Discurso no Senado Federal

CRITICAS A PRIVATIZAÇÃO DE EMPRESAS PUBLICAS CRIADAS NOS ANOS DO 'DESENVOLVIMENTISMO', A CUSTA DOS TRABALHADORES E DO AUMENTO DA DIVIDA INTERNA E EXTERNA DO PAIS.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • CRITICAS A PRIVATIZAÇÃO DE EMPRESAS PUBLICAS CRIADAS NOS ANOS DO 'DESENVOLVIMENTISMO', A CUSTA DOS TRABALHADORES E DO AUMENTO DA DIVIDA INTERNA E EXTERNA DO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 23/11/1996 - Página 18878
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, DESENVOLVIMENTO, BRASIL, CRIAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, FINANCIAMENTO, ESFORÇO, RECESSÃO, TRABALHADOR, AUMENTO, DIVIDA EXTERNA, DIVIDA PUBLICA.
  • CRITICA, GOVERNO, DESRESPEITO, TRABALHADOR, DOAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, PATRIMONIO, POVO, ESPECIFICAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD).
  • OPOSIÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), MOTIVO, LUCRO, EFICIENCIA, EMPRESA ESTATAL, IMPORTANCIA, SOBERANIA NACIONAL, REGIÃO AMAZONICA.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srsª e Srs. Senadores, durante décadas na minha vida, fui tachado por colegas e adversários de ave agoureira. No tempo do milagre econômico e no tempo do desenvolvimentismo, eu dizia que, atrás do milagre, sustentando-o, havia o empobrecimento da população. O pleno emprego, dizia eu naquela ocasião, é a versão dos países ricos do nosso desenvolvimentismo. E assim como o desenvolvimento econômico periférico se fez à custa do arrocho salarial, do não-consumo produzido pelos trabalhadores, principalmente pelos trabalhadores da base da pirâmide, aqueles que foram os mais sacrificados e que são os mais pobres e os mais fracos.

Eu sabia que o desenvolvimentismo se faria à custa do crescimento negativo da dívida externa, tal como aconteceu. Por isso, quando o desenvolvimentismo começou, invertendo a direção impressa por Getúlio Vargas ao processo de acumulação de capital e de formação do capitalismo no Brasil, abrindo, escancarando as portas para o capital estrangeiro, Oswaldo Aranha dizia: "Há pessoas que sabem fazer previsões". As previsões não são sempre erradas, como aquelas de Mário Henrique Simonsen, Delfim Netto e Roberto Campos, que diziam que, no ano 2.000, o Brasil seria uma grande potência. Roberto Campos até dizia que, no ano 2.000, os nossos vizinhos da Bolívia, diante da vitória do Brasil, que havia se tornado uma potência subimperialista, dominando a Bolívia e os nossos vizinhos, estariam empunhando cartazes com o seguintes dizeres: Brazilians, go home. Isso ele escreveu, e outros escreveram sobre o Brasil 2.000, o Brasil potência.

Aquela ocasião, 1969, por exemplo, foi o ano em que o maior número de empresas estatais foi criado no Brasil. O Golpe de 1964 foi um golpe dual. De um lado estavam os liberais da UDN, que desistiram de chegar ao Poder pelas eleições e se alinharam às forças militares para empalmar o Poder no Brasil. Foram eles, os liberais, aqueles que sempre foram e continuam sendo contra as empresas estatais, que promoveram o maior número de empresas estatais neste País.

As empresas estatais brasileiras estavam sendo criadas com o sacrifício da população, com o sangue dos pobres, com o aumento da dívida externa, com as relações da dívida externa com a dívida pública, que também estavam financiando, como sempre, esse processo de acumulação de capital na esfera estatal.

Naquela ocasião, eu dizia que aquelas empresas públicas não tinham nada a ver com o processo de socialização. Elas eram empresas fascistas, e o Governo, o Estado brasileiro, usava de sua força e de sua prepotência para retirar uma mais valia extra - além da inflação, que reduz salários, além das formas normais de exploração através da modernidade maquinizada, que intensifica o processo de trabalho, que suga os trabalhadores, o Governo estava criando essas dívidas internas e externas, injetando investimentos nas empresas estatais -, e que um dia o povo brasileiro pagaria essa forma despótica de acumulação, e que essas empresas estatais seriam doadas, seriam vendidas. Isso eu disse no dia da abertura do curso de Mestrado em Economia da Universidade de Brasília. E eu previa, em um trabalho intitulado Estatização, Privatização e Crise, que quando chegasse a crise, uma vez que secassem as tetas do Governo e que empresários e capitalistas não pudessem mais mamar nessas tetas ubérrimas, porque elas haviam se esgotado, a partir desse momento, dizia eu, as empresas estatais seriam doadas.

Que pretensão ter essa capacidade de previsão! Não era previsão nenhuma, apenas conhecimento da história. Eu dizia que aquelas empresas estatais não eram a primeira geração de empresas estatais - a primeira foi Dom João VI que criou, com a fábrica de pólvora -, e que essa geração de empresas estatais que está aí talvez não fosse a última. Com a venda das empresas, talvez o Governo resolvesse, se tivesse coragem, pelo menos...

E aí o meu pessimismo realmente foi desmentido; a realidade foi muito pior do que aquilo que pensei fosse possível chegarmos. Esse Governo que aí está, que é o mesmo, não mudou, é o Governo de uma sociedade capitalista dependente, de uma sociedade capitalista submetida e subjugada. E o que é despótico, o que é autoritário, desumano, é justamente isso: um Estado, um Governo que, num momento, exige o sacrifício para a formação das grandes potências, das grandes empresas nacionais e, no momento seguinte, despreza completamente, critica, tripudia sobre o sacrifício do povo já esquecido, como tudo o mais.

E com a maior inconsciência doa as empresa estatais, algumas delas para empresas estrangeiras, subsidiadas as doações pelo BNDES. Naturalmente, com o dinheiro do FAT (Fundo de Auxílio aos Trabalhadores) e outros Fundos. De modo que o perverso é o Governo, de um capitalismo selvagem.

Portanto, dizia eu há 20 anos:

      "A confraria dos privativistas tem seu ritual, sua ladainha, seus falsos profetas e, principalmente, seus aproveitadores. Quando o Governo capitalista ameaça os empresários com a revelação de que os seus capitais foram mamados nas tetas aparentemente inesgotáveis do Estado, outras formas de transfusão de recursos extraídos do trabalho assalariado já estão sendo engendradas pelos prestimosos tecnocratas.

      A doação das empresas estatais para a iniciativa privada constitui o leite fértil e barato que jorrará da ubérrima teta governamental para o ávido empresariado nacional ou estrangeiro."

Em nome da eficiência, entregam-se as empresas estatais ao empresariado nacional quebrado, falido. Em nome da eficiência, fornecem-se US$14,200 bilhões aos bancos, que tiveram 14.260% de retorno na década perdida, década que os bancos ajudaram a perder e em que o PIB nacional apresentou três anos de crescimento negativo.

Portanto, o que dizíamos, e aqui citamos um Prêmio Nobel da Economia, foi que, ao contrário do que parecia, essas empresas estatais estavam sendo obtidas através da força e do despotismo necessário ao capitalismo selvagem.

Pois bem, chegamos, finalmente, ao momento crucial em que o Governo alinhava uma série de desculpas esfarrapadas para comer o cordeiro que bebe água abaixo da posição do lobo. O lobo diz: "Cordeiro, você está sujando a minha água." "Eu não posso, seu lobo. Eu estou abaixo do senhor. A água que eu estou bebendo, sujando, não pode voltar até o senhor." "Bem, mas se não foi você foi o seu pai, ou a sua família, que sujaram a minha água." E o lobo vai nessa conversa até comer o cordeiro, porque o que ele desejava, realmente, era isto.

O Governo quer, realmente, "comer o cordeiro." É o "lobo" esfaimado que pretende, de qualquer maneira, ainda as empresas mais eficientes, como é o caso da Vale do Rio Doce; ainda as empresas mais competentes e aquelas que dedicaram enormes recursos para a pesquisa e que se inovaram realmente, ao contrário de muitos empresários nacionais que dormiram no travesseiro das doações, dos incentivos, sob a ubérrima teta do Governo; as empresas estatais como a Vale do Rio Doce, a cujo nascimento assisti, nos anos 40, em Belo Horizonte - se não me falha a memória, foi Israel Pinheiro o seu primeiro Presidente.

Pois bem, o que é hoje essa tão criticada empresa estatal, que nasceu ali para a exploração dos minérios de Itabira e para o transporte desses minérios? O sistema empresarial da Vale do Rio Doce controla 14 empresas, está coligado a 22 e tem participação minoritária em 4, desenvolvendo suas atividades em 10 Estados nacionais. Todo esse sistema emprega diretamente mais de 15 mil trabalhadores e desenvolve pesquisas de alto nível, principalmente nas áreas de geologia e mineração. É atualmente a maior empresa exportadora do Brasil, detendo quase um quarto do comércio transoceânico de minério de ferro e um amplo sistema logístico de portos e de estradas de ferro.

As empresas estatais realmente constituem um misto de empresários dinâmicos e de funcionários públicos. Como o Governo detesta os funcionários públicos, chama-os de parasitas. Este Governo, que, obviamente, considera-se acima e além de qualquer classe, de qualquer categoria, cujo trabalho não é de parasita, mas de caruncho, de destruição, de desmantelamento, de doação e de desrespeito para com a atividade produtiva, objetivada nas riquezas nacionais. Chamar este Governo de parasita seria elogiá-lo, porque o caruncho é pior do que certas formas parasitárias.

Chegou ontem um norte-americano muito interessado naqueles dados secretos, que o BNDES, como sempre, pretende entregar para melhor trair a Pátria brasileira.

Esse conglomerado industrial inclui também cerca de 1.800 km de ferrovia, com um volume de cerca de 130 milhões de toneladas/carga transportadas, operação dos terminais portuários de Tubarão, Praia Mole e Ponta da Madeira, movimentando mais de 110 milhões de toneladas; uma subsidiária, a Docenave, que atua no ramo de transportes marítimos, com frota de 20 graneleiros próprios; uma empresa de pesquisa mineral, a Docegel, que administra concessões de exploração - e que descobre sim, como aconteceu no Pará, uma mina de ouro, cuja prospecção inicial é de 150 toneladas de ouro; extração e produção de outros minérios: ouro, manganês, cobre, caulim, potássio, etc.

Portanto, são os parasitas ou os semiparasitas que mobilizaram e respeitaram o capital extraído dos trabalhadores pobres, que até hoje conservam esse capital, esse patrimônio. Mas o Governo desrespeita a vida, desrespeita o trabalho e os aposentados, os da terceira idade.

Quantas aposentadorias tem o Presidente da República? Sua Excelência virou moralista sobre a fraqueza alheia; virou corajoso enfrentando os fracos, os velhos, os aposentados.

Sua Excelência, cuja ombridade paira sobre qualquer suspeita - como a mulher de César -, é aposentado da USP, se não me falha a memória, desde 1970, e tem 12/30 de aposentadoria no Senado. Ganhos adquiridos, sim, com trabalho. Mas já são duas aposentadorias, além dos proventos da Presidência da República.

Os funcionários não podem ter dois proventos, ainda que um fosse da aposentadoria legalmente adquirida e uma outra. Mas o Presidente da República tem três, a não ser que tenha aberto mão de alguma, o que não é do meu conhecimento.

Assim, por que privatizar a Vale do Rio Doce? Porque é uma empresa eficiente, porque é uma empresa que apresenta lucros, porque ela não precisa de recursos do Governo. Ao contrário, ela é um grande contribuinte e alimenta o insaciável Leão.

O SR. PRESIDENTE (Gilvam Borges) - O tempo de V. Exª encerrou, Senador Lauro Campos.

O SR. LAURO CAMPOS - Sr. Presidente, eu gostaria apenas de um minuto a mais, a fim de encerrar este pronunciamento.

O SR. PRESIDENTE (Gilvam Borges) - A Mesa concede 3 minutos a V. Exª, em vez de um.

O SR. LAURO CAMPOS - Muito agradecido pela benevolência de V. Exª.

Para terminar, quero referir-me a um dos maiores jornalistas do mundo, ao lado de um norte-americano, autor do livro "O Julgamento de Sócrates", entre outros, que, sozinho, durante décadas, editou um grande jornal nos Estados Unidos. A sua independência fez com que se dedicasse à produção total de seu jornal.

No Brasil, há a coincidência de dois gênios: Millôr Fernandes, o gênio do humor, e Hélio Fernandes, o jornalista da coragem, do denodo, do destemor, que foi um dia o jornalista do desterro, exilado por aqueles que não queriam ouvir o outro lado da verdade.

Hoje, ele chama de cidadão do mundo Noan Chomsky, que chegou ao Brasil esta semana. Esse norte-americano disse que não sabia como a Nação não havia protestado, já que o Brasil tinha sido roubado com a aprovação da Lei de Patentes. E acrescentou que não deveríamos generalizar, porque nem todos são vorazes ou ligados à Raytheon e ao Sivam; nem todos vêm aqui comprar consciências e receber, em troca dos investimentos e de consciências roubadas, milhões de retorno em lucro.

O mundo inteiro está entregando o importantíssimo setor das comunicações, principalmente o das telecomunicações, a meia dúzia de grupos, que dominarão todo o setor já a partir do ano 2.000. Dentro de 4 anos, no máximo, as telecomunicações serão de alguns poderosos que controlarão o mundo.

O Brasil não percebe que está perdendo a Amazônia, que deveria ser a sua grande fonte de progresso, de prosperidade, de desenvolvimento, e que o primeiro passo para a internacionalização da Amazônia será a privatização da Vale do Rio Doce. Quem nos alerta é um norte-americano sem medo, é um norte-americano de cabeça descomprometida, é um norte-americano que não está ligado a nenhum interesse pecuniário. "O Brasil já deveria ser uma das grandes potências do mundo. Tem tudo: território, população, riquezas naturais. A população já deveria ter crescido, deixaram que mulheres fossem esterilizadas sem saber o que era isso. Mais crimes contra o Brasil".

Portanto, não são todos que estão iludidos, não são todos que querem iludir, mas alguns infelizmente deixaram de compreender esse processo de dominação internacional. FHC escreveu sobre as relações imperialistas que dominavam o Brasil e criticou a formação do antiestado nacional, que entregaria tudo ao imperialismo estrangeiro.

Fernando Henrique Cardoso, o professor, sabia disso, mas agora esqueceu-se de tudo; parece ter-se esquecido de tudo. Ao invés de lutar contra a correnteza, entregou-se a ela; ao invés de dar murro em ponta de faca, preferiu segurar no cabo do punhal e aliar-se àqueles que estão agredindo o País e suas riquezas!

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/11/1996 - Página 18878