, na União Européia, recebe o equivalente ao que recebe um homem em muitas regiões brasileiras.

Essa desigualdade, que tenho visto os Senadores debateram nacionalmente, internamente, não tem sido debatida internacionalmente. Este é o momento - quando são enfrentados, numa conferência de cúpula, os motivos, as causas principais da fome e da desnutrição - em que este tema não pode ser negligenciado pelo Governo, deixado de lado. Ele deveria ser, sim, a bandeira de luta do nosso Governo.

Não sei o que deverá ser apresentado. Mas tomara que não apresentem diagnósticos, porque eles já estão completos e, lá fora, são conhecidos. Tomara que não apresentem os programas que dizem que estão sendo executados aqui em nosso País, porque, infelizmente, eles não têm passado de anúncios que não estão atingindo a maioria dos produtores brasileiros e, em conseqüência, não estão atingindo o objetivo de oferecer ao País a segurança alimentar.

Quando se diz que em nosso País se está combatendo a fome com um programa de apoio aos pequenos produtores rurais brasileiros, o Pronaf, posso dizer, porque estou em contato com os agricultores do meu Estado, que os recursos não chegam; e quando chegam às agências, a burocracia, as exigências são tão grandes que os agricultores pequenos até desistem do uso daquele crédito. Desistem e alguns continuam sobrevivendo; e outros, engrossam a enorme fila da reforma agrária.

Junto a este meu pronunciamento a fotografia, que trago em minha memória, do que vi no final de semana. No Paraná, um Estado onde a agricultura é forte, Estado responsável por 20% da produção agrícola deste País, vi, nas margens de uma rodovia federal, três mil famílias acampadas, em situação de absoluta miséria, aguardando a reforma agrária, que não vem.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essas três mil famílias, na verdade, são o reflexo do que ocorre em todos os Estados brasileiros, do estado de miséria das favelas que tomam conta das grandes metrópoles do Brasil, até daquelas que dizem que têm nível de vida de primeiro mundo, como Curitiba, a capital do Paraná, onde as favelas também fazem parte do cenário.

A fotografia que trago em minha memória é a de um acampamento que aguarda a reforma agrária e onde, apenas neste inverno, 11 crianças morreram de frio e de fome.

Estamos promovendo, no País, programas, ajustes econômicos que não estão atingindo essa camada menos favorecida da população, que ainda não come, não porque não haja comida suficiente para ser distribuída, mas simplesmente porque não existe salário e não existem condições de obter comida.

Isso só ocorrerá, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando este País tratar de forma mais séria este tema que estou abordando; quando, lá fora, olhar para o grande potencial que temos, para o poder de barganha que temos, e aqui dentro promover políticas que possam atingir as famílias menos favorecidas da sociedade, que estão às margens das rodovias enquanto a televisão exibe, a cada intervalo de programa, em meu Estado, propagandas oficiais do Governo estadual dizendo que ele está acabando com os bóias-frias e com os sem-terra e promovendo as vilas rurais. Em um Estado onde 12 vilas rurais foram construídas e 200 famílias foram assentadas, 400 mil famílias estão aguardando o cumprimento de promessas - que, com certeza, não serão cumpridas.

Este assunto precisa ser tratado com seriedade e tenho comigo que não haverá solução para este problema se não atacarmos algumas questões internas que estão esquecidas pelo Governo. Em primeiro lugar, não temos, neste País, uma política especial de apoio à pequena propriedade. O Pronaf, com um bilhão, não atende sequer 200 mil pequenas propriedades, e o Brasil tem 5 milhões e 200 mil pequenas propriedade. Ficam de fora 5 milhões de propriedades e o Governo acredita que está atendendo maravilhosamente bem a todos os pequenos produtores.

Não existe, neste País, linha de crédito de investimento para modernizar as pequenas propriedades. Enquanto continuarmos vendo pequenos produtores plantando sem um mínimo de tecnologia, sem a mínima condição de competir com os grandes produtores, não veremos prosperar a pequena propriedade.

O modelo de pequena propriedade que existe é responsável pela geração de milhares de empregos. E tenho citado aqui: uma pequena propriedade gera, em cada nove hectares, um emprego; a grande propriedade precisa de 60 hectares para gerar um emprego.

Ao destruirmos a pequena propriedade, como está ocorrendo em nosso País, estaremos destruindo as expectativas de emprego de milhares de brasileiros, e aí estaremos caminhando no sentido inverso do combate à fome, à miséria e à desnutrição.

Vou representar o Senado. Infelizmente, não terei direito a voz, vou apenas assistir à Conferência. Quero crer que o Governo brasileiro não fará um discurso, repito, em que apresentará um diagnóstico, mas apresentará uma proposta que possa resolver o problema deste drama que nos envergonha. Ele contraria todo o potencial que temos para produzir e gerar empregos.

Não se iludam. Os poucos empregos que estamos gerando com a implantação de fábricas de automóveis, por exemplo, no meu Estado, ficam muito aquém do contingente que está sendo desempregado no Paraná, onde uma fábrica de tratores demite dois mil funcionários em apenas um ano, porque não há quem compre os tratores produzidos.

Não adianta construir uma fábrica de automóveis, com toda a automação que ela significa, porque ela gerará 400 empregos, enquanto 2 mil empregados da fábrica de tratores foram demitidos, enquanto milhares de pequenos produtores do campo estão saindo para também engrossar a fila dos desempregados dos grandes centros.

Sr. Presidente, irei infelizmente apenas como ouvinte, mas com a expectativa de que o Governo brasileiro baterá duro para fazer valer o seu potencial, a sua força e o seu prestígio no cenário internacional.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/11/1996 - Página 18168