Discurso no Senado Federal

PERVERSIDADE DO PROGRAMA DE DESLIGAMENTO VOLUNTARIO DE SERVIDORES CIVIS DO PODER EXECUTIVO FEDERAL, LANÇADO ATRAVES DA MEDIDA PROVISORIA 1.530, DE 1996, RESSALTANDO, AINDA, AS INCOERENCIAS DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

Autor
Josaphat Marinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Josaphat Ramos Marinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.:
  • PERVERSIDADE DO PROGRAMA DE DESLIGAMENTO VOLUNTARIO DE SERVIDORES CIVIS DO PODER EXECUTIVO FEDERAL, LANÇADO ATRAVES DA MEDIDA PROVISORIA 1.530, DE 1996, RESSALTANDO, AINDA, AS INCOERENCIAS DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Francisco Escórcio, Osmar Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/1996 - Página 18937
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, NELSON MARCONI, DIRETOR, MINISTERIO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO (MARE), PUBLICAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CONVENIENCIA, DEMISSÃO, VOLUNTARIO, AVALIAÇÃO, CUSTO, RETORNO, RECURSOS, INDENIZAÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO.
  • CRITICA, INCOERENCIA, PROCEDIMENTO, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, DESEMPREGO, DEMISSÃO, FUNCIONARIO PUBLICO, SIMULTANEIDADE, PAGAMENTO, DIVIDA, REDE FERROVIARIA FEDERAL S/A (RFFSA), LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTENCIA (LBA), BANCOS.

O SR. JOSAPHAT MARINHO (PFL-BA. Pronuncia o seguinte discurso. ) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Governo Federal começou, no dia 21 último, a execução do Programa de Desligamento Voluntário dos servidores públicos. Foi o eufemismo que usou para, na verdade, demiti-los.

Um Governo que não estima o regime de planejamento, no caso do afastamento dos servidores públicos previu tudo: as diferentes categorias de servidores, o tempo de serviço, os salários percebidos e até o prêmio a quem se antecipar na adesão, como se costuma dizer, ao projeto. Na verdade, prêmio a quem mais se submeter à injustiça oficial.

Segundo declarações dos órgãos do Governo e da imprensa, são esperados afastamentos que podem variar entre 16 e 30 ou 32 mil funcionários. As vantagens prometidas podem variar entre R$20 mil e R$30 mil ou um pouco mais.

Para evitar que aderissem livremente ao Plano, o Governo excluiu os que lhe pareceram conveniente excluir. Vale dizer, o plano vai atingir os funcionários de menor categoria. Os mais qualificados, os que mais percebem, os de posição mais alta, são excluídos.

Escrevendo em torno do assunto, o Sr. Nelson Marconi, que é Diretor de Carreiras e Remuneração do Ministério da Administração, dá esta informação. Primeiro, diz que as alternativas são atraentes, ou seja, considera conveniente o convite ao desemprego. Ao lado disso, acrescenta:

      "A economia gerada pelo programa dependerá, logicamente, do número de servidores que aderirem. Segundo nossas avaliações, entre 16 mil e 32 mil servidores deverão optar pelo desligamento voluntário do serviço público federal."

E tenta avaliar numericamente o que vai acontecer:

      "Estima-se, a partir desses números, que o custo relativo ao pagamento das indenizações se situará no intervalo entre R$425 milhões e R$850 milhões, e a economia anual gerada atingiria entre R$211 milhões e R$422 milhões, o que implicaria no retorno dos recursos aplicados no programa em, aproximadamente, dois anos."

Enquanto o Governo anuncia esses números, - e digo o Governo porque a palavra é de um Diretor do Ministério da Administração, - a título de economia, os jornais noticiaram, sem contestação, que o Governo acaba de assumir a responsabilidade do pagamento de R$1,5 bilhão de dívida da Rede Ferroviária Federal e da Legião Brasileira de Assistência com a Previdência Social. Veja esta desproporção: ao longo de dois anos o Governo poderá obter em retorno um valor, talvez, de R$900 milhões, mas desde já assume a responsabilidade de pagar dívidas de R$1,5 bilhão.

Pergunta-se: onde está a coerência do Governo? Não pode manter modestos funcionários no serviço, a título de economia, porém, pode assumir, entre outras, a responsabilidade do pagamento de dívida de mais de 1 bilhão de reais? E não é só. Ainda na semana finda, este Senado votou projeto pelo qual o Governo assume a responsabilidade do pagamento de custos excedentes resultantes da construção e operação de usinas hidrelétricas. Repita-se a indagação. Onde está a coerência do Poder Federal? Como justifica, moralmente, que faça sair, por um artifício visível do serviço público, servidores, no momento de graves dificuldades para a economia do País, ou, dizendo melhor, para a recolocação dessa mão-de-obra e assume o dever de pagar tais excedentes?

O Sr. Francisco Escórcio - Senador Josaphat Marinho, me permite um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Pois não, V. Exª tem o aparte.

O Sr. Francisco Escórcio - Desculpe-me interromper o pensamento tão lógico, tão brilhante do nobre Senador.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - É um prazer receber o seu aparte, nobre Senador.

O SR. Francisco Escórcio - Muito obrigado, Senador Josaphat Marinho. Se examinarmos os números que V. Exª está nos traz, verificaremos que existe uma injustiça muito grande. Os funcionários públicos, há mais de dois anos, não sabem o que é ter reajuste. Em compensação, V. Exª nos apresenta números com os quais não podemos ficar satisfeitos. Eu, que pertenço a um Partido que dá sustentação ao Governo, não poderia deixar de falar sobre isso e de alertar o Governo para o fato de que os tecnocratas estão fazendo coisas que prejudicam a imagem do próprio Governo. Não posso ficar calado diante disso. Ninguém pode calar-se diante de um plano desse tipo, em que o tecnocrata não levou em consideração o social. O que isso pode trazer a inúmeras famílias deste País? Sei que V. Exª está muito preocupado com o lado social. Na sexta-feira passada, fiz um pronunciamento, no qual chamava a atenção do Governo para esse aspecto. Era o que tinha a dizer, Senador Josaphat Marinho. Muito obrigado pelo aparte que V. Exª me concedeu.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Nobre Senador Francisco Escórcio, agradeço-lhe o aparte. Sobretudo, saliento a particularidade, a que se refere, da preocupação que se deve ter com o social. Esta é a preocupação que me traz à tribuna. Não me agrada nela encontrar-me para condenar o Governo, inclusive, porque também sou membro de um Partido que o apóia. Eleitor do Presidente Fernando Henrique Cardoso, estimaria aqui me encontrar para elogiar os atos do Governo pelo bem-estar coletivo. Dele, entretanto, tenho divergido, e também o faço sem constrangimento, pelo que me tem parecido os erros cometidos, como no caso.

O Governo prevê que de 16 a 32 mil funcionários poderão desligar-se do serviço, sob a pressão do programa organizado. Sabe o Governo, sabem os seus Ministros que esses funcionários são condenados ao desemprego.

Ao mesmo tempo em que o Governo força o desligamento de servidores, as empresas privadas demitem em quantidade. É de salientar-se que o fenômeno se verifica, e em grandeza crescente, no Estado mais desenvolvido e com maior poder industrial da Federação, que é o Estado de São Paulo. Isso significa que não há, normalmente, possibilidade de colocação dessa mão-de-obra expulsa do serviço público.

Parte dela buscará, de certo, nova atividade. Com que recursos? Com recursos que variarão de R$20 mil a R$30 mil ou um pouco mais, ou seja, com valores que não bastam para a organização de modestas atividades negociais.

De outro lado, há os que, habituados ao serviço público, terão dificuldade de adaptar-se a nova atividade, e uns e outros encontraram a dificuldade da retração econômica dominante, ao longo de todo o território nacional.

O Governo, portanto, está concorrendo para o aumento dos desempregados no País. Ao contrário do que a Administração esperava, pelo menos nos primeiros momentos, a adesão tem sido fraca, segundo revelam os jornais. Mas o Governo, amedrontado de certo com a limitação dos que vêm aderindo ao plano de expulsão, já está se dirigindo aos demais ministérios para observá-los que não podem criar dificuldades aos que pretenderem aceitar o desligamento voluntário; quer dizer, o que formalmente é voluntário o próprio Governo se incumbe de demonstrar que não o é, que é obrigatório, pois está impedindo que os outros Ministérios, ainda que possam ter razões justificáveis, criem dificuldades à aceitação dos desligamentos.

O Sr. Osmar Dias - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - V. Exª tem o aparte.

O Sr. Osmar Dias - Nobre Senador Josaphat Marinho, cumprimentando-o pela felicidade e pela oportunidade do pronunciamento de V. Exª, gostaria de acrescentar mais um exemplo da incoerência. O noticiário da manhã nos traz uma outra incoerência: a negociação que praticamente se concretizará nesta semana, para uma solução do caso do Banespa. O Governo encontrará recursos suficientes para o Banespa ou pelo menos abrirá mão de recursos ao longo de trinta anos, com juros de 6% ao ano. Isso não ocorre quando alguém tenta introduzir um negócio para gerar empregos, porque aí, sim, a taxa de juros é muito mais alta. Fiquei perplexo ao ver que haverá um acordo esta semana, com a participação do Ministro Pedro Malan, para uma solução definitiva do caso do Banespa, em que o Governo vai assumir 80% da dívida daquele banco e em o Governo do Estado de São Paulo dará as garantias que o Senado contestou durante a aprovação daquele acordo anterior, que não foi depois concretizado. A soma da dívida do Banespa está próxima a R$21 bilhões, um valor infinitamente superior à economia que esse programa gerará. Quando fui ao Ministro da Agricultura pedir a liberação de R$150 milhões de empréstimo para aquisição 1 milhão de toneladas de trigo - e, dessa forma, livrar o mercado nacional da pressão de preços abaixo, que está inviabilizando mais de 200 mil produtores de trigo no País, o que significa também desemprego -, ouvi como resposta que o Governo não tem recursos. Essas incoerências, Senador Josaphat Marinho, é que nos traz indignação e, com certeza, a indignação da sociedade também. Esperamos que o Governo possa ainda rever essas posições que vem assumindo, indignando grande parte da sociedade, principalmente aqueles que, no setor produtivo, querem produzir e sobretudo gerar empregos. Se o grande desafio do Plano Real é enfrentar o desemprego, não é esse o caminho, com certeza, para enfrentá-lo. Agradeço o aparte que V. Exª me concedeu.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Eu é que lhe agradeço a intervenção, em que V. Exª acentua com tanto mais propriedade o desconcerto do procedimento do Governo, quanto salienta esse aspecto: para salvar bancos em dificuldades ou a caminho da falência, não falta dinheiro. Entretanto, recursos não há para manter nos serviços modestos funcionários que hoje se encontram desestimulados, como demonstra aquele Diretor de Administração do Ministério, no documento a que me referi e que foi publicado na Folha de S. Paulo, é porque recursos não são dados devidamente para o desenvolvimento dos serviços. Trata-se de uma contradição não apenas flagrante, mas dolorosa. Dificuldades não experimenta o Governo para salvar estabelecimentos bancários que entraram em dificuldade por motivos diferentes, pelos quais não deve responder o Serviço Público.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

Tentarei terminar, Sr. Presidente, já que V. Exª me adverte de que o tempo está esgotando-se.

O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte? Com a anuência do Presidente, serei breve.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Ouço V. Exª, Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Josaphat Marinho, tenho acompanhado a sua atuação na vida pública também por meio da imprensa e sei da sua posição sobre o problema da estabilidade; se não fosse ousadia, diria que a minha é a mesma, portanto, estou em boa companhia. Na época da Assembléia Nacional Constituinte, houve um Governador que, movido por boas intenções, tentou convencer o Relator - este admirador que fala diretamente a V. Exª - de que o ideal seria colocar na Constituição um texto que permitisse a demissão dos funcionários relapsos, faltosos e improdutivos. Eu o adverti de que se isso, por um lado, era salutar, deixaria nas mãos dos Governadores e dos Presidentes da República - quaisquer que fossem eles, atuais ou futuros - a possibilidade de demitirem, com essa desculpa, os outros funcionários que são rigorosamente sérios. Quando o funcionário ingressa por concurso público ou qualquer outra forma, a regra do jogo que ele conhece é a da estabilidade, um instituto criado para protegê-lo. Veja V. Exª, com o fio condutor filosófico do seu discurso, como o Governo lamentavelmente está errado. É deplorável que, não só sob o ângulo técnico-jurídico, mas também sob o ângulo administrativo, social, ou qualquer outro que formos examinar, o Governo esteja tão mal-assessorado. Cumprimento V. Exª pelo seu pronunciamento.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Como V. Exª há de estar observando, nobre Senador, a prudência do legislador não corresponde à ação do Poder Executivo, que não encontra limites para suas decisões contrárias aos servidores públicos em geral. Parece mesmo que o atual Governo da República fez do servidor público um vilão que está respondendo por todos os vícios, por todas as dificuldades por que passa a República.

Mas, o Governo não nos explica devidamente por que aumenta o déficit público. Não será por meio dessa minúscula redução de despesa que o Governo equilibrará as suas contas. Não há, porém, explicação, nem devemos esperá-la.

Por isso, causou-nos surpresa quando um eminente Senador desta Casa, e do meu partido, o Senador Odacir Soares, declarou que o plano do Governo foi inteligente. Antes de ser inteligente, foi perverso. É um plano de desemprego que atingirá centenas ou milhares de pessoas porque a cada servidor que ficar desempregado e sem possibilidade de obter trabalho regular serão atingidas as pessoas que sob a dependência dele vivem.

Sr. Presidente, ainda há um aspecto sobre o qual V. Exª me permitirá, quase que a concluir, chamar atenção: é que o Governo não se limita a demitir, sob o artifício de desligar; está submetendo os Estados a pressão, para que adotem a mesma atitude, para que tenham o mesmo procedimento desumano. A Imprensa toda tem repetido, sem nenhum impugnação, que o Governo estabeleceu como uma das condições para negociar com os Estados, para livrá-los de dificuldades, a exigência de que também reduzam o número de seus servidores aplicando procedimento semelhante. Não contente em expelir do serviço seus servidores, o Governo, desobedecendo ao princípio federativo da autonomia dos Estados e dos Municípios, a uns e outros impõe também a medida injusta da demissão voluntária.

Observe-se hoje o que está acontecendo. O Governo, por intermédio do Ministério da Administração, está advertindo os outros Ministérios para que não criem facilidades para a permanência de servidores no Serviço Público. Todos hão que promover drasticamente o programa de desligamento.

Sr. Presidente, agradeço-lhe a bondade da tolerância do tempo. Saliente-se que para o Governo de um sociólogo, que deve estar atento aos problemas sociais, não é edificante praticar injustiça dessa extensão.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/1996 - Página 18937