Discurso no Senado Federal

DEFENDENDO A DESVINCULAÇÃO DOS INSTITUTOS DE MEDICINA LEGAL DA POLICIA CIVIL.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • DEFENDENDO A DESVINCULAÇÃO DOS INSTITUTOS DE MEDICINA LEGAL DA POLICIA CIVIL.
Aparteantes
Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/1996 - Página 18358
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • OPOSIÇÃO, SUBORDINAÇÃO, INSTITUTO DE MEDICINA LEGAL (IML), POLICIA CIVIL, MOTIVO, NECESSIDADE, AUTONOMIA ADMINISTRATIVA, AUTONOMIA FINANCEIRA, INDEPENDENCIA, EXERCICIO, COMPETENCIA.
  • REGISTRO, OPÇÃO, VINCULAÇÃO ADMINISTRATIVA, INSTITUTO DE MEDICINA LEGAL (IML), UNIVERSIDADE, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), TRANSFORMAÇÃO, AUTARQUIA.
  • ANALISE, PRECARIEDADE, ORGÃO PUBLICO, PERICIA, SOLICITAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), URGENCIA, REMESSA, PROPOSTA, PROJETO DE LEI.

O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, parece que nós, brasileiros, possuímos mesmo o hábito reformista, sobretudo no tocante a constituições e códigos, com a contradição de mantermos, indefinidamente, equívocos e erros, mesmo quando apontados de forma reiterada e com geral concordância da sociedade.

Dessa forma, permanecem em nossa legislação disposições condenáveis, prologando-se por tempo indeterminado, mantendo-se o statu quo que, incansavelmente, é denunciado por seus maus frutos. É o que se dá, por exemplo, com a existência e o funcionamento dos institutos de Medicina Legal.

Com apoio dos entendidos no assunto, o Deputado Estadual cearense, que também é médico, Mário Mamede, adverte e lastima, em entrevista ao jornal O Globo, que Brasil, Gana, África do Sul e Tailândia dêem tratamento comum aos seus organismos de perícia criminal.

O mesmo parlamentar nota que "somente em países de Terceiro Mundo e nas ditaduras a perícia é trazida para debaixo do aparelho policial", dando à polícia "poderes para exercer o direito sobre a vida e a morte do cidadão".

Para não se ir muito longe, desde a década de 50 assistimos a repetidas tentativas de melhor enfocar o problema, que envolve, entre nós, a subordinação do Instituto Médico Legal à polícia. Nereu Ramos e Juscelino Kubitschek, quando presidentes, assinaram decretos dispondo sobre esse órgão.

Nas duas Casas do Congresso, após a redemocratização de 46, numerosos foram e continuam sendo os pronunciamentos reclamando reexame da questão. Alguns projetos de lei foram apresentados, um ou outro rejeitado, os demais morrendo ao término de cada legislatura ou lançados ao arquivo.

Professores, legistas, universidades, a Sociedade Brasileira de Médicos Legistas e parlamentares de todas as bancadas têm reclamado urgente desvinculação do Institutos de Medicina Legal da polícia, realçado a necessidade de que adquiram autonomia administrativa e financeira, a fim de que possam cumprir suas finalidades.

Existe, em torno do problema, quase unanimidade quanto à necessidade de sua reformulação. Em novembro do ano passado, o Ministro Nelson Jobim, concordando com esse ponto de vista, anunciava pela imprensa o envio ao Congresso de proposta extinguindo a subordinação dos IMLs à polícia civil.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a única divergência em relação ao assunto que me traz à tribuna hoje reside na forma pela qual se pretende solucionar o problema: alguns pleiteiam a absorção dos IMLs pelas universidades, outros pretendem vinculá-los ao Ministério da Justiça, havendo ainda os que querem transformá-los em autarquia.

O Sr. Romeu Tuma - V. Exª me concede um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Romeu Tuma - Senador Valmir Campelo, considero oportuna e importante esse tema que V. Exª traz para a discussão em plenário. Já mantivemos, em outra oportunidade, um embate respeitoso e amigo sobre as perícias efetuadas nas estradas federais pela Polícia Rodoviária Federal. V. Exª conseguiu fazer vingar a emenda que propôs ao projeto dos crimes no trânsito. Esse é um problema delicado, Senador. Em relação à morte de PC Farias em Alagoas, tivemos a oportunidade de observar as discordâncias, as disputas que se estabeleceram entre os vários legistas e, principalmente, a falta de meios dos institutos médicos legais. Esses institutos produzem os laudos que, em última análise, auxiliam a Justiça a proferir uma decisão sábia, e, se não há recursos para a elaboração de perícias minuciosas, há a perda de credibilidade dos serviços médicos legais e periciais. Participei recentemente, durante a triste queda do avião da TAM, de uma reunião da Interpol na Turquia. Lá se discutiu a criação de corpos especializados de legistas e peritos para a identificação de cadáveres no caso de catástrofes ou ocorrências graves em que não se consegue fazer uma identificação normal do ser humano. Hoje, a autoridade policial, no que diz respeito aos inquéritos, à ação penal, ainda prescinde de uma atividade de perícia, de polícia científica séria. O tempo da tortura, o tempo de se conseguir as confissões através de métodos espúrios já acabou. Não há razão para isso sobreviver nem em pensamento. Penso que é importante o fato de V. Exª trazer à discussão a necessidade da criação de um novo quadro da perícia no sistema médico legal. Discordo de V. Exª quando se refere à necessidade de se criar um sistema próprio. O Estado está-se desligando de várias estruturas e atividades funcionais. Os assuntos têm que ser coincidentes e é preciso respeitar a autoridade para que ela possa, por exemplo, ao comandar uma apuração, entregar à Justiça dados, para que o juiz possa realmente condenar o responsável e o Ministério Público possa oferecer subsídios. Acho que o assunto é importante. Vamos discuti-lo. Vou procurar V. Exª e mostrar-lhe o que senti durante os meus quarenta anos de atividade policial e como vejo a perícia e a sua importância na estrutura atual de apurações criminais. Muito obrigado pelo aparte.

O SR. VALMIR CAMPELO - Eu é que agradeço a V. Exª pela sua colaboração. Esse assunto realmente está vindo a debate porque sentimos essa necessidade. Em meu pronunciamento, também cito o caso de Alagoas. V. Exª talvez seja, sem nenhum elogio fácil, um dos homens que mais entendam de segurança pública, e também um homem respeitável e que continua dando a sua colaboração ao Congresso Nacional, particularmente ao Senado Federal nesta área.

Tenho absoluta certeza, eminente Senador Romeu Tuma, de que, na elaboração de um novo organismo ou mesmo de um organismo vinculado à Polícia Federal, ao Ministério da Justiça como órgão normativo, o que precisamos é que os IMLs sejam órgãos executivos que contem com dotação própria, dada pelo Governo, para poderem realmente funcionar.

Mais adiante no meu discurso, cito um caso em que houve troca de cadáveres, em Brasília, pela dificuldade de se realizar os trabalhos de autópsia.

O Sr. Romeu Tuma  - Senador Valmir Campelo, em relação à morte de PC Farias, considerando a péssima situação financeira em que se encontram os Estados brasileiros, penso que o Governo Federal deveria provê-los, no mínimo, de um instituto médico legal, em que a perícia pudesse realizar um trabalho rotineiro, normal. Entretanto, nem isso existe em alguns Estados.

O SR. VALMIR CAMPELO - Muito obrigado a V. Exª pela colaboração que, mais uma vez, presta a esta Casa e ao nosso País.

Continuo o meu discurso, Sr. Presidente.

Mas, mesmo em seus escassos pontos polêmicos, a melhor escolha é fácil desde que as autoridades de todos os níveis deixem de lado o interesse menor de manter submissos os institutos, cujo bom funcionamento depende da independência e autonomia econômico-financeira, única forma de os recursos que lhes são destinados não serem desviados, como hoje se dá em alguns casos.

Basta ter em vista a importância indiscutível dos laudos técnicos para a boa prática da justiça, bem como para a eficiência do trabalho policial, e nenhuma dúvida restará sobre a urgência de profunda mudança na legislação vigente. Não podemos permanecer situados entre ditaduras ou países por demais atrasados no que tange a questão de tão claro significado para o império da lei e da justiça.

"Os organismos de perícia e de medicina legal estão sucateados. O dinheiro dos orçamentos é direcionado para equipar o aparelho policial e não para modernizar a investigação científica" - diz a reportagem de O Globo -, o que acarreta evidentes e profundas repercussões na atividade policial e judiciária. Ainda recentemente, exibiu-se à Nação inteira essa falência, na investigação sobre a morte de Paulo César Farias - algo sobre o que o Senador Romeu Tuma acabou de se manifestar.

Por outro lado, todos os dias a imprensa nos traz notícias de violências e abusos policiais, bem como de erros e falhas os mais diversos: maus tratos e torturas em delegacias; denúncias de pressão sobre peritos e legistas para ocultar provas ou para forjá-las. Enfim, abundantes e cotidianos protestos contra fatos que depõem gravemente contra a boa imagem do País, interna e externamente. O mesmo ocorre nesta tribuna e na da Câmara dos Deputados, onde é incessante o clamor contra o arbítrio e a violência.

Permitir a perpetuação desse estado de coisas significa menosprezo à pessoa humana, aos direitos consagrados no texto constitucional de nosso País, além de estimular graves injustiças e constituir empecilho à boa investigação de toda sorte de crimes.

Há poucos dias, precisamente no dia 24 de outubro, o Correio Braziliense publicou reportagem sobre troca de cadáveres ocorrida no Instituto Médico Legal de Brasília: duas pessoas foram mortas, atropeladas por um caminhão. Aos parentes de uma, residente em Brasília, foi entregue, em caixão lacrado, um corpo, em seguida sepultado.

Um ou dois dias depois, o irmão da segunda vítima, vindo de Parnaíba, Piauí, para levar o finado a ser sepultado em sua terra natal, recusava o corpo que lhe davam, por não ser o de seu irmão. Este fora entregue à família do outro e aqui sepultado!

Isso para não falar do arbítrio, violência, torturas e toda uma vasta gama de abusos praticados por alguns maus policiais. Quase não há dia em que a imprensa escrita e a televisão não nos apontem novas ocorrências dessa natureza.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faço um apelo ao Ministro da Justiça, Nelson Jobim, para que nos envie logo a proposta que anunciou visando à solução adequada e definitiva desse problema, de tão grande significado político e social. Ou que, caso não a tenha ainda elaborado, crie uma comissão especial para estudar o assunto, da qual participem todos os interessados: médicos legistas, advogados, juízes, parlamentares, peritos, todos, enfim, que lidam com matéria tão importante.

Não nos esqueçamos que os Institutos de Medicina Legal são órgãos auxiliares da Justiça e sua competência abrange as perícias policiais propriamente ditas, as perícias judiciárias e as investigações científicas relativas à Medicina Legal, ultrapassando, em muito, os limites das funções de segurança pública.

Em questão de tão grande importância para a população, o bom exercício das atividades de justiça e polícia é primordial. E para que se atinja, senão a perfeição, pelo menos a melhoria do funcionamento dos Institutos de Medicina Legal, é preciso que deles se tire qualquer sombra de suspeição, e isso só será possível quando estiverem desvinculados da Polícia Civil.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/1996 - Página 18358