Discurso no Senado Federal

HOMENAGENS AO ZUMBI DOS PALMARES E A CHICA DA SILVA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGENS AO ZUMBI DOS PALMARES E A CHICA DA SILVA.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Marluce Pinto, Pedro Simon, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/1996 - Página 18767
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, VULTO HISTORICO, MUNICIPIO, PALMARES (PE), ESTADO DE ALAGOAS (AL), LUTA, DEFESA, LIBERDADE, RESGATE, CIDADANIA, GRUPO ETNICO, NEGRO.
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, VULTO HISTORICO, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), SIMBOLO, DIGNIDADE, MULHER, RAÇA, NEGRO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, "um povo sem uma história positiva é como um veículo sem motor", afirmou Steve Biko, mártir da luta contra o apartheid na África do Sul.

O conhecimento e o resgate do passado, bem como a constante visão crítica do presente e a perspectiva de um futuro sempre melhor, constituem a essência da identidade cultural de um povo.

Em 20 de novembro de 1995, Tricentenário de Zumbi dos Palmares, o Brasil esteve presente em Brasília, na Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida, movimento histórico contra a exclusão social do povo negro brasileiro, que contou com a participação de amplos setores da sociedade, negros e brancos. Foi um momento precioso de imortalidade de Zumbi, comemorado em solenidades, discursos, palestras, seminários, selos, mensagens em contracheques, em poemas, canções e boas intenções, resgatando Zumbi como legítimo herói nacional.

A partir de então, Zumbi deixou de ser um personagem distante da historiografia oficial para tornar-se popular e referência de luta e dignidade. A temática racial destacou-se no cenário nacional como fruto da luta contra o racismo.

Hoje, 21 de novembro, poderia ter sido ontem, 20 de novembro de 1996, voltamos a reverenciar este que foi, sem dúvida, um dos maiores nomes da História brasileira. A palavra de ordem, hoje como sempre, é: vamos reescrever nossa História, reconstruindo a História do cidadão negro a partir do legado de Zumbi, pois não pode haver comemoração mais digna de Zumbi dos Palmares do que o compromisso com o resgate da cidadania e com as transformações das condições de vida de nosso povo. Palmares é inegavelmente uma das principais contribuições do povo negro para a formulação dos ideais de democracia e da capacidade de superar as desigualdades.

Zumbi é considerado herói nacional pelos grandes historiadores, pelo movimento negro, mas precisa ser reconhecido e conhecido pela maioria dos brasileiros.

Agora, Zumbi dos Palmares, herói negro, herói popular, herói que não era militar, já faz parte da galeria de heróis nacionais, pois foi alçado a essa condição através da sanção de lei, nesse sentido, pelo Presidente da República. Nesta oportunidade, cumprimento o Presidente Fernando Henrique Cardoso por ter demonstrado identidade com essa causa. E a prova mais concreta é o Plano Nacional de Direitos Humanos, lançado em 13 de maio passado, que inclui o combate ao racismo como uma das prioridades.

Além da criação do Grupo de Trabalho Interministerial, o GTI, para Valorização da População Negra e o fortalecimento da Fundação Cultural Palmares, cumprimento Sua Excelência também pela contribuição que deu à Semana da Consciência Negra, pois, atendendo às reivindicações dos movimentos negros e comunidades negras de todo o País, adotou as seguintes medidas:

- assinatura do título de reconhecimento da posse das terras de remanescentes de quilombos às comunidades negras de Pacoval e Água Fria, no Município de Alenquer, Estado do Pará, que irá beneficiar cerca de 129 famílias;

- sanção do projeto de lei que inscreve o nome de Zumbi dos Palmares no livro dos heróis da Pátria;

- lançamento do selo comemorativo aos 301 anos da morte de Zumbi;

- divulgação do 10º Relatório Periódico relativo à Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, documento de fundamental importância para a transposição da barreira do racismo, prêmio de contribuições, avanços e conquistas da sociedade civil e do Governo.

O Presidente reconheceu a importância de Zumbi como figura negra que lutou pela liberdade do povo brasileiro. Nas palavras do Presidente Fernando Henrique Cardoso, nunca antes pronunciadas por governantes brasileiros, e que, por isso, reflete a importância de Sua Excelência para o processo de implantação no Brasil de um Plano de Direitos Humanos, "o Brasil está construindo uma nação multirracial. A devolução de terras a descendentes dos negros que se organizavam em quilombos é uma forma de reparar injustiças sociais históricas".

Cumprimento também o Congresso Nacional, especialmente o Senado Federal, nossa Casa, por ter dado o passo inicial, no ano passado, aprovando o Projeto de Lei de minha autoria que transforma o Zumbi dos Palmares em herói nacional. Meus parabéns aos colegas, Senadores, por terem contribuído para essa importante decisão histórica.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Pois não. Ouço o aparte de V. Exª, nobre Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Nobre Senadora Benedita da Silva, sei que V. Exª não vai cumprimentar a si própria, após esse registro que faz da tribuna. E, como não vai cumprimentar-se, quero fazê-lo. Quero fazê-lo, dizendo que o seu trabalho, hercúleo e altivo, na Assembléia Nacional Constituinte resultou num dos incisos que demonstra o que uma Parlamentar eficiente pode fazer. O inciso XLII do art. 5º, que tem o texto que V. Exª bem conhece, faço questão de ler: XLII - "a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei". Quando V. Exª lembra Zumbi na data de ontem, esse herói que não tinha cor - porque os heróis não têm cor na epiderme, têm sentido evangelizador na alma -, quando V. Exª faz essa lembrança num discurso tão denso, eu não poderia deixar de homenageá-la com a leitura do inciso, um dos vários, com que V. Exª contribuiu na elaboração da nossa Constituição. Meus cumprimentos, Senadora.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço a V. Exª pelo aparte, mas quero atribuir essa conquista também ao Congresso Nacional. E V. Exª, Relator na Assembléia Nacional Constituinte, não deixou por menos: conciliou vários artigos, independentemente das posições políticas para que pudéssemos dar à Constituição Brasileira o nome de Cidadã.

Agradeço, desta tribuna, ao Presidente da República, porque sei que poderia, apenas por um ato de governo, ter feito de Zumbi um herói, colocando-o entre Tiradentes e Caxias; mas Sua Excelência soube esperar este Congresso votar a matéria, que é oriunda do desejo não só da comunidade negra, mas dos brasileiros democratas que reconhecem em Zumbi um grande líder. O Presidente quis que a proposta fosse votada no Senado, na Câmara e chegasse às suas mãos para sanção, razão pela qual mereceu, de minha parte, não só o respeito, mas os agradecimentos. Da mesma forma, agradeço ao Congresso Nacional, em particular ao Senado, que ora ocupamos e que sabemos que dará, sem dúvida alguma, outros grandes passos necessários à complementação dessa iniciativa do Congresso Nacional, do povo brasileiro e do Governo Federal.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, com as comemorações do tricentenário de Zumbi dos Palmares, em 1995, encerramos uma importante fase, que foi a denúncia da existência do racismo no Brasil. Ainda continuaremos, mas agora precisamos recuperar a imagem e a visibilidade do negro. A nosso contribuição, neste 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, é também uma homenagem à mulher negra brasileira, resgatando um pouco da sua história na figura de Xica da Silva, esta importante personagem da história brasileira, no ano em que se comemora o bicentenário de sua morte, que ocorreu em 15 de fevereiro de 1796.

É importante destacar as dificuldades para o resgate da contribuição da população negra para a história brasileira, que vai além do aspecto cultural. Isto nós constatamos em relação ao resgate de Zumbi dos Palmares, no tricentenário de sua morte, que, afinal, teve um saldo bastante positivo. Mas, no caso de Xica da Silva, as dificuldades são ainda maiores, porque, para a historiografia oficial, para a maioria dos brasileiros, Xica tem sua imagem ligada à escravidão e como símbolo sexual, diferente de Zumbi, cuja referência é o homem guerreiro, íntegro e corajoso, que lutou até a morte pela libertação de seu povo. E isto é altamente positivo para a visibilidade e para a cidadania do povo negro.

Um depoimento ouvido da atriz Zezé Mota, que interpretou Xica da Silva no cinema, afirma que durante as gravações foi desestimulada a fazer pesquisas para compor a personagem, porque não existia registro histórico sobre a trajetória de Xica da Silva, o que não deixa de ser uma inverdade, pois conhecemos pelo menos dois historiadores mineiros que estudam profundamente a biografia de Xica da Silva, inclusive com livros publicados: Paulo Amador, autor de "Rei Branco, Rainha Negra", e Erildo Nascimento.

Imagino que poucas pessoas saibam que neste ano de 1996 comemoramos o bicentenário de Xica da Silva, ou que conheçam a sua verdadeira trajetória, sua biografia, sua contribuição como a mulher negra que teve fundamental influência política na cidade de Diamantina, no século XVIII. A maioria conhece a escrava que conseguiu liberdade graças à sua sensualidade e sexualidade, sua capacidade de sedução dos senhores da época, imagem esta transmitida pela historiografia oficial e pelas produções tanto do cinema quanto da televisão.

Xica da Silva, em pleno século XVIII, foi uma das precursoras da mulher na atuação política e no poder, numa época em que as mulheres sequer sabiam ler e escrever. E Xica sabia ler e escrever. Mas isto a história não registra por causa da sua condição de mulher negra e escrava.

A verdadeira Xica da Silva foi protetora das artes e libertadora de inúmeros escravos e se tornou famosa pelo poder que exerceu no Arraial do Tijuco (hoje Diamantina). Foi importante figura política que teve papel de destaque na transformação de Diamantina numa das cidades socialmente mais liberais do Brasil de seu tempo, além de ter, pessoalmente, subvencionado a Inconfidência Mineira. Segundo Paulo Amador, historiador de Xica da Silva: "É uma mulher que, no escravagista e preconceituoso século XVIII, manteve uma capacidade de liderança que nenhum homem teve".

A biografia de Xica da Silva não é significativa apenas por ser um símbolo da dignidade da raça negra. Em termos históricos, ela sintetiza a prova de que a influência negra na cultura letrada do País já era marcante muito antes de Machado de Assis existir. Tudo isso passa longe de como Xica da Silva vem sendo retratada na história do Brasil.

Foi célebre esta mulher de caráter e personalidade forte. A sua história é parte integrante da história do ciclo do diamante, do processo de alforria de escravos e da Inconfidência Mineira. E, certamente, não é por acaso que a historiografia oficial ignora a sua importância ou reduz a personagem extravagante, caricata e folclórica.

Ao contrário da lenda, que transforma Xica da Silva quase em uma prostituta, ela foi casada somente com dois homens. Mas foi com o segundo marido, João Fernandes da Silva, contratador responsável pela administração da mineração de ouro e diamante, monopólio da coroa portuguesa, que Xica virou a rainha no imaginário popular, tendo com ele nada menos do que doze filhos. São evidências que demonstram que Xica da Silva mantinha com João Fernandes uma relação maior de que sua amante ou empregada.

Induzido por Xica da Silva, João Fernandes libertou todo escravo que encontrasse um diamante com mais de 60 quilates. Em 1888, quando foi assinada a Lei Áurea, mais da metade dos escravos de Diamantina já eram libertos. E, mais do que isso, tinham participação na vida social da cidade.

Xica da Silva não poderia gozar de bom conceito moral por parte da sociedade mineira do século XVIII, na medida em que era "amásia" de um fidalgo português que gozava de prestígio e poder político-econômico, decorrente de sua fortuna pessoal e do cargo que ocupava no auge do ciclo do diamante. A união de Xica da Silva e João Fernandes de Oliveira era, no mínimo, uma agressão à moral e aos bons costumes.

Como não era possível desconsiderar ou ignorar a sua importância política e social nas Minas Gerais de então, a história ofereceu registro de algumas passagens pitorescas, folclóricas, geralmente norteadas pelas extravagâncias praticadas por Xica da Silva, deixando de levantar dados concretos e documentais, dificultando o trabalho de pesquisadores que buscam o resgate de sua influência no processo político da época.

Embora os dados disponíveis sobre Xica da Silva sejam escassos, é possível visualizar a sua participação no desenvolvimento cultural de Minas Gerais. Foi uma das mais ativas protetoras das artes, construindo salas de espetáculos onde apresentavam-se conceituados artistas da época. Fundou uma escola de pintores, cuja produção pode ainda hoje ser admirada nas igrejas locais. Ajudou na consolidação do Convento de Macaúbas, onde educou nove (9) filhas. De sua família, fez um padre, uma freira, um desembargador e um conceituado naturalista. Financiava alforria de inúmeros escravos. Investiu recursos financeiros na organização da Inconfidência Mineira.

A bibliografia consultada informa que Francisca da Silva era filha da escrava Maria da Costa com o Coronel Rolim. Foi escrava de Francisco da Silva Oliveira e da família Rolim, tendo adquirido o status de alforriada através de João Francisco de Oliveira.

Apesar de bastante fragmentada, a biografia de Xica da Silva registra que quando da volta de João Fernandes para Portugal este levou consigo os filhos homens, deixando em Diamantina, em companhia da mãe, as filhas mulheres. Simão Pires Sardinha, filho do primeiro casamento de Xica, foi para a Europa com João Fernandes, onde recebeu educação esmerada, freqüentando as melhores universidades do velho Continente, chegando a ocupar importantes cargos na Corte portuguesa.

Francisca da Silva morreu em 15 de fevereiro de 1796, aos 70 anos, como uma respeitada matriarca de Diamantina. Deixou 14 filhos, muitos deles personalidades marcantes na vida social e cultural das Minas Gerais do século passado. Segundo historiadores, apenas este desfecho de sua vida já seria suficiente para contradizer a caricatura cruel que se fez dela. Foi uma personalidade totalmente diferente da mulher leviana que se valeu do corpo para subir na vida.

A vida de Xica da Silva, transfigurada pela lenda, inspirou Antônio Callado a produzir a peça O Tesouro de Xica da Silva, em 1959, e foi tema de uma filme brasileiro, Xica da Silva, direção de Carlos Diegues, com Zezé Mota no papel principal.

O resgate de Xica da Silva no ano em que se registra o bicentenário de sua morte justifica-se não só pelo valor histórico que representa, mas também para nortear o questionamento que se coloca na sociedade brasileira hoje quanto à visibilidade dos afro-descendentes. Já é hora dos livros didáticos superarem os capítulos sobre a contribuição do negro e do índio, avançando para registrar a verdadeira contribuição dos afro-brasileiros.

Quando resgatamos Xica da Silva estamos, na verdade, resgatando um sem-número de mulheres e homens excluídos. Portanto, o resgate de Xica da Silva está longe de constituir fato isolado em torno da personalidade histórica. O resgate de Xica da Silva está longe de uma proposta restrita ao universo e à problemática da mulher negra. O resgate de Xica da Silva é muito mais do que isto. É a busca da visibilidade e da transparência da nossa existência enquanto seres humanos, cidadãos, profissionais, pais e mães, mulheres e homens inegavelmente inseridos no contexto nacional, nos seus mais diversos segmentos.

É o respeito aos nossos valores. É o direito à dignidade. É o respeito à diversidade e à diferença que nos une.

Portanto, fica aqui o registro e nossa homenagem a Xica da Silva, uma mulher brasileira que lutou arduamente pela conquista de seu espaço, tanto na política quanto na sociedade de seu tempo.

Esta data é altamente significativa para todos nós. Lembrar e comemorar os 301 anos da morte de Zumbi dos Palmares e os 200 anos da morte de Xica da Silva é importante.

Também não podemos nos esquecer de que a população negra no mundo está sofrendo muito, como na disputa do poder em Ruanda pelas tribos Tutsis e Hutus, que causou o genocídio de 800 mil pessoas, em 1994, e a evasão de mais de 1 milhão de pessoas para o país vizinho - Zaire.

Radicais hutus são acusados pelo genocídio de mais de 1 milhão de tutsis e hutus moderados durante os conflitos em Ruanda.

No momento, segundo a ONU, cerca de 100 mil hutus, em sua maioria, mulheres e crianças, estão regressando para Ruanda.

O envio de tropas da ONU para o Zaire será decidido amanhã em Stutgart, na Alemanha. O Presidente Bill Clinton disse que os Estados Unidos ainda não opinaram sobre o envio de tropas para a região.

O Brasil disse que encara a reunião de amanhã na Alemanha como um encontro militar e será representado por um militar.

O Vice-Presidente de Ruanda disse ter sérias suspeitas de que o envio de tropas internacionais cause uma intervenção em Ruanda. Entretanto, o envio de forças internacionais é defendido pelo Zaire.

Líderes das forças tutsis que controlam o leste do Zaire fizeram manifestações ontem, na cidade de Goma.

André Cassessed, líder rebelde, prometeu derrubar o Presidente Mobutu Sese Seko, no poder desde 1965, e levar o país à democracia.

Médicos Sem Fronteiras afirmam que nas últimas semanas morreram mais de 13 mil refugiados.

A Cruz Vermelha prevê que cerca de 100 mil a 150 mil podem morrer na próxima semana vítimas de cólera e outras doenças.

Boutros Ghali, Secretário-Geral da ONU, defendeu uma posição imediata para que milhares de pessoas sejam salvas do genocídio do momento, provocado pela fome, pela falta de medicamentos e pela falta de água potável.

São essas notícias que neste momento fazem com que eu não esteja totalmente feliz, apesar das importantes iniciativas do Brasil em relação a Zumbi dos Palmares e do resgate que faço desta tribuna da contribuição que Xica da Silva deu à Nação brasileira.

Para mim, enquanto houver a discriminação racial, os conflitos raciais, não é possível ser feliz. Isso vai além da questão da raça; é uma questão da Humanidade. Não podemos nos calar diante de tantos conflitos, de gente destruindo gente. Devemos promover uma ação mais eficaz e radical no sentido de acabar de vez com a fome, com a miséria, com os conflitos mundiais.

Fica também aqui não um protesto, mas uma preocupação, pedindo ao Governo Federal, ao Senhor Fernando Henrique Cardoso -ousado em fazer com que se cumprisse o que determinou o Congresso Nacional, colocando Zumbi como herói nacional -, que tenha um ato mais ousado no que diz respeito ao nosso apoio, para que possamos ajudar sem interferir, não aceitando, de forma nenhuma, o que está acontecendo hoje com a África, com o povo do Zaire.

O Sr. Romeu Tuma - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma - Senadora Benedita da Silva, vim a este plenário para ouvir o pronunciamento de V. Exª a respeito das homenagens que propôs prestar no recinto do Senado no dia de Zumbi dos Palmares. Hoje pela manhã, perguntei sobre Xica da Silva, que está sendo tema de novela. V. Exª, como estudiosa do assunto, poderá nos dizer, no futuro, se os capítulos apresentados estão distorcidos ou representam a verdadeira história de Xica da Silva. Não entrarei no mérito, porque V. Exª é profunda conhecedora da história em relação ao que a raça negra prestou de serviço ao Brasil. Na exposição feita por V. Exª com tanta inteligência e brilhantismo, verifica-se uma mescla que a raça negra tem em contribuição com a História do Brasil. A História do Brasil está mesclada, em várias fases, com a participação de cidadãos da raça negra. Ainda ontem, o Jornal Nacional apresentou um texto - aí a importância de V. Exª nessa tribuna enaltecendo e rememorando fatos históricos - sobre Antônio Conselheiro. A reportagem foi a Arraial dos Canudos - como bem lembra o Senador Jefferson Péres - e lá verificou que nenhuma das crianças do grupo escolar lembrava quem era Antônio Conselheiro e desconhecia a Guerra dos Canudos, onde foram sacrificados 25 mil cidadãos brasileiros no combate final. E V. Exª liga a parte histórica ao sentimento que atinge hoje toda humanidade em relação aos conflitos que ocorrem na África negra. É muito triste para nós, com formação cristã e espiritual, assistir a esse tipo de morticínio, crianças sem comer, sem poder sobreviver, sem saber se amanhã estará viva ou morta, consumida por micróbios e até por animais que também caminham por aquelas estradas, sem opção de alimento a não ser os cadáveres daqueles que morrem pelo caminho ou são assassinados sem explicação. Creio que, ao invés de reunião militar, deveria haver uma reunião humanitária. Há poucos dias, o Senador Osmar Dias, falando sobre segurança alimentar - que é uma iniciativa da ONU - dizia que temos mais de dez anos de projeção para tentar evitar que mais pessoas morram por falta de alimento. Que Deus a ajude a continuar nessa jornada, que V. Exª vem trilhando nesses dois anos em que convivemos nesta Casa.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª. Entendi ser necessário aproveitar a homenagem ao Dia de Zumbi para fazer também uma homenagem a Xica da Silva, até por sabermos que ela é retratada de um lado altamente negativo. Vimos tentando resgatar verdadeiramente o seu lugar na história oficial brasileira: uma mulher que se portou com dignidade na defesa dos interesses de sua raça, da minha raça.

O Sr. Romeu Tuma - De nossa raça.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Exatamente, de nossa raça. É preciso que a sociedade brasileira comece a assumir essa raça, que não é apenas daqueles que têm a pele mais escura. Não é possível que o Brasil miscigenado não reconheça verdadeiramente que a nossa raiz está na Africa, na Africa negra. E é importante quando conseguimos resgatar isso aqui.

Na sessão de hoje pela manhã também tive oportunidade de falar a respeito da reunião de cúpula sobre a questão da fome, que apresentou uma carta de intenção do meu Projeto Segurança Alimentar.

Não temos tido tempo para tratar de certos assuntos daqui da tribuna. Vejo o Senador Pedro Simon sempre se queixando - e com razão - de que determinados temas não são debatidos por não darmos a importância necessária. Tratamos apenas temas que são registrados no cotidiano da imprensa nacional, não vamos a fundo. E é preciso ter uma data especial para que chamamos a atenção para determinados temas. Foi necessária a data de hoje para resgatar esse tema - e há muito eu gostaria de abordá-lo -, mas estava temerosa de que ele não recebesse a atenção devida pelo fato de tratar de um homem e uma mulher negros.

Mas, graças a Deus, durante esta semana, recebemos apoio com a vinda do Jesse Jackson, com a iniciativa do Presidente da República em titular terras, em considerar Zumbi como herói. Então, encorajei-me a fazer este discurso em homenagem a Xica da Silva. Ainda mais quando encontrei com o Senador Romeu Tuma pela manhã e S. Exª perguntou-me o que achava sobre o enfoque dado a Xica da Silva na novela. Respondi-lhe que viesse ao plenário hoje à tarde quando falaria a respeito.

O Senado também é uma escola; onde estou aprendendo e aprimorando os meus conhecimentos. Acredito que tem razão o Senador Pedro Simon quando insiste em dizer que precisamos fazer desta tribuna um local de constantes debates de assuntos de interesse da Nação brasileira.

O Sr. Pedro Simon - Nesta escola do Senado, V. Exª é muito mais professora do que aluna. Normalmente é V. Exª quem está dando aula para nós e nós é que somos seus alunos.

A Srª Marluce Pinto - Concede-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

A Srª Marluce Pinto - Minha nobre colega Senadora Benedita da Silva, é com muito orgulho que ouço seu brilhante pronunciamento. Não nos surpreende, porque conhecemos sua garra desde a época em que fomos colegas na Câmara dos Deputados. Hoje fazemos uma homenagem a Zumbi e uma retratação à imagem de Xica da Silva. E V. Exª fala que precisou que o Presidente da República considerasse Zumbi como herói para que V. Exª subisse a esta tribuna e falasse sobre Xica da Silva, mas eu, que a conheço há mais de 10 anos, sei que V. Exª não precisa se espelhar em qualquer pronunciamento ou atitude para tomar as suas decisões. Tenho certeza de que, independentemente de tudo isso que V. Exª enumerou, a novela não chegaria ao seu final sem que V. Exª subisse a essa tribuna para falar ao Brasil e para todos os brasileiros sobre a realidade da mulher que foi Xica da Silva. Eu mesma, Senadora Benedita, mesmo sem saber de tantos detalhes, nas poucas vezes que tive a oportunidade de assistir a alguns capítulos da novela, já sentia - e falava para minha filha - que a história não retratava a realidade der Xica da Silva. Hoje, mais do que nunca, estou convicta de que estava com razão e repito o que V. Exª falou: esta Casa é uma escola para todos nós. E, embora haja aqueles verdadeiros professores, alguns alunos mais instruídos e mais disciplinados, todos nós fazemos o maior esforço para, no dia-a-dia, aprender um pouco mais. E, com certeza, devemos muito a nobre e ilustre Senadora Benedita da Silva. Não digo isso para agradar, muito pelo contrário, feliz é a raça negra que tem como representante nesta Casa Alta do nosso País uma pessoa da envergadura de V. Exª. Não por V.Exª ter a pele escura, mas porque, realmente, tem uma brilhante atuação como Senadora da República e defende com muita altivez, e muito orgulho até, a raça negra do nosso País e do mundo. V. Exª também se refere aos descalabros que hoje ocorrem na África. Tem razão V. Exª, todos nós, além de sermos brasileiros, somos seres humanos e devemos olhar todos como seres humanos que precisam da nossa assistência, não importa onde vivam, o cargo que ocupam ou a cor da pele que trazem ao nascer. O importante de tudo é o caráter, a dignidade e a honradez do ser humano. E todas essas qualidades, graças a Deus, V. Exª porta com muita dignidade. Era o aparte que gostaria de fazer ao seu pronunciamento, nobre colega Senadora Benedita da Silva.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, nobre Senadora, que, assim como o Senador Bernardo Cabral, também contribuiu para este momento. V. Exª, na Assembléia Nacional Constituinte, também defendeu esses mesmos interesses, que parecem particulares de Benedita da Silva mas são da sociedade brasileira. E como um ser social, como uma mulher comprometida com a causa da justiça e com os direitos humanos, não poderia deixar de dizer que V. Exª contribui sem dúvida nenhuma para este grande momento.

Juntemos nesta data os ideais de Zumbi dos Palmares à grandeza de Xica da Silva, ambos símbolos de resistência e luta por dignidade, para darmos continuidade à luta contra a exclusão social do povo brasileiro.

Zumbi dos Palmares, seu nome é liberdade! Xica da Silva, seu nome é coragem!

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/1996 - Página 18767