Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM PELOS 100 ANOS DO INICIO DA GUERRA DE CANUDOS.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM PELOS 100 ANOS DO INICIO DA GUERRA DE CANUDOS.
Publicação
Publicação no DSF de 27/11/1996 - Página 18984
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, GUERRA, ESTADO DA BAHIA (BA), EPOCA, INICIO, REPUBLICA, BRASIL, EXPERIENCIA, SOCIALISMO.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pode não parecer, mas registrar e recordar a Guerra de Canudos é extremamente importante para nós, brasileiros.

Evidentemente, por termos preparado discursos escritos, alguns de nós nos repetiremos, mas cada um tem a sua própria conclusão e é ela que nos interessa registrar para fazer refletir cada Senador desta Casa, cada homem público deste País.

O Brasil comemora o centenário da revolta de Canudos. Há cem anos, o Brasil viveu uma história de cujo enredo até hoje duvidamos.

Comandada por Antônio Conselheiro, uma legião de miseráveis atravessava o sertão em busca da terra prometida.

Corria o ano de 1893. Chegou a Canudos, então uma fazenda de gado abandonada às margens do rio Vaza-Barris, no Norte da Bahia. Em três anos, formou-se ali uma comunidade agrícola. Homens e mulheres trabalhavam na roça, dividiam a colheita, vendiam o excedente. Violência e exploração eram desconhecidas - era o socialismo utópico, Senador Bernardo Cabral!

A notícia da existência de Canudos, Sr. Presidente, correu o sertão. Para lá acorreram milhares de homens, mulheres e crianças tangidos pela seca, pela fome, pela falta de esperança. Famílias inteiras abandonaram a terra onde moravam e se transferiram para a segunda "cidade santa". Levaram canastras, toscas mobílias, oratórios, cachorro e papagaio. Todos os bens. Instalaram-se em edificações rudimentares de pau-a-pique, erguidas aqui e ali desordenadamente.

Naquele mundo recôndito, pensavam, estava o paraíso. A pregação do Conselheiro acendia-lhes a esperança. Fundaram uma comunidade com posse comum da terra, dos rebanhos e do produto do trabalho coletivo. A propriedade individual restringia-se à residência e aos móveis.

Estavam seguindo a Lei de Deus, acreditavam os conselheiristas. O regime republicano, porém, que instituíra o casamento civil, impunha a lei do cão. O Beato não aceitava a separação da Igreja e do Estado. Para ele, o poder religioso tinha que estar acima do poder político. A saída era a restauração do Império.

Essa pregação "subversiva" foi a desculpa para que as forças contrárias se mobilizassem contra os inimigos da República.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Canudos incomodava. Os coronéis tinham medo. A mão-de-obra estava se bandeando. Em torno do arraial santo eram assaltadas fazendas, vilas e até cidades. A Igreja tomou posição. O bispo da Bahia dirigiu circular a todos os párocos com uma ordem: que fosse proibido aos fiéis assistir às prédicas de Antônio Conselheiro, o fanático inimigo da religião e do Estado, cujas doutrinas subvertiam a lei e a ordem.

O estopim foi aceso pelo juiz de Juazeiro. Em outubro de 1896, há exatamente 100 anos, ele pediu ajuda ao Exército para defender a cidade. Alegou que Antônio Conselheiro preparava uma guerra. Cobraria pelas armas certa quantidade de madeira que havia pago a um comerciante da região e que não lhe fora entregue - a ação desse juiz lembra a do de Curionópolis, que cometeu a maior injustiça que conheci na minha história de vida, ao pedir às Forças Armadas para desalojar os garimpeiros de Serra Pelada.

O Exército interveio contra Canudos. Mandou para lá uma força de 100 praças. Os soldados, sem recursos ou experiência para enfrentar as durezas da caatinga, logo foram vencidos pela fome e pela exaustão.

Os conselheiristas, armados de facões, ferrões de vaqueiro e espingardas de matar passarinhos, foram ao encontro dos atacantes. Em Uauá, surpreenderam a tropa dormindo. Enfrentaram-na. Os militares fugiram depois de sangrenta derrota.

Humilhado, o Exército reagiu. Enviou 600 homens na segunda expedição contra os fanáticos. Foram derrotados. Na retirada desastrada, deixavam as armas que iriam abastecer os vencedores.

O Governo, alarmado, preparou uma expedição regular. Confiou-lhe o comando ao Coronel Antônio Moreira César. Em 2 de março de 1897, depois de sofrer pesadas baixas na travessia das serras, a força que restou dos 2 mil e 300 homens iniciais assaltou o arraial. Moreira César foi mortalmente ferido. O novo Comandante, Coronel Pedro Nunes Batista Tamarindo, também morre no embate. A expedição retrocede desorganizada.

Os homens de Antônio Conselheiro perseguiram os sobreviventes. No caminho, reforçaram o arsenal com armas, munições e até canhões.

Era a desmoralização do Exército. Para o Governo, verdadeira tragédia nacional. Dizia-se que os fanáticos eram comandados por Conde D´Eu, marido da Princesa Isabel e genro de Dom Pedro II. Complô perfeito para restaurar a monarquia. No Rio de Janeiro, capital do País, em função dessas falsas informações - porque não havia nada disso no pensamento de Antônio Conselheiro -, sucediam-se manifestações reclamando a morte dos adversários da República.

A última expedição contra Antônio Conselheiro e seus seguidores durou quatro meses. O próprio Ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt, seguiu para o sertão baiano. Instalou-se em Monte Santo, base das operações, a 15 léguas de Canudos.

A luta revelou-se sangrenta e cruel. Os famintos e maltrapilhos sertanejos caíram. A luta foi de extermínio de parte a parte. Antônio Conselheiro morreu. Em 5 de outubro de 1897, morrem os quatro derradeiros defensores do arraial.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, "Canudos", escreveu Euclides da Cunha, "não se rendeu. Resistiu até o esgotamento completo". O saldo foi de 30 mil mortos, cinco mil casas incendiadas e um banho de sangue. Os 300 sobreviventes, que as balas não conseguiram atingir, protagonizaram um ódio difícil de conter. Foram degolados publicamente um a um. Antônio Conselheiro, que havia morrido 12 dias antes, teve o corpo exumado. Ele também sofreria a degola.

A expedição contra Canudos é considerada a mais dramática página da história republicana. Hoje, Sr. Presidente, nobre Senadores, passado um século daquele sangrento episódio, o cenário que originou a saga dos sertanejos continua exatamente o mesmo: seca, pobreza, resignação e fé.

As palavras proféticas do Conselheiro continuam aguardando o momento de se tornar realidade: "O sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão", repetia ele. Quando? perguntamos nós. No dia em que se democratizarem os benefícios da civilização; no dia em que 300 anos deixem de separar o Brasil desenvolvido do Brasil miserável, que está vivo, apesar de Canudos ter ardido em chamas. "Cuidado", ecoa a voz do Conselheiro. "O fim vem, vem o fim".

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/11/1996 - Página 18984