Pronunciamento de Ademir Andrade em 06/11/1996
Discurso no Senado Federal
NECESSIDADE DA INCLUSÃO EM ORDEM DO DIA DO DIVERSOS 129, DE 1995, COM O OBJETIVO DE PROSSEGUIR O DEBATE E POSTERIOR DECISÃO DA QUESTÃO DA COMPRA IRREGULAR DA URUCUM MINERAÇÃO PELA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, COM A MAIOR BREVIDADE POSSIVEL.
- Autor
- Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
- Nome completo: Ademir Galvão Andrade
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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REGIMENTO INTERNO.:
- NECESSIDADE DA INCLUSÃO EM ORDEM DO DIA DO DIVERSOS 129, DE 1995, COM O OBJETIVO DE PROSSEGUIR O DEBATE E POSTERIOR DECISÃO DA QUESTÃO DA COMPRA IRREGULAR DA URUCUM MINERAÇÃO PELA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, COM A MAIOR BREVIDADE POSSIVEL.
- Publicação
- Publicação no DSF de 07/11/1996 - Página 18181
- Assunto
- Outros > REGIMENTO INTERNO.
- Indexação
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- APRESENTAÇÃO, PEDIDO, APRECIAÇÃO, PLENARIO, SENADO, PARECER, PROCEDENCIA, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), REFERENCIA, IRREGULARIDADE, OPERAÇÃO, AQUISIÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), AÇÕES, EMPRESA DE MINERAÇÃO, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS).
O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o objetivo deste pronunciamento é apresentar um pedido para que seja apreciada, pelo Plenário desta Casa, a matéria Diversos nº 129, de 1995, referente à Decisão nº 636/95, do Tribunal de Contas da União, que dá como irregular a compra, por parte da Companhia Vale do Rio Doce, das ações da Urucum Mineração S.A., ações essas que estavam em poder do Estado de Mato Grosso do Sul, da Companhia Mato-grossense de Mineração (Metamat), que pertence ao Estado de Mato Grosso, e da Construtora Alcino Vieira S.A.
O referido parecer do Tribunal de Contas da União sobre essa operação absolutamente ilegal - que, obviamente, é da maior gravidade - foi distribuído a duas Comissões desta Casa para ser analisado. Recebeu, de imediato, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania parecer do Senador Bernardo Cabral, favorável à declaração de nulidade da operação, por ferir ela dispositivo constitucional. Mas, apesar da gravidade dos fatos nela apreciados, a referida decisão encontra-se, inexplicavelmente, estacionada na Comissão de Fiscalização e Controle, sem que lhe tenha sido oferecido parecer.
O que estamos propondo é que a matéria seja trazida de imediato a este plenário. É inacreditável que tema de tal importância permaneça sem a avaliação do Senado Federal.
Como é do conhecimento dos Srs. Senadores, o inciso I do art. 172 do Regimento Interno faculta ao Senador requerer inclusão de qualquer matéria na Ordem do Dia, "se a única ou a última comissão a que estiver distribuída não proferir seu parecer no prazo regimental". Esse prazo, junto à Comissão de Fiscalização e Controle, segundo determina a alínea b do art. 118 é de 15 dias prorrogável por mais 15 dias, mediante comunicação do Presidente da Comissão à Mesa do Senado. Nova prorrogação, somente por deliberação do Plenário.
No caso da matéria em comento, esgotado o primeiro prazo, nenhuma das providências foi tomada. Por essa razão, estou encaminhando à deliberação do Senado, nos termos regimentais, requerimento destinado a incluir a matéria na Ordem do Dia, a fim de que prossiga o debate, que se decida a questão com a maior brevidade possível.
É de se estranhar, Sr. Presidente, que essa questão tenha ido para a Comissão de Fiscalização e Controle, haja vista que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania votou unanimemente pela ilegalidade da operação realizada pela Companhia Vale do Rio Doce.
A mencionada operação foi denunciada pelo Tribunal de Contas da União porque, para comprar ações de uma empresa, da qual, coincidentemente, era acionista, a Companhia Vale do Rio Doce apenas pediu licença ao Conselho de Coordenação e Controle de Estatais (CCE). Ocorre, porém, que o art. 37 da Constituição Federal determina, em seu inciso XX, que "depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participação delas em empresa privada".
Então, como vemos, antes de mais nada, a Companhia Vale do Rio Doce agiu de maneira esperta, a fim de driblar a lei. Os dirigentes da Companhia Vale do Rio Doce pediram autorização ao Conselho de Coordenação e Controle das Estatais, quando deveriam ter pedido autorização legislativa. Justamente por esse aspecto essencial - a ausência da autorização legislativa! - a operação precisa ser anulada pelo Senado Federal. Esse fato apenas demonstra mais uma vez a audácia dos burocratas brasileiros, que se julgam acima da lei.
Aliás, no seu parecer, o Senador Bernardo Cabral informa que a própria Companhia Vale do Rio Doce admite, no depoimento ao Tribunal de Contas da União, que era useira e vezeira em burlar esse dispositivo constitucional. Diz, textualmente, em seu parecer, o Senador Bernardo Cabral:
"Anteriormente, a CVRD constituíra outras empresas sem autorização legislativa, procedimento que fora questionado pelo TCU ao apreciar as contas da empresa relativas ao exercício de 1988, no Processo TC-007.902/89-1 (fl.4)."
Acontece que a simples anulação da compra das ações não esgota o assunto, porque, como já disse, trata-se de operação tremendamente nebulosa, marcada por incontáveis pontos obscuros, que precisam ser convenientemente esclarecidos.
A primeira pergunta que fazemos é: por que motivo a Companhia Vale do Rio Doce comprou a Urucum Mineração?
Ao tentar justificar a operação, diante da diligência determinada pelo Tribunal de Contas da União, a Companhia Vale do Rio Doce afirmou (fls.3):
"A Urucum Mineração S.A. produz e comercializa minério de manganês, ferro e outros, sendo que o minério de manganês é um bem estratégico para a siderurgia e, dessa forma, a linha de produtos da Companhia Vale do Rio Doce e da Urucum se complementam. Suas jazidas encontram-se ao longo da fronteira da Bolívia, onde o uso do minério, conjugado com o gás daquele país, possibilita a criação de indústrias siderúrgicas na região, sendo o Mercosul o mercado mais natural para a Urucum e onde também é grande o interesse da Companhia Vale do Rio Doce em aumentar a sua participação".
Nós provaremos essa grande mentira deslavada, logo a seguir no nosso pronunciamento, relativa à Companhia Vale do Rio Doce.
Em seguida, a Companhia Vale do Rio Doce informa que:
"adquiriu a totalidade das ações da sociedade, pretendendo posteriormente incorporá-la, alegando que esse procedimento foi imprescindível para preservar os interesses de seus acionistas, dentre os quais destacadamente a União".
Ocorre, porém, que, na verdade, a Companhia Vale do Rio Doce simplesmente comprou a Urucum Mineração para desativá-la, a fim de ser a detentora do monopólio do manganês que, evidentemente, o Governo Federal pretende, agora, passar ao capital multinacional. Repito: a Companhia Vale do Rio Doce adquiriu a totalidade das ações da Urucum com a finalidade de desativá-la. Agiu a Companhia Vale do Rio Doce, portanto, como os grandes conglomerados multinacionais que compram empresas com o único objetivo de fechá-las, o que significa reduzir a concorrência. Em suma, atuaram os dirigentes da Vale do Rio Doce como meros especuladores, sem de preocupar, por exemplo, com a manutenção dos empregos nas jazidas do Mato Grosso do Sul.
Peço a atenção dos Srs. Senadores para este ponto. A Companhia Vale do Rio Doce, além de cometer uma grave irregularidade, passou por cima da Constituição: adquiriu uma empresa apenas com o objetivo de desativá-la.
A manobra especulativa foi confirmada pelo Ex-Governador do Estado de Mato Grosso, Jayme Campos - em cuja administração efetuou-se a venda das ações da Companhia Vale do Rio Doce - , durante o depoimento, no dia 8 de novembro do ano passado, à CPI da Mineração. Disse o Ex-Governador Jayme Campos:
"Mato Grosso não é empresário, não tem interesse algum em minério que ali se encontra, que é explorado apenas para pagar as despesas da Urucum Mineração S/A, que se encontra em férias coletivas desde novembro deste ano a fevereiro de 1994. Nossos sócios, somadas suas ações, detém a maioria do capital da empresa e preferem mantê-la como reserva mineral, esperando o esgotamento de Carajás, no Pará, e Serra do Navio, no Amapá, além do esgotamento das reservas mundiais. Isso significa que Urucum é poupança, aplicação de dinheiro para um lucro programado para daqui a 50 ou 100 anos".
Na mesma oportunidade, em aparte, o Senador Júlio Campos reafirmava essa decisão da Companhia Vale do Rio Doce, narrando que durante a sua gestão como Governador do Estado do Mato Grosso encontrou-se por várias vezes com o então presidente da Companhia do Rio Doce, Eliezer Batista, que lhe falou da decisão de manter as minas da Urucum Mineração em Corumbá como reserva estratégica. Disse textualmente o Senador Júlio Campos:
"Cansei de ir ao Rio de Janeiro falar com o Presidente da Vale do Rio Doce, então o Eliezer Batista, e ele dizia: olha, não vou explorar Mineração Urucum, Júlio, porque lá é muito longe, o transporte é muito caro e eu tenho Carajás, tenho Amapá e, além disso, Urucum não tem mercado internacional".
Vejam que o Presidente da Vale do Rio Doce faz declarações exatamente no sentido contrário daquelas feitas junto ao Tribunal de Contas da União.
Como se vê, a Urucum Mineração foi comprada para ser usada como reserva para futura especulação. Não foi adquirida, como seria o ideal, para que suas reservas fossem exploradas a fim de gerar emprego e receita na região onde está situada.
Outro ponto altamente controvertido é o referente ao preço que a Companhia Vale do Rio Doce pagou pelo lote de ações que adquiriu. A totalidade das ações da Urucum Mineração foi avaliada em trinta milhões de dólares. Para se chegar a esse valor foram feitas três avaliações: uma por empresa indicada pela Companhia Vale do Rio Doce; outra por empresa contratada pelo Governo do Mato Grosso do Sul; e a terceira por empresa apontada pela Metamat. A empresa Consult, contratada pelo Governo de Mato Grosso do Sul, concluiu que o valor da Urucum seria de 30 milhões de dólares. A empresa Leasecorp, contratada pela Metamat, fixou em 27 milhões de dólares o valor da Urucum. Finalmente, a empresa contratada pela Companhia Vale do Rio Doce teria estipulado um valor de apenas 14 milhões de dólares.
Como se pode constatar nos documentos da CPI da Mineração, pairam dúvidas sobre a capacidade de uma dessas empresas. O Senador Romero Jucá, Relator da referida CPI, ao colher o depoimento do ex-Senador Pedro Pedrossian - Governador de Mato Grosso do Sul à época da negociação em Bolsa das ações da Urucum Mineração - disse sobre a contratação da empresa Consult: "Também questionou-se sobre a Consult, firma individual, sem tradições e sem condições de funcionamento, instalada na casa de um contador em Niterói".
Ainda sobre a avaliação, o relatório do Senador Bernardo Cabral diz o seguinte:
"A Companhia Vale do Rio Doce informou que o preço total das ações compradas foi de R$17.169.000,43, asseverando ter sido ele compatível com as condições de mercado (fls.4). Mas não demonstrou o valor patrimonial dessas ações, resultado da sua proporção no capital próprio ou da cotação em bolsa de valores mobiliários. O referido valor não se revela como bom negócio pelo mero fato de que teria sido inferior ao faturamento anual da Urucum (Fls. 8/9), eis que, em empresas produtivas, o faturamento costuma corresponder a várias vezes o seu capital próprio".
Uma outra crítica que se faz ao valor estimado das ações é que ele não contempla a grandeza das reservas da Urucum Mineração.
Mas isso não é tudo. Há um outro aspecto igualmente nebuloso: é o que se refere ao acordo que foi feito entre os Governos de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul para a divisão das ações da Urucum Mineração, empresa criada em 1976 - portanto, quando ainda não havia sido feita a divisão do Mato Grosso em dois Estados.
Ao surgir, a Urucum Mineração S.A teve seu capital dividido em três partes iguais, de 33,33%, distribuídas entre a Companhia Vale do Rio Doce, Companhia Mato-Grossense de Mineração - Metamat e o Grupo Alcindo Vieira. Em 1982, por força de protocolo entre os acionistas, estabeleceu-se nova estrutura de capital, após reavaliação das jazidas que foram incorporadas. A composição acionária passou a ser a seguinte: Companhia Vale do Rio Doce, 46,66%; Estado de Mato Grosso, através da Metamat, 46,66%; e a Construtora Alcindo Vieira, 6,66%.
Acontece que, com o desmembramento do Estado, o Governo do Estado do Mato Grosso do Sul, em cujo território estavam as jazidas da Urucum Mineração, iniciou demanda judicial contra Mato Grosso pela posse das ações. O assunto foi parar no Supremo Tribunal Federal. Antes, porém, que a demanda fosse julgada, os Governos dos dois Estados firmaram um acordo pelo qual Mato Grosso do Sul teria direito a 40% das ações da Metamat. Esse polêmico acordo, firmado pouco antes da venda das ações da Urucum, foi justamente o ponto central dos depoimentos dos ex-Governadores de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul. Os membros da CPI ficaram intrigados com o fato de o Governador de Mato Grosso do Sul ter aceitado apenas 40% das ações, quando certamente ganharia causa no Supremo, ficando com a totalidades delas, já que a Urucum Mineração tinha sede em seu território.
Para completar o quadro de obscuridades, contradições e incoerências a que me referi no início, as ações da Urucum Mineração pertencentes aos dois Estados foram vendidas ao mesmo tempo. É no mínimo estranho que mal acertada fora dos tribunais uma solução para a demanda, os dois Governos tenham negociado simultaneamente suas ações.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou certo de que o Senado vai passar esse assunto a limpo. O que temos a fazer, de pronto, é anular a transação irregular. Em seguida, temos que buscar explicações para tantos fatos insólitos.
A pergunta que me faço com mais insistência é: teria a compra da Urucum Mineração alguma coisa a ver com a possibilidade de privatização da Companhia Vale do Rio Doce? Creio que já se falava na hipótese de privatização da Vale quando da venda das ações. Perguntas como essa não podem ficar sem respostas.
Ao concluir, peço aos Srs. Senadores que não deixem passar em branco a afronta que foi feita a este Congresso Nacional pelos burocratas da Companhia Vale do Rio Doce, que tentaram driblar a Constituição brasileira. Atitudes irregulares como essa precisam de um corretivo imediato e incisivo deste Poder.
Por isso peço o apoio de todos os Srs. Senadores para que o tema venha ao plenário desta Casa.
Quero finalizar, Sr. Presidente, apresentando um requerimento para que o decreto legislativo - aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal por unanimidade - que anula a operação de compra pela Companhia Vale do Rio Doce da Mineração Urucum, do Estado de Mato Grosso seja apreciado pelo Plenário.
Inexplicavelmente, o processo foi para a Comissão de Fiscalização e Controle da Casa. Não havia a menor necessidade de ir para lá, porque a operação é absolutamente irregular. Há uma decisão do Tribunal de Contas sobre a matéria, e a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania comprovou a irregularidade da compra.
Caberia, portanto, ao Senado Federal anular, de pronto, essa operação, e não mandar o processo para a Comissão de Fiscalização e Controle, onde permanece, como se diz muito comumente, "na geladeira". Queremos que se dê imediatamente a votação e esperamos que a decisão do Senado seja no sentido de anular a operação irregular, ilegal, feita pela Companhia Vale do Rio Doce.
Estamos apresentando um requerimento para que essa matéria, cujo parecer do Senador Bernardo Cabral já foi aprovado, venha a ser votada no plenário do Senado Federal.
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.