Discurso no Senado Federal

COMENTANDO ARTIGO DO JORNAL O GLOBO, DE 3 DO CORRENTE, INTITULADO 'MAIS DE 120 MIL ALUNOS NAS ESCOLAS PIRATAS DO RIO'.

Autor
Odacir Soares (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • COMENTANDO ARTIGO DO JORNAL O GLOBO, DE 3 DO CORRENTE, INTITULADO 'MAIS DE 120 MIL ALUNOS NAS ESCOLAS PIRATAS DO RIO'.
Publicação
Publicação no DSF de 19/11/1996 - Página 18500
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, DENUNCIA, ATIVIDADE CLANDESTINA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PREJUIZO, QUALIDADE, ENSINO, ESTUDANTE, FUTURO, DEFICIENCIA, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, SOCIEDADE, BRASIL.

           O SR. ODACIR SOARES (PFL-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quem já se beneficiou do privilégio de conhecer o sistema educacional deste ou daquele país altamente civilizado ou quem, algum dia, teve a ventura de fazer um curso em instituição de ensino, estrangeira ou mesmo nacional, de alto nível qualitativo, há de sentir-se perplexo e profundamente entristecido, quando toma conhecimento de certos episódios deprimentes que soem ocorrer em nosso precário sistema educacional.

           Amostra paradigmática do surrealismo reinante nos desvãos desse sistema é-nos oferecida pela matéria que ganhou, em O Globo, de 3 do corrente, o título assim estampado:

"MAIS DE 120 MIL ALUNOS NAS ESCOLAS PIRATAS DO RIO"

           Atentem bem, V. Exªs, para a desconcertante expressão "escolas piratas".

           Ver associado o designativo pirata a escola, a alunos ou ao processo educacional é algo tão inusitado, tão constrangedor e, sobretudo, tão incompatível com a dignidade da educação, que custa-nos admitir tratar-se de fenômeno corriqueiro no cenário educacional brasileiro.

           E para os que ainda não se deram conta do inteiro teor das marginalidades e contradições abrigadas nesse designativo, bom é que recorram à repórter de O Globo, pois em sua matéria assim se descreve o fenômeno:

"Escondidas atrás da falta de documentação necessária e da fiscalização precária do poder público, escolas de Primeiro e Segundo Graus acolhem em seus bancos pelo menos 120 mil alunos. Elas são chamadas de clandestinas, irregulares, piratas ou de "fundo de quintal". Podem funcionar em instalações modestas na Baixada Fluminense, Zonas Oeste e Norte ou em prédios modernos da Zona Sul. Estima-se que elas formem um grupo que ultrapassa a casa das mil unidades. Este ensino paralelo sonega impostos e dribla a inspeção do Estado e do Município. E os alunos correm um grande risco: ao fim do Segundo Grau, seus certificados não têm validade.

Proprietários dessas escolas argumentam que a demora na regularização é motivada pela burocracia impostas pelas secretarias. Os donos das escolas regulares criticam a concorrência que, na maioria dos casos, chega a oferecer uma mensalidade pela metade do valor que eles cobram. Na outra ponta, os pais de alunos justificam essa opção pela falta de vagas na rede pública."

           Esta contrafação de escola e do produto educativo que ela deveria oferecer, fielmente retratada na matéria jornalística que acabo de citar, dispensa maiores comentários.

           Os absurdos nela desvendados falam por si só e forçam-nos a remexer as incuráveis chagas de nosso ensino. Eles levam-nos, sobretudo, a nos interrogar:

           - De quem é a responsabilidade?

           - Que antídotos aplicar para saná-los de vez?

           É inquestionável, Sr. Presidente, que a responsabilidade pela persistência dessas deploráveis aberrações cabe em primeiro lugar aos órgãos responsáveis pela coordenação e gestão do sistema de ensino, no plano federal, no estadual e no municipal.

           Destas, a primeira responsabilidade, até hoje insatisfatoriamente cumprida, é a de prover as áreas de sua jurisdição, com escolas qualitativamente suficientes para atender à demanda educacional de todas as crianças e adolescentes em idade de escolarização.

           Onde a escola pública reúne qualidade pedagógica e capacidade física de atendimento à demanda educacional, não há lugar para escolas piratas, escolas de fundo de quintal nem escolas clandestinas.

           Grande dose de responsabilidade deve, também, ser atribuída aos políticos e homens públicos deste país, de forma generalizada, visto como ainda não souberam urgir com a devida competência, medidas que contemplem a solução do problema educacional brasileiro, com a prioridade que lhe cabe, e que lhe vem sendo negada, desde os primórdios do Brasil colônia.

           Pelo contrário, pressionados pela demanda crescente, quase tudo o que temos feito, nesta matéria, é a oferta da solução de emergência, configurada, quase sempre, na escola tapa-buraco ou no arremedo de escola, por sua vez operada por arremedos de professores e gestores, assim como providas de equipamentos que não passam de tapa-buracos.

           Responsabilidades cabem, também, à sociedade brasileira, cuja consciência extremamente rarefeita dos cuidados que deviam cercar a educação das futuras gerações permitiu que nela se internalizasse a cultura do provisório e do mais ou menos.

           É o que se poderia, em suma, denominar de cultura do conformismo com o atendimento mínimo aos direitos e às necessidades da população.

           Daí por que, mínimo é o salário do trabalhador, mínimo é o conforto e o espaço proporcionados pela casa popular, mínimo é o valor calórico da cesta básica, mínimas são as condições higiênicas observadas nos hospitais que cuidam da saúde do povo, mínima é a qualidade da escola e, conseqüentemente, da educação que oferecemos aos brasileiros de amanhã.

           Quanto aos antídotos de que poderíamos lançar mão para a cura definitiva dessas vergonhosas chagas que a todos nos enfeiam e corroem, limitar-me-ia a propor apenas dois:

           1º - Que o tempo que nossas autoridades consomem tentando tabelar os preços das escolas particulares fosse consumido na busca criativa e incansável de melhores padrões para a escola pública, acessível a todos.

           Tal providência eliminaria, a um só tempo, dois problemas:

           - o das aperturas de famílias que não podem arcar com os custos da escola particular, dispensável, de resto, onde existem boas escolas públicas;

           - o da proliferação de escolas de "fundo de quintal" que só prosperam quando e onde se mostram ausentes duas competências fundamentais do Poder Público: a competência para fiscalizar os agentes da contrafação da escola e a competência para exercer, a contento, a gestão do sistema público de ensino.

           2º - Que o governo aprimore e intensifique a fiscalização das normas de ensino que lhe cabe fazer rigorosamente cumpridas.

           Há quem atribua a excelente qualidade do ensino público da França, em grande parte, à competência e ao rigor de seus inspetores escolares.

           Se tivéssemos inspetores de ensino (hoje chamados "técnicos em assuntos educacionais"), em número suficiente, a fiscalizar o cumprimento rigoroso das exigentes normas que dizem respeito ao funcionamento das escolas, decididamente, não vingariam as assim chamadas "escolas de fundo de quintal".

           Até porque, nessas condições, nem chegariam a abrir suas portas, escolas que não evidenciassem real capacidade financeira de funcionamento em níveis aceitáveis, ou que não pudessem iniciar seus trabalhos em prédio próprio e adequado às suas elevadas finalidades.

           Isso não se fazendo, Sr. Presidente, temo que tenhamos mesmo de nos conformar com a escola mínima, isto é: a escola que não forma, deforma; a escola que não eleva, antes consolida e eterniza a mediocridade, que não deve caracterizar as futuras gerações de brasileiros.

É o que penso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/11/1996 - Página 18500