Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM PELOS 100 ANOS DO INICIO DA GUERRA DE CANUDOS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM PELOS 100 ANOS DO INICIO DA GUERRA DE CANUDOS.
Publicação
Publicação no DSF de 27/11/1996 - Página 18983
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, GUERRA, ESTADO DA BAHIA (BA), LIDERANÇA, ANTONIO CONSELHEIRO, LIDER, CRENÇA RELIGIOSA, DEFESA, POSSE, TERRAS, POVO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discuso. Sem revisão da oradora) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderia deixar de associar-me às manifestações do Senador Lúcio Alcântara.

A Guerra de Canudos, que aconteceu entre 1896 e 1897, visou acabar com a "cidade santa", construída por Antônio Conselheiro, um arraial situado no nordeste da Bahia, às margens do rio Barris. Os fatos que envolveram aquele período tiveram repercussão nacional e foram tema do livro de Euclides da Cunha Os Sertões, um clássico da literatura brasileira.

Segundo Euclides da Cunha, que fez a cobertura da Guerra de Canudos como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, esse nome surgiu, já em 1876, porque, naquela região, a população fumava uns esquisitos cachimbos de barro em canudos de metro de extensão, feitos de tubos fornecidos por uma planta que vicejava à beira do rio.

Tudo começou sob a liderança de um chefe religioso cuja influência arrastou dezenas de milhares de pessoas. Antônio Conselheiro era cearense, nascido em Quixeramobim, e teve muitas profissões até largar tudo na vida e se tornar um andarilho e pregador, percorrendo os sertões do Ceará, Pernambuco, Sergipe e Bahia.

Descrito por Euclides da Cunha como um anacoreta sombrio, cabelos crescidos até os ombros, barba longa e face escaveirada, tendo às costas um surrão de couro e livros religiosos, por onde passava Conselheiro exercia grande influência no espírito das classes populares. Vivia a pregar e a rezar terços, a dar conselhos às multidões que reunia, arrebatando os sentimentos religiosos dos sertanejos miseráveis, que passavam a segui-lo.

De 1877 a 1887, cruza sertões, constrói e recupera capelas e igrejas, com o povo seguindo-o em massa, pelo que os vigários temiam hostilizá-lo. Contudo, por volta de 1885, o bispo da Bahia determina a todos os párocos que proíbam seus fiéis de assistir às pregações de Conselheiro.

Paralelamente, a polícia da Bahia já dava sinais de apreensão com relação ao fenômeno que crescia e se movimentava por toda a região, principalmente após ter sido informada de que os homens de Conselheiro andavam fortemente armados. Na realidade, as armas dos sertanejos eram facas, facões e enxadas utilizadas para abrir a mata, cortar lenha, construir casebres e cozinhar.

Em 1887, o arcebispo e o presidente da província acusam Conselheiro de pregar doutrinas subversivas, fazendo grande mal à religião e ao Estado republicano. Surgia nessa época a primeira "cidade santa", o arraial do Bom Jesus, hoje Crisópolis. Um incidente decisivo ocorre em 1893, quando o Governo central autoriza os municípios a cobrar impostos no interior. Conselheiro rebela-se contra a decisão e manda arrancar os editais das paredes das casas, fazendo com eles uma fogueira em público. A partir desse ato, retira-se mais para o norte, com cerca de 200 fiéis, fixando-se numa região que viria a crescer em torno de uma velha igreja: era Canudos, a segunda "cidade santa". Para lá convergiram centenas de famílias, instalando-se em rudimentares casas de pau-a-pique.

Em Canudos, acentuam-se as tendências messiânicas do movimento. A esperança dos sertanejos de melhorar as suas vidas paupérrimas os levava a seguir Antônio Conselheiro, a organizarem-se comunitariamente, com a posse comum da terra, dos rebanhos e dos produtos do trabalho coletivo: somente os móveis e casas eram propriedade pessoal.

O regime republicano era visto como "a lei do cão". Por isso, foram acusados de pretender restaurar a Monarquia. Os fazendeiros da região viviam alarmados, enquanto milhares de novos sertanejos fixavam-se em Canudos. Foi quando, por fim, o Governo da Bahia resolveu intervir em Canudos, executando um ataque, em novembro de 1896, com aproximadamente 100 praças. Os sertanejos, armados de facões, ferrões de vaqueiros e espingardas de matar passarinhos, foram ao encontro dos atacantes, obrigando os 100 praças a recuar.

O Governo passou a preparar uma segunda investida, e o povo de Canudos passou a se preparar para o confronto. Organizaram-se em grupos de guerrilheiros, armaram-se e guardaram fortemente todos os acessos ao arraial. Em janeiro de 1897, a segunda expedição do Governo da Bahia foi derrotada e perseguida pelos sertanejos, que se abasteciam com o armamento dos praças vencidos. Eles passaram a organizar-se militarmente, com colunas volantes de exploradores e um serviço de espionagem.

Alarmado, no mesmo ano, o Governo Federal resolve intervir no arraial com uma força de aproximadamente 1.300 homens. Mais uma vez, os conselheiristas vencem a batalha, obrigando a expedição a retroceder. Começam a destacar-se chefes militares entre os sertanejos, entre eles João Abade, mameluco a quem Euclides da Cunha denominou "braço direito de Conselheiro, impetuoso, bravo e forte".

No Rio, surgem manifestações exigindo a morte de todos os adversários da República. Acusadas de instigar os sertanejos, são assaltadas as redações dos jornais monarquistas.

O Governo Federal providencia uma quarta expedição, a maior de todas, com um total de mais de 4 mil soldados. Inclusive o Ministro do Exército desloca-se para a região a fim de acompanhar os movimentos. Assim, apesar da excepcional resistência do reduto, a tropa conseguiu passar de sitiada a sitiante, apertando cada vez mais o cerco. A luta foi um verdadeiro extermínio e o arraial resistiu por mais de 30 dias.

Depois da morte de Conselheiro, em 22 de setembro, muitos abandonam a luta enquanto um último reduto resiste na praça central do povoado. Finalmente, em 5 de outubro de 1897, morrem os 4 derradeiros defensores. Canudos, escreveu Euclides da Cunha, "não se rendeu... resistiu até o esgotamento completo".

Antônio Conselheiro teve seu corpo exumado e a cabeça decepada a faca "para que a ciência dissesse a última palavra". No dia 6 de outubro, o arraial de Canudos foi totalmente arrasado e incendiado. Contava, então, com 5.200 casas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu quis prestar uma homenagem a um companheiro que sempre me aparteia e que solicitou que o tempo destinado aos oradores da Hora do Expediente desta sessão fosse dedicado a homenagear os 100 anos da Guerra de Canudos: o querido Senador Lúcio Alcântara.

Também o fiz com a intenção de repetir o que ele disse com as suas últimas palavras: que hoje continua a existir em nós a necessidade extrema de nos organizarmos, seja segundo a nossa fé, seja segundo a nossa opção política, seja como for, de maneira que possamos garantir a terra para todos e que a reforma agrária seja feita sem derramamento de sangue, ao contrário do que aconteceu em Canudos, mas com a certeza de que fica a lembrança do retirante, do ruralista e lavrador Antônio Conselheiro.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/11/1996 - Página 18983