Discurso no Senado Federal

EXALTANDO OS ESFORÇOS DA REGIÃO NORDESTE PARA ALCANÇAR O DESENVOLVIMENTO.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • EXALTANDO OS ESFORÇOS DA REGIÃO NORDESTE PARA ALCANÇAR O DESENVOLVIMENTO.
Publicação
Publicação no DSF de 19/11/1996 - Página 18482
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, HISTORIA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, REGIÃO NORDESTE, COMPARAÇÃO, BRASIL, NECESSIDADE, AVALIAÇÃO, DIVERSIDADE, REGIÃO, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já discursei anteriormente, inspirado num estudo da Sudene, sobre o esforço que o Nordeste faz em busca do seu desenvolvimento, citando dados estatísticos que comprovam tal assertiva.

Pareceu-me claro que os recursos destinados à Região do Nordeste, sejam públicos ou privados, têm sido muito bem aproveitados, deles resultando grandes benefícios para todo o País.

Referi-me, inclusive, ao crescimento do Maranhão, com taxas superiores às alcançadas pelo Nordeste, como um todo, e às do Brasil, especialmente no período de 1990 a 1995. Esse crescimento, no entanto, não impediu que a renda per capita do meu Estado, em valores de 1994, tenha sido uma das mais baixas do País. Afirmam os cientistas sociais que o fato, aparentemente contraditório, explica-se pela má distribuição de terras e pela forte taxa de natalidade que ainda pesa sobre a região.

Hoje, abordo uma nova vertente da saga nordestina, procurando demonstrar as contradições que caracterizam o Nordeste brasileiro.

Passados cinqüenta anos da primeira edição de Geografia da Fome, um dos melhores estudos feito pelo eminente e saudoso médico, sociólogo, embaixador e ex-Deputado Federal pernambucano, Josué de Castro, a "Questão Nordestina" continua a ocupar lugar de destaque entre os debates mais importantes sobre o futuro do Brasil.

Geografia da Fome, da mesma maneira que Os Sertões de Euclides da Cunha, retratou de maneira crua a saga e o sofrimento do povo nordestino e inspirou também a obra de muitos artistas consagrados. Assim, não é por acaso que as gravuras geniais do pintor e escultor pernambucano Abelardo da Hora mostram o "ciclo do caranguejo" nos mangues e nos lamaçais das marés recifenses, e os famosos painéis de Cândido Portinari expõem os corpos esquálidos dos retirantes nordestinos, esmolambados e cambaleantes, acompanhados de suas proles numerosas, atravessando as terras secas e lascadas, castigadas pelo sol, em direção do "Eldorado" no então longínquo São Paulo.

Por incrível que pareça, noventa e quatro anos depois do aparecimento de Os Sertões e cinqüenta anos depois de Geografia da Fome, a paisagem social nordestina não se alterou significativamente. Talvez possamos até dizer que piorou e que as contradições sociais se tornaram mais amargas, mais agudas e mais chocantes. As relações sociais paternalistas que caracterizavam as sociedades das duas épocas começavam e terminavam no "terreiro" da fazenda do Coronel. Hoje, elas começam e terminam com o capital na sua forma mais avançada, mais impessoal, mais individualista, mais excludente e mais globalizada. As classes sociais no Nordeste de ontem conviviam mais ou menos no mesmo século. Os "senhores" e os "servos" se diferenciavam profundamente em termos econômicos, políticos, sociais e de poder, mas não tanto em termos das concepções da vida cotidiana. De qualquer maneira, a Senzala não ficava muito longe da Casa Grande e o terreiro da fazenda do Coronel estava presente em toda a existência do camponês. Em contrapartida, hoje, são as poderosas forças de mercado, difíceis de serem identificadas e percebidas, mas sempre presentes, que ditam as regas do jogo. Existe realmente um "dualismo nordestino" onde o século XXI reproduz perfeitamente o seu dinamismo e a sua sofisticação, convivendo de maneira esquisita com o século XIX, que continua vivo em todo o Nordeste e funciona muito bem.

Não nos podemos esquecer de que, ao lado das figuras místicas de Padre Cícero, que permanece vivo na alma do povo nordestino, e de Frei Damião, que arrasta multidões, dos códigos de honra, das crenças, dos supostos milagres e dos "paus-de-arara" que ainda cruzam as precárias estradas levando camponeses para as feiras, romeiros para as festas santas e trabalhadores bóias-frias para as plantações, existem os mais sofisticados centros de pesquisas científicas e Universidades altamente avançadas em desenvolvimento de tecnologias de última geração, que formam a matriz mais crepitante da terceira revolução industrial. O século XXI também está presente na arquitetura de vanguarda dos grandes centros urbanos, disputando espaço com a miséria gritante, com os mocambos, barracos e favelas, com o analfabetismo, com a promiscuidade, com a violência, com a tristeza da prostituição de crianças, com as doenças endêmicas, com as altas taxas de mortalidade infantil e com os comedores de detritos, os chamados "homens gabirus" que vivem da sobra social e do lixo das cidades.

Devemos reconhecer que, ao longo das últimas décadas, o dinamismo da economia nordestina não foi capaz de superar o crescimento dos níveis de miséria. A famosa teoria de deixar o bolo crescer para distribuir depois, além de aumentar o percentual de concentração de renda nos bolsos da minoria rica, agravou ainda mais as condições de vida da grande maioria do povo nordestino.

Fontes pesquisadas e citadas pela imprensa brasileira mostram que o desempenho econômico do Nordeste, com suas taxas de crescimento do Produto Interno Bruto, abrangendo um longo período de 25 anos, entre l970 e 1995, foi superior ao alcançado pela economia brasileira. Enquanto o Nordeste cresceu a uma taxa média de 5,8 por cento, o Brasil apresentou um crescimento da ordem de 4,6 por cento.

Estudo do economista Álvaro Zini Junior, Professor da Faculdade de Economia e Administração -- FEA, da Universidade de São Paulo -- USP, sobre a evolução da renda per capita dos Estados brasileiros, cobrindo o período entre 1939 a 1994, e que foi analisado no recente Seminário realizado na Bahia sobre: A Reforma do Estado e o Desenvolvimento do Nordeste na Economia Globalizada, apresenta as seguintes conclusões:

Entre 1939 e 1994, a renda per capita brasileira cresceu a uma taxa média de 5,4 por cento. Ao mesmo tempo, a renda do Norte do País, incluindo apenas os Estados do Amazonas e Pará, cresceu a uma taxa de 5,2 por cento. A do Nordeste teve um desempenho de 5,5 por cento; a do Sudeste, 5,0 por cento; a do Sul, 5,6 por cento; e a do Centro-Oeste, 7,6 por cento. É importante observar que o desempenho do Nordeste pode ser considerado como razoável, porque a sua renda per capita cresceu mais do que a média brasileira e do que a da região Sudeste que é a mais desenvolvida do País. Em relação ao Sul e ao Centro-Oeste, devemos levar em conta que houve, nos últimos 40 anos, uma verdadeira explosão econômica nessas regiões. Mato Grosso e Goiás mudaram completamente o seu perfil econômico com a inauguração de Brasília e, conseqüentemente, com o alargamento da fronteira agrícola e com a ocupação dos espaços vazios em terras de alta qualidade. No caso do Paraná, o aparecimento da soja como um dos principais itens da balança comercial brasileira e da pauta de exportações, provocou um verdadeiro salto econômico no início dos anos 70.

Agora, fazendo uma comparação entre o desempenho dos Estados nordestinos e os outros Estados brasileiros, temos as seguintes conclusões: considerando o mesmo período de 1939 a 1994, o crescimento médio da renda per capita do Maranhão foi de 4,4 por cento; do Piauí, 3,3 por cento; do Ceará, 5,4 por cento; do Rio Grande do Norte, 7,3 por cento; da Paraíba, 5,0 por cento; de Pernambuco, 4,2 por cento; de Alagoas, 6,2 por cento; de Sergipe, 7,2 por cento; e da Bahia, 6,9 por cento. Ao mesmo tempo, no Amazonas, o crescimento foi de 4,9 por cento; no Pará, 5,3 por cento; em Minas Gerais, 8,0 por cento; no Espírito Santo, 7,8 por cento; no Rio de Janeiro, 3,3 por cento; São Paulo, 4,5 por cento; Paraná, 6,4 por cento; Santa Catarina, 7,4 por cento; Rio Grande do Sul, 5,0 por cento; Mato Grosso, 5,1 por cento; e Goiás, 6,3 por cento.

Em termos de valores em reais, a renda per capita nordestina sempre esteve muito abaixo tanto da média nacional quanto da renda de todos os outros Estados. Os valores de 1939 e de 1994 mostram que essas afirmações são verdadeiras. Ao que tudo indica, as altas taxas de crescimento demográfico na região Nordeste, bem maiores do que no resto do Brasil, e a forte concentração da propriedade são em grande parte responsáveis pelo seu empobrecimento em relação aos outros Estados. Assim, no que se refere ao incremento demográfico, ele tem anulado constantemente os ganhos de crescimento do seu PIB, que têm sido significativos, e como já vimos, maiores do que as próprias taxas alcançadas pelo País nos últimos 25 anos. É verdade que o PIB nordestino cresceu de 15,5 bilhões de dólares, em 1960, para um valor projetado de 115 bilhões de dólares em 1996, mas esse ganho foi sempre consumido pelos fatores acima apontados. Complementando, é importante saber que a renda per capita do Brasil era de R$ 721,00 em 1939, enquanto a do Nordeste ficava em R$ 343,70; a do Norte (Amazonas e Pará), R$ 533,10; a do Sudeste, R$ 1.019,30; a do Sul, R$ 813,00; e a do Centro-Oeste, R$ 511,20. Para valores de 1994, o Brasil tinha R$ 3.872,90; o Norte, R$ 2.784,5; o Sudeste, R$ 5.140,90; o Sul, R$ 4.559,90; o Centro-Oeste, R$ 3.906,70; e o Nordeste, apenas R$ 1.882,60. O Piauí e o Maranhão aparecem com a renda per capita mais baixa do Brasil. O primeiro, com apenas R$ 1.053,30, e o segundo, com R$ 1.330,70. Vale ressaltar que, em 1939, o Piauí ocupava a quarta posição em matéria de renda per capita na região. O estudo sugere que a má distribuição da terra é a causa principal do atraso do Maranhão e do Piauí e, persistindo tal situação, dificilmente os dois Estados conseguiriam melhorar suas condições. A maior renda per capita do Nordeste, em 1994, a do Estado de Sergipe, com R$ 2.468,00, era menor do que a menor renda per capita do resto do Brasil. Essa diferença entre a riqueza do resto do Brasil e o empobrecimento do Nordeste parece indicar que existe realmente uma estreita correlação entre a forte taxa de natalidade que ainda predomina na região e a anulação de ganhos com a acumulação de capital.

O estudo evidencia também um dado importante e que deve ser levado em consideração em qualquer política de desenvolvimento regional. Em primeiro lugar, as diferenças e as peculiaridades existentes entre os próprios Estados nordestinos e, em segundo lugar, as diferenças e as prioridades que devem também ser levadas em consideração entre o Nordeste e o resto do Brasil.

Recentemente, o Banco Mundial publicou estudo sobre a pobreza no Brasil e constatou que os desníveis sócio-econômicos entre o Nordeste e o Centro-Sul, por exemplo, tenderão a se agravar caso não sejam tomadas providências de médio prazo para diminuir os índices de concentração da renda regional e familiar e se não forem aplicados recursos importantes em programas sociais e em educação básica. Aliás, o Estado de Minas Gerais conseguiu elevar sua renda per capita oito vezes, passando de R$ 447,20 em 1939 para R$ 3.572,10 em 1994, basicamente investindo em educação.

Na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios -- PNAD, com dados colhidos em setembro de 1993, publicada recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -- IBGE, a taxa de analfabetismo das crianças de 10 a 14 anos declinou, no Brasil, em oito pontos percentuais em relação a 1983, situando-se em 11,4 por cento. Enquanto isso, no Nordeste, o indicador alcançou 26,7 pontos percentuais. A taxa de analfabetismo do Brasil atingiu 16 por cento e a do Brasil, sem o Nordeste, chegou a 10 por cento. Ao mesmo tempo, a taxa do Nordeste como um todo chegou aos 33 por cento. No Brasil, 75,8 por cento das residências têm geladeira e, no Nordeste, apenas 53,1 por cento. Em relação a equipamentos como máquina de lavar roupa, 24,3 por cento dos domicílios nacionais funcionam com essas máquinas, enquanto, no Nordeste, apenas 4,3 por cento. São 19,8 por cento de casas com telefone e, no Nordeste, apenas 9,7 por cento. Contra a média nacional de 58,7 por cento dos domicílios ligados a redes de esgotos ou fossas assépticas, o nordestino fica com 30,2 por cento. A mesma fonte revela que foram encontradas no País 6.971.532 pessoas que trabalhavam sem ter contrapartida monetária. O mais curioso é que, desse total, 3.210.839 pessoas moravam no Nordeste.

O Nordeste brasileiro concentra 53 por cento da pobreza absoluta do Brasil. Mais de 24 milhões de pessoas vivem com uma renda familiar per capita inferior à metade de um salário mínimo. Em termos de mortalidade infantil, de desnutrição, de analfabetismo e de concentração de renda, os indicadores comparam-se facilmente aos dos países mais pobres do planeta. Os índices sociais do Nordeste são equivalentes aos do Haiti, que é um dos países mais pobres do mundo. O nordestino nasce com uma expectativa de vida seis anos menor do que a média brasileira. A expectativa média de vida no Nordeste é de 58,8 anos, contra 64,9 para o Brasil, segundo dados do IBGE para o início da década de noventa. Para finalizar, cerca de 45,3 por cento das crianças de zero a cinco anos sofrem de desnutrição, enquanto, no Sudeste e no Sul, a proporção é de 21,3 por cento e 17,5 por cento, respectivamente.

Apesar de muitos desencontros no caminho do desenvolvimento nordestino, o Governo deveria reconhecer mais os esforços que são feitos para a superação das dificuldades e engajar-se com mais objetividade, como uma espécie de moderador, na tentativa de superação definitiva dos desequilíbrios intoleráveis. Mais ainda, devemos reconhecer juntos, de uma vez por todas, que um Brasil moderno, dinâmico e poderoso economicamente, como todos nós queremos, não pode inserir-se plenamente no contexto de uma economia globalizada arrastando atrás de si o atraso, a miséria e o subdesenvolvimento de uma região que ocupa 1.548.672 quilômetros quadrados do seu território e onde vivem cerca de 45 milhões de brasileiros.

O futuro do Nordeste e o bem-estar de sua população dependem estreitamente de investimentos produtivos em projetos prioritários e com retorno garantido a médio prazo. A não-existência desses recursos ou a sua má aplicação redundarão em mais miséria, mais atraso e mais prejuízo para o País.

O aumento da produção precisa garantir o desenvolvimento humano sustentável. Se a economia envolve relações monetárias, o desenvolvimento humano introduz uma dimensão ética nas relações que estão na base dos mecanismos de mercado.

A miséria humana constitui uma permanente ameaça para a estabilidade política, a coesão social e a saúde do ambiente em escala global.

Quando as sociedades se desagregam por causa de choques sociais, quando os governos se corrompem e dilapidam os recursos públicos, quando os investimentos são desviados de áreas prioritárias como a saúde e a educação para financiarem projetos de poderosos, quando se alastram o tráfico de drogas, a fome, a violência, o desemprego, a criminalidade, as epidemias e a contaminação, é indispensável e vital que a sociedade interpele com veemência a consciência coletiva. Trata-se assim de substituir a iminência do caos pelo desenvolvimento sustentável. Não faz muito tempo que corremos seriamente esses riscos, mas agora eles já fazem parte do passado. No momento em que o Brasil optou pela paz, pela seriedade e pela democracia em todo o seu território, deve também aproveitar este momento histórico para declarar uma guerra aberta contra a miséria do Nordeste. Devemos, assim, unir os nossos esforços para vencer o atraso e para que a cooperação para o desenvolvimento seja um mecanismo eficaz, de modo que reine a riqueza em benefício da maioria do povo nordestino e não simplesmente em favor de uma pequena elite.

É significativa a sentença de Malraux, em Os Conquistadores, "A esperança dos homens é a sua razão de viver e de morrer".

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/11/1996 - Página 18482