Discurso no Senado Federal

CRITICAS AS EXPRESSÕES INSULTUOSAS COM QUE O PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO SE DIRIGIU AOS FUNCIONARIOS PUBLICOS, TAXANDO-OS DE PARASITAS. REPERCUSÃO DE PROJETOS DE LEI DE SUA AUTORIA, TANTO O QUE RESTRINGE AS ATIVIDADES SEMELHANTES A TELE SENA E AO PAPA TUDO COMO AQUELAS REFERENTES AOS BINGOS, AOS SORTEIOS TELEFONICOS DE CARROS, ETC.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. ESPORTE.:
  • CRITICAS AS EXPRESSÕES INSULTUOSAS COM QUE O PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO SE DIRIGIU AOS FUNCIONARIOS PUBLICOS, TAXANDO-OS DE PARASITAS. REPERCUSÃO DE PROJETOS DE LEI DE SUA AUTORIA, TANTO O QUE RESTRINGE AS ATIVIDADES SEMELHANTES A TELE SENA E AO PAPA TUDO COMO AQUELAS REFERENTES AOS BINGOS, AOS SORTEIOS TELEFONICOS DE CARROS, ETC.
Publicação
Publicação no DSF de 07/11/1996 - Página 18174
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. ESPORTE.
Indexação
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, AUTORIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OFENSA, CATEGORIA PROFISSIONAL, FUNCIONARIO PUBLICO.
  • SOLICITAÇÃO, APOIO, SENADOR, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ERRADICAÇÃO, LOTERIA, INICIATIVA PRIVADA, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, REFERENCIA, REPASSE, PARTICIPAÇÃO, BINGO, CLUBE, FUTEBOL, ATIVIDADE, PRATICA ESPORTIVA.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, da última vez que estive nesta tribuna referi-me à expressão insultuosa com que Sua Excelência, o Presidente da República, FHC, se dirigiu aos funcionários públicos. Sempre que um governo pretende depreciar uma classe, uma categoria, um segmento social é para explorá-la, é para dilacerá-la e desrespeitar os seus direitos. Sua Excelência se referiu aos "parasitas", entre os quais se inclui, pois antes de haver assumido os páramos da divindade, a própria figura do Presidente da República, sempre foi professor e, portanto, funcionário público, antes de ser político e, assim, incluído nesta mesma categoria.

Sou um modesto servidor público. Preparei durante cinco anos minha tese para o concurso de catedrático numa universidade federal. Para isto, seis anos antes, vendi um apartamento que possuía no centro de Belo Horizonte para custear, em Roma, parte dos meus estudos. Não tive auxílio do Governo; foi a minhas próprias expensas.

Quando voltei a Belo Horizonte, o Reitor, Orlando de Carvalho, convidou-me para que eu lá fizesse concurso. Agradeci. Não queria a sombra do Reitor a me proteger. Não queria o nome do meu pai, que durante vinte e cinco anos foi catedrático, também por concurso, num concurso que ficou inesquecível na história da cultura mineira e na história da Universidade de Minas Gerais. O adversário de meu pai, sobrinho do Governador de Minas, Augusto de Lima, trinta anos mais velho do que ele, foi de tal forma derrotado por meu pai que, não agüentando o impacto do concurso, retirou-se para um nosocômio no interior de Minas, onde pouco tempo depois suicidou-se.

Portanto, não é assim tão fácil ter-me tornado um parasita. Da banca, participaram o ex-Ministro Oscar Dias Corrêa, o Prof. Pinto Antunes, catedrático da Universidade de Minas Gerais e catedrático da Universidade Nacional e também o ex-Governador do Pará e ex-Senador Aloysio Chaves. Portanto, fiz este concurso para ter a minha independência na cátedra, para poder criticar as medidas anti-sociais, as medidas de uma economia que eu sabia que estava caminhando para os descaminhos em que hoje se encontra.

Acordava aqui às 3h da madrugada para lecionar, carregando comigo o meu parasitismo a que se refere Sua Excelência, o Presidente da República.

Mas hoje vou tratar de parasitas reais. Não desses que estão sendo difamados para que sejam explorados, para que as suas aposentadorias sejam desrespeitadas, para que os seus vencimentos não sejam reajustados de acordo com a inflação, para que os direitos conquistados da estabilidade sejam desestabilizados neste plano de estabilização. Quero me referir a outros parasitas, parasitas que vivem e se multiplicam à sombra do Governo Federal e da legislação brasileira.

Há seis anos, em março de 1991, dirigi-me à Procuradoria-Geral da República, onde pretendia fazer algo contra a Tele Sena, o Papa Tudo e todas as loterias privadas que passaram a existir no Brasil e que começavam a mostrar as suas potencialidades. Os parasitas cresceram e a medida que tomei naquela ocasião mostrou-se tímida para conseguir segurar a avalanche que a pobreza, a insegurança e a desesperança do brasileiro levava, como última saída, a colocar na sorte a esperança de seus infortúnios. Quanto mais pobre, mais desesperada, mais desemprego, obviamente maior o número de apostadores.

Assim, os parasitas aumentam. E para que isso acontecesse à sombra da lei, ao abrigo da lei, aquilo que antes era contravenção e crime, qualquer tipo de jogo de azar passou a ser completamente legal nesta sociedade da permissividade.

Um dos efeitos maléficos da jogatina é, sem dúvida alguma, a sua vizinhança com as máfias, a sua capacidade de penetrar na estrutura política, a mistura do poder econômico centralizado nas mãos dos grandes jogadores, dos donos das loterias televisivas, telefônicas com o poder político.

Pois bem, assisti, na semana passada, a consciência lúcida incendiada do nobre Senador Pedro Simon acusando a presença de um projeto de lei que S. Exª aplaudia e que visava justamente impedir que a modalidade chamada Bingo, Tele Senas e outras semelhantes modalidades de jogos de azar pudessem continuar a acrescer a fortuna de poucos e a reduzir a renda disponível e empobrecer milhões.

O que foi feito neste País para se transformar a exploração do jogo de azar?

A divulgação de resultados desses jogos, o uso dos Correios para encaminhar resultados e bilhetes, tudo isto proibido e considerado como contravenção, passou a ser uma atividade honesta, uma atividade tida como positiva e amparada na nossa legislação.

O que fizeram foi transferir para outra pessoa o poder que tinha o Presidente da República de fazer uma exceção de criminalidade, considerando que se esses jogos de azar fossem explorados pela Caixa Econômica Federal - neste caso e apenas neste caso - não seriam considerados contravenção e crime. Portanto, nenhuma autoridade no Brasil poderia conceder ao cidadão brasileiro o privilégio de explorar a loteria privada com qualquer uma de suas modalidades.

Atualmente, com as mudanças havidas, compete não ao Presidente da República, em caso excepcionalíssimo, mas a um simples Diretor da Susepe - Superintendência de Seguros Privados - MIC conceder o direito de explorar o que passou a ser considerado como uma sociedade de capitalização. As sociedades de capitalização entraram no Brasil em 1929 e a Companhia Sul-América de Seguros foi a que retirou essa instituição da França para reproduzi-la no Brasil.

O que hoje se faz é uma utilização completamente indevida dessa figura. Não se trata de se oferecer um prêmio para que se aumente a poupança coletiva e para que, além dos juros e da correção, se estimule o prêmio. Mas utiliza-se da figura da capitalização, criando uma companhia qualquer, pertencente ao mesmo grupo que explora a capitalização e a jogatina, para fazer circular livremente os bilhetes que são transportados e vendidos pelos Correios - antes proibidos de fazê-lo.

A menos exploradora e maléfica dessas modalidades de jogo é o jogo do bicho. Ali, ao contrário do que se passa em muitas instâncias deste País, vale o que está escrito.

Na Sena, a probabilidade de ganho é de um em dezesseis milhões; na Loto, a probabilidade é de um em doze milhões; na Raspadinha, é de um em cinco milhões; na Loteria Federal de um em oitenta mil; na Tele Sena, de um em cinquenta mil; no Papa Tudo de um em quarenta e sete mil e no Jogo do Bicho de um em dez mil.

Portanto, o Jogo do Bicho ainda é a modalidade em que o apostador é menos explorado e tem maior chance de recuperar a sua aplicação, de ter sorte.

Não quero me gabar do fato de ter sido o primeiro a ter a coragem de apresentar esse projeto. Tenho consciência muito clara de que qualquer Deputado ou Senador que apresentasse um projeto que pudesse atingir, por exemplo, a mais rentável de todas as empresas do Grupo Sílvio Santos e de outras empresas de televisões que já incorporaram essa modalidade e outras, como sorteio de carros, sofreria obviamente retaliações, seria discriminado por parte dessas empresas.

Portanto, quero deixar bem claro que se retaliações vierem, que recaiam sobre mim, porque esse projeto de lei é de minha autoria e de minha responsabilidade. Que acabem de me afastar da mídia, mas não misturem minha posição, a minha luta contra a jogatina com qualquer laivo partidário.

O meu projeto visava, de início, a desmontar toda legislação para recuperar proibições e vedações da legislação anterior, mas vi que seria impossível percorrer todos os caminhos de retorno à moralidade.

Assim sendo, meu projeto trata, simplesmente, de acrescentar o § 2º ao Decreto-Lei nº 261, de 28.02.1967, que assim fica redigido:

      As sociedades de capitalização não poderão realizar operações com títulos que possam ter características ou conotações de loterias privadas.

Um outro projeto, em sentido semelhante, é o que altera a Lei Zico, uma lei bem intencionada mas que foi, de acordo com o próprio testemunho do Ministro Pelé, desvirtuada em seus propósitos. Feita para auxiliar clubes e atividades esportivas, dedicando a eles parte da receita da exploração do bingo, na realidade, o que se verifica, como diz o Ministro Edson Arantes do Nascimento, é que as operadoras repassam às entidades desportivas pequenas parcelas do montante auferido, normalmente apenas um percentual entre 2% e 10%. Atuam como atravessadores que se utilizam dos clubes e entidades desportivas para burlar a legislação e ficar com a maior parte do lucro.

Portanto, nesta sociedade em que alguns segmentos de trabalhadores são chamados de "parasitas", o Governo não se preocupa com o combate aos verdadeiros "parasitas", aqueles que utilizam concessões de televisão para atormentar os ouvintes, enchendo e preenchendo horários intermináveis com propaganda de suas próprias loterias, que passaram a denominar de companhias de capitalização.

Portanto, espero que a indignação justa, a revolta sadia, a ira sagrada manifestada pelo ilustre Senador Pedro Simon, do Rio Grande do Sul, na semana passada, quando invectivou essas atividades espoliativas, exploradoras, das loterias, se propague pela consciência de grande número de Senadores e Deputados, a fim de que possamos erradicar essas loterias das mãos de particulares, mantendo o antigo monopólio da Caixa Econômica Federal na exploração de todas essas modalidades.

É óbvio que a Caixa Econômica Federal, embora também tenha criado grande número de "megassenas" e outras "multissenas", é uma entidade muito mais digna de nossa confiança e capaz de repassar, realmente, para entidades sociais parte de suas receitas e, com isso, impedir a jogatina pela jogatina, a jogatina como fonte de anestesiamento das consciências, a jogatina como fonte de anestesiamento da desesperança que invade a sociedade brasileira e que, infelizmente, está trazendo uma horda imensa de desesperados para se transformarem em apostadores desse ramo que, nas mãos de particulares, constitui grande iniqüidade, perversidade, grande problema para a sociedade brasileira.

Espero que meus dois projetos, tanto o que restringe as atividades semelhantes à Tele Sena e ao Papa Tudo como àquelas referentes aos bingos, aos sorteios telefônicos de carros, etc. recebam o referendum da consciência de meus Pares.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/11/1996 - Página 18174