Discurso no Senado Federal

HOMENAGENS AO DIA DE ZUMBI DOS PALMARES.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGENS AO DIA DE ZUMBI DOS PALMARES.
Aparteantes
Benedita da Silva, Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/1996 - Página 18773
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, VULTO HISTORICO, MUNICIPIO, PALMARES (PE), ESTADO DE ALAGOAS (AL), LUTA, DEFESA, LIBERDADE, RESGATE, CIDADANIA, GRUPO ETNICO, NEGRO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, minha querida Senadora Benedita da Silva, sabe V. Exª da admiração e do apreço que tenho pelo seu trabalho.

Bastaria a sua presença. Não precisaria nem falar, pois pelo seu andar, sua origem e sua competência, V. Exª veio dar um ar diferente a esta Casa, trazer a nós a responsabilidade de conhecermos o Brasil no seu todo. V.Exª tem um grande mérito, pois não vem de família política, seu pai não foi governador nem senador, V. Exª subiu degrau por degrau e hoje é Senadora da República, é um grande nome nacional, no seu partido e na política brasileira.

E mesmo pelo fato de ter chegado ao Senado, não se acomodou ao ambiente existente aqui e aos temas que tradicionalmente envolvem os nossos debates. V. Exª tem permanentemente chamado a nossa atenção para as dificuldades e os dramas da vida daquele outro Brasil, que é o Brasil que normalmente não chega aos nossos gabinetes, não chega ao gabinete do Governador, do Senador, do Deputado, do Presidente, do Ministro. O Brasil composto de 30 ou 40 milhões de pessoas que passam fome. E me recuso a acreditar, Senador Romeu Tuma, que este dado possa estar certo - V. Exª tem que responder à Nação, com a sua autoridade: o número de brasileiros que não têm nome, que não existem perante a sociedade brasileira atinge a casa dos 60 milhões. É a primeira vez que ouço esse número e essa referência e não consigo acreditar que nosso Brasil tem cerca de 60 milhões de brasileiros sem identidade, que não são reconhecidos, nem no nascimento nem durante a vida.

Senadora, V. Exª tem trazido permanentemente este Brasil para nosso debate. E agora, V. Exª, mulher, mulher negra, a primeira no Senado, traz as questões da raça negra para nossa reflexão.

Sou Senador há muito tempo, há mais ou menos 14 anos, e não me lembro de ter ouvido, com relação a raça negra, os pronunciamentos que V. Exª vem fazendo.

Porque o brasileiro olhava para a África e para os Estados Unidos e, de certa forma, sentia orgulho por não ver aqui coisas do tipo apartheid, negro de um lado, branco do outro; escola para negro, escola para branco; restaurante para negro, restaurante para branco; ônibus para negro, ônibus para branco. Coisas que aconteciam nos Estados Unidos até ontem. No Brasil não havia essas coisas. O Brasil era um país aberto, democrático, onde não havia nenhum tipo de preconceito racial.

A verdade é que os Estados Unidos foram mais rápidos do que imaginávamos. Ainda me lembro das primeiras leis assinadas pelo Presidente Kennedy, determinando que no sul os ônibus tinham que pegar crianças negras e levar para os colégios de brancos e pegar crianças brancas e levar para os colégios de negros. Eu era Deputado estadual e estive lá. E não nego, Senadora, que tenho inveja dos Estados Unidos, um país que cresce e que, com sua agricultura, é dono do mundo. Sinto uma certa inveja, não sei se pecaminosa, mas me lembro muito bem que quando estive lá nos Estados Unidos e vi aquilo virei-me para minha mulher e disse: "Isso não acontece no Brasil." Mas, na verdade, os Estados Unidos se adaptaram mais rápido do que imaginávamos.

E lá na África do Sul, está o Sr. Mandela presidindo o país. Talvez a figura lendária mais linda e mais positiva que temos hoje no mundo é a do Presidente da África do Sul.

E aqui no Brasil, infelizmente, as coisas não são como imaginávamos. Há a célebre piada do brasileiro que ao ver o preconceito racial nos Estados Unidos dizia: "Não, no Brasil não tem nada disso. No Brasil o negro sabe qual é o seu lugar". Na verdade, quando se vêem os números relativos aos percentuais de negros e brancos na universidade, os percentuais de negros e de brancos na cadeia, o percentual de negros e brancos pedindo esmolas, nos asilos, sentimos, dramaticamente, que há sim cruel injustiça social com relação à raça negra. Não há dúvida nenhuma de que isso é uma triste realidade.

Foi preciso V. Exª chegar aqui para atingirmos o âmago da questão e para começarmos a alterá-la. Zumbi hoje é herói nacional. V. Exª tem esse mérito. Quanto V. Exª apresentou o projeto, muita gente ironizou, debochou, dizendo: "Só faltava esta: Zumbi ao lado do Duque de Caxias, Zumbi ao lado de Tiradentes". Mas V. Exª conseguiu. Pela unanimidade do Senado, pela unanimidade da Câmara, um grande gesto do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e escrevemos hoje o nome de Zumbi no livro dos heróis nacionais.

Quero apenas dizer que olhando para a frente e vendo o significado de uma figura como Zumbi dos Palmares, entendemos que se fala em Zumbi como se fala nos inconfidentes ou como se fala em Xica da Silva. A história, minha querida Senadora, só escreve a versão dos vencedores. Até na biografia, no dia em que se estudar a história de muitos países, de muitas guerras se haverá de verificar que nem sempre os vilões foram tão vilões, nem sempre os heróis foram tão heróis.

Eu era estudante da Faculdade de Direito, presidente do centro acadêmico, quando me convidaram para uma excursão da faculdade a Assunção, Capital do Paraguai, a convite da Faculdade de Direito daquele país. Lá pelas tantas, Sr. Presidente, estava prevista uma homenagem ao túmulo de Solano López, um mausoléu, um panteão. Quando cheguei ali, todo encabulado, porque eu estava no primeiro ano do curso de Direito e ainda havia aquela história que dava conta de Solano López como tirano, percebi que havia uma corbelha de flores para ser colocada no túmulo. Eu não queria colocá-la, porque eu tinha falado muito mal dele. O Embaixador do Brasil me advertiu que eu não criaria um atrito entre Brasil e Paraguai e por isso deveria colocar a coroa. Quando entrei lá e coloquei a coroa, vi uma placa enorme da Marinha do Brasil ao maior herói da América Latina, que se chamava Solano López.

Verificamos depois que, na verdade, foi uma crueldade o que se fez ao povo do Paraguai, quando, a serviço dos ingleses, Brasil, Argentina e Uruguai enviaram tropas; e muitos negros, muito negros tiveram que ir: ganhavam a liberdade em troca de morrer na guerra. Por isso digo que agora se está começando a esclarecer essa história; agora se está começando a conhecer um lado da história que faz parte da nossa raça.

Digo que aprendemos a amar o índio, e é justo isso. Foi cruel o que o mundo fez com os indígenas. Foi cruel o que os portugueses e os que vieram aqui fizeram com os nossos índios. Eles estavam aqui e em muito lugares como sabemos. Tive ocasião de conhecer sobre os astecas, no México; a cultura deles era superior à dos espanhóis que estavam chegando; a civilização deles, o grau de capacidade, de competência e de conhecimento era muito superior à dos aventureiros espanhóis que estavam chegando.

Os indígenas lutaram no Brasil; perderam, é verdade, mas a Igreja Católica deu uma ajuda para eles. Conheço a história, uma experiência talvez das mais lindas que se conhece, que é a dos Sete Povos das Missões, no Rio Grande do Sul: os jesuítas reuniram os indígenas e criaram uma espécie de solidarismo, comunismo, socialismo, seja o que for, onde todos moravam juntos, todos trabalhavam juntos, todos viviam juntos, e todos avançavam. Uma forma fantástica de organização daquela sociedade que os espanhóis e os portugueses se uniram para destruir. Assim os indígenas tiveram a presença da Igreja. Os negros, não; o negro era escravo e era considerado natural para toda a sociedade que o negro fosse escravo.

Zumbi, herói nacional. De certa forma, o projeto de V. Exª é um marco novo na nossa história. Quero dizer a V. Exª que, quando V. Exª diz "a minha raça é a raça negra", penso que o Brasil, para continuar, para chegar ao lugar em que deverá chegar, temos de falar em raça brasileira e sua miscigenação. Lá no Rio Grande do Sul temos muito disto: índio, português, alemão, italiano e negro se miscigenaram. Um deles chegou a Governador do Estado, o extraordinário Governador que foi Alceu Collares, descendente de negro. Acho que é real, acho que existe essa perspectiva de somarmos em nossa nomenclatura, nossa vida, nossa origem o branco mais o negro, mais o indígena. Essa miscigenação dará um tipo da raça brasileira que, não tenho dúvida, tem grandes aspectos positivos.

Durante muito tempo espalhou-se no Brasil a idéia de que o branco é que era competente e que o negro era indolente, não tinha capacidade, nem vontade para o trabalho. Triste crueldade injusta. Todos precisam da chance para verificar o que está acontecendo. No Nordeste, durante muito tempo se falou que a mão-de-obra não tinha capacidade, porque o nordestino, negro, era incapaz para o trabalho. As fábricas do Sul que estão indo para o Nordeste, para Ceará e Bahia, estão se surpreendendo com a competência e a capacidade de sua mão-de-obra. Pessoas como os nordestinos, que nunca trabalharam em calçados, por exemplo, que é artesanal, até artístico, estão aprendendo com rapidez espantosa e levando a questão adiante.

Acho, Sr. Presidente, que o Brasil deve caminhar para essa integração, e o papel da Senadora tem sido da maior importância. Penso que V. Exª foi muito feliz ao provocar a Senadora, porque, na verdade, foi uma provocação de V. Exª. A novela está aí e não é a primeira, já é a segunda ou terceira. E foram feitos vários filmes. E pelo que sei é a primeira vez que temos uma defesa, uma interpretação de Xica da Silva como a que fez V. Exª.

Baseado nisso é que digo que tenho um projeto para irmos até o Presidente da República, que agora está dando dinheiro - dinheiro grosso - para o cinema nacional. E temos que fazer com que o Presidente dê dinheiro basicamente para que o Brasil conheça o Brasil.

Como foi dito aqui por V. Exª, Sr. Presidente, não sei se em um aparte, em relação a Antônio Conselheiro, que ali não conhecem Antônio Conselheiro, porque não tiveram chance. E não tiveram chance porque não se contou a história do vencido.

Se o Governo está dando apoio ao cinema nacional, se está dando dinheiro para as filmagens, que faça com que filmes sejam feitos contando a história do Brasil, contando versões e fatos da história brasileira, para que conheçamos a nossa Pátria.

Sou um otimista com relação ao cinema nacional. Ele já foi bom! Fracassou, porque não teve apoio. A França e a Itália, durante muito tempo, foram dois grandes produtores de filmes. E a França baixou um projeto, tem uma lei, determinando o número de dias que os cinemas têm que exibir filmes franceses ou europeus, porque a lavagem cerebral, o avanço do cinema americano não acontece somente no Brasil, está lá também. Por isto não podíamos concorrer.

O Governo brasileiro, a partir da revolução, não deu nenhum dinheiro para auxiliar o cinema brasileiro, que tinha que concorrer com uma montanha de filmes americanos que chegavam aqui.

Hoje isso vai mudar. Uma das grandes questões que merecem respeito no Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso, na gestão do atual Ministro da Cultura, é essa destinação de verbas e de auxílio para a cultura, teatro e cinema, principalmente.

Volto a repetir, no cinema e na televisão, o Governo deve apoiar filmes que retratem nossa história, que tenham um conteúdo de veracidade, que digam ao povo brasileiro quem foram os seus heróis, quem foram as pessoas e o significado que têm.

Repito para V. Exª: respeito-a por subir a esta tribuna e falar em defesa da sua raça, a raça negra. Que bom, querida Senadora, se os nossos filhos puderem começar a falar; se no terceiro milênio, que começa ali adiante, estivermos iniciando o milênio em que aparecerá a raça brasileira, em que a miscigenação será real, em que não tenhamos dois Brasis: o de 60 milhões que não existem, o dos 40 milhões que passam fome; o daqueles que tudo têm e o daqueles que nada têm. Para mudar isto, nós temos que ter miscigenação, temos que ter entendimento e oportunidades iguais para todos.

Que bom o pronunciamento que V. Exª fez, hoje, aqui. Que bom esta quinta-feira em que estamos aqui e V. Exª traz esta matéria para debate. Que bom que nós estejamos atentos à responsabilidade que existe com relação a isso. Afinal, nós somos representantes da Federação, do povo brasileiro, da nossa gente.

E se esperamos 300 anos para que se fizesse de Zumbi o herói nacional, nós não podemos esperar muito tempo para fazer do povo brasileiro o dono da nossa Pátria, o herói da nossa cidadania. V. Exª merece o nosso apoio, o nosso carinho e o nosso respeito. V. Exª luta pela raça negra. V. Exª luta pelos favelados e pelos injustiçados do Rio de Janeiro. V. Exª luta pelas causas dos injustiçados, das minorias oprimidas. V. Exª nos alerta.

Eu sou católico. Na missa de domingo passado, o padre leu, no sermão, o Evangelho de São Mateus que se referia à distribuição dos talentos entre os empregados de um determinado senhor. Ele foi viajar, a um deixou 10 talentos; a outro, 5, e a outro deixou 1. Quando voltou, exigiu que prestassem contas. O que tinha 10 talentos trabalhou e devolveu os 10 e mais 10. O que tinha 5, trabalhou e deu 5 e mais 5; o que tinha recebido um, escondeu esse um e depois disse para o chefe que o tinha guardado, porque ele era muito duro, muito difícil, muito enérgico e ele tinha ficado com medo. E devolveu um. E Cristo disse que esse era um servo mau, porque a cada um será cobrado de acordo com o que recebe. Quem recebeu mais terá que prestar mais contas e quem recebeu menos terá que prestar menos contas.

Senadora, quando tivermos que prestar contas a alguém, quantos talentos nós diremos que recebemos? Quantos talentos recebemos nós, que estamos no Senado da República representando o povo brasileiro? Quantos talentos recebemos nós que podemos mudar a Constituição, mudar o orçamento, mudar a sociedade e alterar tudo o que está aí? O que fizemos, Senadora? Qual é a parte que fizemos? Qual é a prestação de contas, nobre Senadora? Cada um tem que fazer a sua parte: o operário da favela tem que trabalhar, tem obrigação de ajudar a sua família. Às vezes, o operário da favela do Rio de Janeiro não sabe onde está o pai, a mãe, que foram mortos em alguma investida policial. Na busca de um bandido mataram um homem de bem, e ele é criado na rua.

O que se poderá cobrar dessa gente? O que se poderá cobrar dos 30 milhões de brasileiros que passam fome? Agora, de nós, de um nobre Senador do Mato Grosso, de mim, podem cobrar muito. Fizemos faculdade, estudamos, nossos filhos não sabem o que é passar fome. Estamos aqui, no Senado da República, temos um belo apartamento, um bom salário, boas oportunidades - estamos muito melhor. Vão cobrar, nobre Senadora, muito mais de nós do que dos Deputados.

Um Deputado - são mais de 500 - para falar 3 minutos tem que acordar de madrugada e se inscrever no pinga-fogo. Conheço Deputados com vontade, com garra, disposição e competência, mas que não têm condição de falar. Quando cobrarem de um Deputado o que ele fez, ele poderá até responder que não teve chance.

Mas nós, Srs. Senadores, minha querida Senadora, estamos aqui em uma quinta-feira - ainda não é sexta-feira hoje -, e é a segunda vez que isso ocorre, pois ocorreu na quinta-feira passada. Espero que não se esteja querendo começar a mudar a sessão de quinta-feira para o período da manhã, passando a sessão de quinta-feira à tarde a ser não-deliberativa.

Espero, Presidente José Sarney, que não se esteja criando um precedente. Nós vamos embora. Mas a quinta-feira continua, com tempo à disposição. Tanto que o Presidente está sendo tolerante, porque são poucos os inscritos. Amanhã, até marquei, é uma sexta-feira. Nós, Senadora Benedita, somos mais responsáveis e culpados do que os Deputados, porque o Deputado pode pronunciar-se. Para eu falar no horário do pinga-fogo, eu gastava de dois a três minutos e já apertava a campainha, porque havia uma fila atrás de mim esperando para falar. Nós, aqui, estamos calados, quietos.

Não nego; eu nem sabia que iria ter a reunião de hoje, Senadora Benedita da Silva, quando, de repente, tomei conhecimento de que V. Exª vinha para a tribuna. Fiquei para ouvir o assunto que V. Exª abordaria e resolvi inscrever-me. Improvisado? Sim, improvisado; despreparado? Sim, despreparado. Mas falo do fundo do coração, porque entendo que esse é um grande momento do Senado. É um grande momento porque Zumbi é um herói nacional; é um grande momento pelos projetos que V. Exª salientou, de sua autoria e da do Presidente da República, no sentido do estabelecimento da igualdade racial. Mas é um grande momento, porque V. Exª fez com que, nesta data, esse assunto chamasse a atenção do Senado Federal.

Quando fui à Mesa, perguntei quem estava inscrito. Responderam-me que era apenas a Senadora Benedita da Silva. Pedi, então, que incluíssem o meu nome.

Estou aqui para prestar, em nome do Senado, a minha homenagem muito carinhosa a V. Exª.

O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Pois não.

O Sr. Bernardo Cabral - Eu gostaria que a Senadora Benedita da Silva esclarecesse ao Plenário que S. Exª está inscrita sozinha, porque, ainda hoje, pela manhã, o nobre Senador Antonio Carlos Magalhães e eu dissemos a S. Exª que ela falaria por todos nós. Essa é a razão de não nos havermos inscrito. Era o que eu queria esclarecer a V. Exª, nobre Senador, para não fazer injustiça com os demais.

O SR. PEDRO SIMON - Em primeiro lugar, não me passou pela cabeça fazer injustiças. A injustiça é contra mim, pois eu nem sabia da reunião de hoje. V. Exª está dizendo que tinha conhecimento da reunião e que tomou providências nesse sentido. Fui um lapso total.

A Srª Benedita da Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Concedo o aparte à nobre Senadora Benedita da Silva com muito prazer.

A Srª Benedita da Silva - Nobre Senador Pedro Simon, V. Exª, sem dúvida nenhuma, tem sido, somado aos demais Pares, um dos grandes Senadores. Preparado e competente, V. Exª tem abordado, dessa tribuna, qualquer tema com muita propriedade. V. Exª está sendo humilde neste momento, mas quero ressaltar que todos nós nos orgulhamos da sua presença nessa tribuna, ainda que seja, em determinados momentos, para criticar. É muito bom ouvi-lo. V. Exª, com brilhantismo, está prestando uma homenagem a Zumbi dos Palmares - e por que não dizer, à Xica da Silva - com um conhecimento profundo da matéria. V. Exª, há muito, vem solicitando que haja esse momento de debate na vida nacional. Esse é um tema que verdadeiramente merece e está merecendo a atenção deste Plenário. V. Exª, então, achou por bem inscrever-se e falar a respeito do assunto. Quero dizer-lhe, complementando um dos argumentos levantados, que é preciso mais compromisso com a comunidade afro-brasileira. Penso exatamente como V. Exª: oxalá chegue o dia em que não se tenha que ocupar a tribuna nem para falar das questões raciais, nem das questões sociais, mas para falar da natureza e da beleza das pessoas, dada a sabedoria que Deus distribuiu entre nós. Lamentavelmente, existe a desigualdade social, e V. Exª tem de ir à tribuna para falar sobre a matéria; existe a discriminação racial, e V. Exª está na tribuna para manifestar-se a respeito. Da mesma forma que V. Exª, aguardo o dia em que o tema seja restrito à raça brasileira. Para isso, é preciso mais uma iniciativa, que irá contribuir para a formação de uma sociedade pluralista, igualitária: é a presença visível do negro. A ausência do negro faz com que ele perca verdadeiramente a sua identidade. Por exemplo, não existem generais negros; não existem negros na gerência de bancos; não existem diplomatas negros, nem um embaixador sequer! Como poderemos chamar a atenção para determinadas situações, se nem temos condições de dar visibilidade a essas pessoas que contribuem com a sociedade brasileira? Por isso, V. Exª, com muita propriedade, está abordando desta tribuna um tema que considero importante para a Nação brasileira. Tenho certeza de que, enquanto houver pessoas como V. Exª, como o Senador Bernardo Cabral e como o Senador Antonio Carlos Magalhães, que também mostraram interesse pela matéria, certamente estaremos contribuindo para a chegada do grande dia da raça brasileira. Muito obrigada.

O SR. PEDRO SIMON - Agradeço muito o aparte de V. Exª.

V. Exª traçou um quadro realmente duro, quando diz que não há generais negros, nem Ministros de Tribunais ou qualquer outra alta autoridade. Mas estamos começando a mudar essa realidade.

No meu Estado, fizemos um prefeito da capital e um governador negro. Em São Paulo, temos um prefeito negro e, no Espírito Santo, tivemos um governador. Aqui, no Senado, temos a brilhante presença de V. Exª. Estamos começando de cima para baixo. Mas, na verdade, V. Exª tem razão.

O mesmo ocorre com a questão da mulher. Quando apresentei aquela emenda da qual as mulheres riram, eu estava falando sério. Quando o nobre Senador Bernardo Cabral, que além de Senador é o nosso grande jurista, verificou a emenda que exigia a presença feminina em 20% das vagas dos partidos, S. Exª disse que era totalmente favorável. Mas pensava que essa decisão seria inconstitucional, porque feria o espírito da Constituição, que diz que todos são iguais perante a lei. Eu disse, então, que iria apresentar a minha emenda: ambos os sexos deveriam preencher no mínimo 20% das vagas. Apresentamos a emenda e ela foi considerada inconstitucional - ficamos com a garantia de que, daqui a 20 anos, não poderiam apresentar uma emenda excluindo os homens, porque as mulheres iriam tomar conta! Dessa forma, estaríamos fazendo a emenda para vocês e garantindo o nosso futuro.

Não sou tão velho! Na faculdade de Direito em que estudei, fins da década de 50 e início da de 60, havia três mulheres. Recentemente, fui paraninfo na formatura do meu filho e verifiquei que três quintos dos formandos eram mulheres. A média de mulheres na Universidade do Rio Grande do Sul é de 60% ou 65%. No último concurso para a Magistratura do Rio Grande do Sul, os quatro primeiros lugares foram das mulheres. No Rio Grande do Sul, hoje, mais ou menos 35% dos promotores e magistrados são mulheres. As mulheres estão avançando. Nunca tivemos - nós, os gaúchos - uma representante federal nem no Senado, nem na Câmara. De repente, temos uma Senadora, a brilhante Senadora pelo Rio Grande do Sul, Emilia Fernandes, e duas mulheres Deputadas Federais.

Isso tem que se estender à raça negra. Qual é o percentual de negros na universidade brasileira? Qual é o percentual de negros que fazem concurso para o Banco do Brasil e que têm chance de chegar lá? Qual o percentual de negros que têm chance de fazer concurso para o Itamaraty? Qual o percentual de negros que têm chance de avançar na sociedade nacional? Isso é motivo de vergonha nacional. Por outro lado, os negros são maioria nos cárceres, os negros são maioria nos casos de crianças abandonadas que depois morrem, os negros são maioria nas favelas. Os negros praticamente não existem em certos setores da sociedade brasileira. Estamos enganados se imaginamos que vamos avançar, que o Brasil será um grande país, se todos não avançarmos juntos, se todos não crescermos juntos.

Peço desculpas pelo tom em que o fiz, mas encerro este pronunciamento, dizendo que me sinto muito feliz em estar nesta sessão, Senador Romeu Tuma, presidida por V. Exª e solicitada pela Senadora Benedita da Silva, autora do requerimento, que hoje proferiu o grande pronunciamento, o oficial.

Sinto-me bem por ter deixado vir à tona alguns sentimentos que tenho dentro d'alma e que refletem o que vejo e sinto quando ando pelas ruas e estradas do meu Estado. Penso que às vezes seria bom que não ficássemos apenas na luz indireta, no tapete vermelho e azul, na beleza do ambiente, Sr. Presidente; seria bom que fechássemos os olhos e lembrássemos das caminhadas que fizemos pelas nossas cidades, encontrando as pessoas que nos deram seu voto, que nos receberam, que nos olharam nos olhos, sorrindo, na expectativa de que ajudaríamos a mudar seu destino.

Quem de nós pode dizer que realmente tem tentado ou tem feito isso? V. Exª, Senadora Benedita da Silva, pode dizer que não só tem tentado, mas tem conseguido. Meus cumprimentos, Srª Senadora.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/1996 - Página 18773