Discurso no Senado Federal

PROPRIEDADE DA INSTITUIÇÃO DO 'PROVÃO' COMO UM DOS INSTRUMENTOS PARA A AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR.

Autor
Joel de Hollanda (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Joel de Hollanda Cordeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • PROPRIEDADE DA INSTITUIÇÃO DO 'PROVÃO' COMO UM DOS INSTRUMENTOS PARA A AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR.
Publicação
Publicação no DSF de 23/11/1996 - Página 18874
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • APOIO, GOVERNO, AVALIAÇÃO, ENSINO SUPERIOR, UTILIZAÇÃO, EXAME, ALUNO, CONCLUSÃO, CURSO DE GRADUAÇÃO, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.
  • CRITICA, CONTROVERSIA, OPOSIÇÃO, PROVA, DEFESA, OPORTUNIDADE, FISCALIZAÇÃO, QUALIDADE, ENSINO SUPERIOR.

O SR. JOEL DE HOLLANDA (PFL-PE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a polêmica em torno do Exame Nacional de Cursos - o "provão" - causou uma seqüência de mal-entendidos sobre a complexa questão da avaliação do ensino superior em nosso País. A tônica do debate opôs, de forma maniqueísta, aqueles que se manifestaram "contra" ou "a favor" da medida. Contudo, o eixo da discussão deve, a meu ver, ser deslocado para as questões realmente substantivas, sob pena de obscurecermos mais do que contribuirmos para a busca da necessária qualidade da universidade brasileira.

Embora o "provão" se tenha colocado no centro das discussões, por uma interpretação equivocada do seu papel no processo amplo de avaliação das instituições e dos cursos, devemos nos beneficiar do fato de a sociedade, pela primeira vez, envolver-se numa questão que, até há pouco, era objeto de preocupação apenas da comunidade acadêmica. Ora, se a avaliação é sempre um assunto polêmico, sua discussão pública torna-se um saudável indicador de maturidade democrática.

O Congresso Nacional não pode, Srªs e Srs. Senadores, deixar de participar de todas as etapas dessa discussão. Afinal, foi a Lei nº 9.131, aprovada nesta Casa em novembro de 1995, que, ao estabelecer o exame nacional ao final dos cursos de graduação, promoveu o grande debate nacional a respeito da avaliação dos cursos superiores. A propósito, é bom lembrar que nos Estados Unidos, País onde se acumulou enorme experiência na matéria, a avaliação da educação é um mandato do Congresso.

Ao propiciarmos, portanto, o aprofundamento da reflexão acerca do episódio do "provão", ao mesmo tempo em que tentamos identificar as legítimas necessidades dos diversos segmentos da sociedade, estamos exercendo a nossa função precípua na mediação dos altos interesses da Nação em temas capazes de direcionar os rumos de seu desenvolvimento e definir o seu destino.

Na perseguição desses objetivos, podemos, em primeiro lugar, identificar, mesmos os adversários de "boa-fé" do "provão", o reconhecimento consensual a respeito da necessidade de avaliar o ensino superior. Ninguém considera que seja essa uma providência desnecessária. Afinal, são inegáveis as carências e as iniqüidades do sistema educacional brasileiro em todos os níveis. Parece haver unanimidade nos discursos sobre o tema, quando se limitam à crítica abstrata.

Mas eis que surge uma iniciativa objetiva, o chamado "provão". Não é a panacéia para os problemas educacionais do País, até porque diz respeito apenas às universidades. Mas é um primeiro passo no rumo de uma imprescindível avaliação do ensino superior, a fim de identificar e corrigir suas falhas. Trata-se de convocar os estudantes prestes a concluir o curso, nas faculdades públicas e particulares, para que respondam a um teste que não tem objetivo de reprová-los. Assim sendo, qual a razão da desmedida reação manifestada por algumas pessoas e setores da sociedade? Se o "provão" é criticável sob vários aspectos específicos, o que pode e deve ser corrigido nas futuras edições, tem o grande mérito de introduzir, no meio universitário, uma avaliação uniforme do trabalho realizado, que permitirá lançar alguma luz sobre a eficácia de cada instituição.

Quem tem medo do "provão", afinal? Quais os interesses que foram contrariados e os brios que se sentiram atingidos? Há distinções entre as reações ou se trata de um fenômeno de identidade de pensamentos?

É preciso admitir que têm razão os adversários quando ressaltam que a complexidade do sistema universitário exige avaliações amplas e complementares, em que não apenas o aluno, no momento do "provão", mas a infra-estrutura das faculdades seja considerada. Não há qualquer dúvida de que a avaliação deve envolver aspectos institucionais: a qualidade e a quantidade dos livros disponíveis, equipamentos e materiais; a qualificação e dedicação dos professores; a produção acadêmica e científica; a contribuição ao desenvolvimento científico e tecnológico do País e ao bem-estar da sociedade.

Entretanto, alguns desses indicadores têm relação muito indireta com a qualidade dos cursos de graduação. É preciso, também, saber, finalmente, o que o aluno aprendeu. Aqui, chegamos à necessidade de contar com o resultado de exames dos alunos que permitam uma medição simples e objetiva dessa variável essencial à avaliação dos cursos de graduação. É óbvio tratar-se de um indicador parcial, que comporá, com outros indicadores, a avaliação de cada instituição. Parece-me que a própria Lei nº 9.131 bem como o Decreto nº 2.026, que a regulamenta, não pretendem que o exame seja o único instrumento de avaliação, embora tenham tratado particularmente desse instrumento, pela simples razão de que é o único que requer medida legislativa. Os demais indicadores podem ser construídos mediante procedimentos administrativos. Como, aliás, já vem ocorrendo em muitas instituições de ensino superior. A prova proposta evita que essas iniciativas se limitem aos esquemas auto-avaliativos.

Outro ponto insistentemente mencionado pelos opositores do "provão" refere-se à autonomia do universidade, que estaria sendo desrespeitada na medida em que uma instância externa realiza uma atividade de sua competência. Ao exigir que o aluno faça o "provão" para obter o diploma, a lei estaria indo de encontro à Constituição, que permite à universidade diplomar aqueles que concluem os cursos. Podemos detectar, sem esforço, nessa argumentação, uma resistência a qualquer tipo de avaliação que não seja corporativista. A ênfase em "processos democráticos de avaliação", "transparência completa", "avaliação com participação ampla dos departamentos" (e, possivelmente, plenárias, em alguns casos) ou "auto-avaliação" são instrumentos retóricos que ocultam um componente intrínseco de negação de qualquer hierarquia do saber e da vida universitária. Na verdade, trata-se de dar às universidades não simplesmente a autonomia, mas a "soberania". Esquecem-se, alguns, que as universidades federais mantêm-se com recursos públicos, sendo necessário que o Poder Público, como representante da sociedade, avalie o seu desempenho. Afinal de contas, professores das universidades públicas brasileiras são funcionários públicos e deveriam ser avaliados como o são - ou deveriam ser - os demais funcionários. Mais ainda, tratando-se de instituições a serviço da comunidade e sustentadas por ela, é natural que se espere um retorno de qualidade no desempenho das funções que lhes são próprias.

Quanto às instituições privadas, sabemos todos que centenas delas foram improvisadas a "toque-de-caixa" para atender à vaidade e à ganância de empresários inescrupulosos. Uma grande parte não preenche os requisitos mínimos para funcionar como instituição de nível superior. São, na verdade, arapucas para enganar incautos e fabricar diplomas. É preciso, portanto, avaliá-las e dar início a medidas intensas de fiscalização. As que não atenderem a um padrão mínimo de qualidade devem ser obrigadas a se reestruturar. As que não forem capazes de mudar para melhor devem ser fechadas.

Como se vê, Srªs e Srs. Senadores, a base de argumentação dos detratores do "provão" não se sustenta quando submetida a uma reflexão isenta e criteriosa. Para finalizar, cito outro aspecto que vem sendo invocado e que apregoa o "anonimato" do "provão". O objetivo seria evitar que empresas possam exigir as notas dos formandos como critério de admissão. Há uma certa ingenuidade nessa colocação, que não leva em conta a motivação do examinado para aplicar seu esforço e fazer a melhor prova possível. A submissão ao exame é sempre uma situação estressante, que só é absorvida positivamente quando envolve a perspectiva de um ganho pessoal, mesmo que indireto. Por outro lado, desconsidera-se a capacidade de administração de recursos humanos de nossas empresas. Ora, nenhum empregador consciente há de contratar um jovem recém-formado baseado, apenas, no prestígio da faculdade que o formou ou no seu próprio desempenho no "provão". As empresas dispõem de sofisticados mecanismos de seleção e treinamento. Levam-se em conta os estágios realizados, testes psicológicos e entrevistas. Leva-se em conta, também, a faculdade cursada. Isso já existe. É um procedimento natural do mercado.

Srªs e Srs. Senadores, creio que já podemos responder à pergunta enfática com que dei início a este pronunciamento. Já sabemos quem tem medo do "provão": o mau aluno, o empresário despreparado, as instituições incompetentes e os demagogos de todos os "matizes". Ao receber um diploma, o egresso de um curso superior passa a dispor de um alvará de capacitação para o exercício de uma profissão, que o próprio Estado reservou, cativamente, aos portadores desses diplomas. É razoável, portanto, que esse mesmo Estado verifique o nível de qualidade do egresso.

O "provão" abre, agora, uma oportunidade para que se saiba um pouco mais sobre a qualidade dos nossos profissionais e sobre o sistema universitário como um todo. Esse conhecimento não pode permanecer no vazio, devendo ser acompanhado das providências necessárias para transformar a realidade constatada, sinalizando para a comunidade acadêmica e para a sociedade perspectivas de melhoria e aprimoramento.

Srªs e Srs. Senadores, o "provão" indica mudança de percepção dos problemas do ensino superior. Afirma a necessidade de uma meritocracia, repudia a indulgência com a ineficácia, denuncia a ineficiência e cultua a excelência.

Não podemos, pois, permitir que o destino do povo brasileiro seja determinado pelo ranço cooperativista, pelo medo da concorrência, pela preguiça e pela ignorância.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/11/1996 - Página 18874