Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM PELOS 100 ANOS DO INICIO DA GUERRA DE CANUDOS.

Autor
Josaphat Marinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Josaphat Ramos Marinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM PELOS 100 ANOS DO INICIO DA GUERRA DE CANUDOS.
Publicação
Publicação no DSF de 27/11/1996 - Página 18986
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, GUERRA, ESTADO DA BAHIA (BA), INICIO, REPUBLICA, BRASIL, EXCESSO, ERRO, VIOLENCIA, TROPA, GOVERNO, MORTE, PARTICIPANTE.
  • NECESSIDADE, APRENDIZAGEM, ERRO, HISTORIA, APERFEIÇOAMENTO, DEMOCRACIA.

O SR. JOSAPHAT MARINHO (PFL-BA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na rememoração, ora feita, da Guerra de Canudos, e depois de tantas palavras ilustres, é justo uma palavra da representação baiana.

Naquele Estado, no meu Estado, travou-se a luta incruenta. A história de Canudos está feita: de Euclides da Cunha aos historiadores mais modernos, nacionais e estrangeiros, até o livro recentíssimo de Oleone Fontes, há um largo desdobramento de idéias em torno dos fatos ocorridos no território baiano.

Ainda hoje, na Bahia, o Professor José Calazans, um sergipano que a Bahia zelosamente absorveu, é um pesquisador constante dos fatos relacionados com a Guerra de Canudos, com a gente, com a terra, com os antecedentes históricos.

De modo geral, pode dizer-se que tudo já foi revolvido na tentativa de esclarecimento do terrível conflito, desdobrado na transição da monarquia para a República.

Um historiador baiano, Professor Luiz Henrique Dias Tavares, assinala, numa frase muito expressiva, que "Canudos começou com um excesso e se agravou com um equívoco".

Não importa fixar se o excesso foi o deslocamento de tantas tropas para conter o que se considerava, de início, um movimento mais de místicos sob o comando de Antônio Conselheiro. Não importa verificar se o equívoco consistiu sobretudo na admissibilidade de que o que se verificava em Canudos era um movimento pela restauração da Monarquia. O excesso e o equívoco conduziram a uma luta que não deveria ter sido desferida, e ainda menos para ter desfecho com os atos de selvageria que ali se praticaram. Não importa hoje indagar quantos eram os pobres sertanejos que se reuniam em torno de Antônio Conselheiro. Indagar não é mais possível que ali houvesse um movimento contrário à República e pela restauração da Monarquia.

Se Antônio Conselheiro se rebelava contra determinados atos do governo republicano, como o casamento civil ou da exigência de certidões, daí não se poderia, e nem se pode, concluir que fosse um anti-republicano. Ele era, como tantos que já foram descortinados neste País e outros que ainda se vêem por motivos diferentes; ele era, místico ou não, um homem preocupado com a sorte da sua região e dos que nela moravam.

Nada justificava que o governo para ali deslocasse as tropas que deslocou e que em três organizações militares foram dizimadas, apesar da diversidade de meios materiais para a luta. Certo é que somente a última tropa enviada conseguiu subjugar Monte Belo. Mas, em verdade, as tropas não se limitaram a subjugar os ditos rebeldes; foram subjugados e liquidados. E liquidaram o arraial como se fosse uma luta entre nacionais e estrangeiros, quando ainda assim não se justificariam os atos de selvageria que foram praticados.

O que a História, afinal, verificou é que ali não havia uma rebelião anti-republicana, mas já era tarde para a contenção dos ímpetos dos que, sobretudo no Rio de Janeiro, envolviam o Governo e o conduziam a uma luta sem limites. O excesso e o equívoco, o equívoco e o excesso conduziram a erros talvez maiores do que a própria luta. Portanto, a essa altura, importante é que tomemos o exemplo de Canudos para refletir sobre o que tem acontecido no País depois dessa guerra e para que não se repitam mais nem equívoco nem excesso daquela extensão. Em verdade, porém, equívoco e excesso se têm praticado repetidamente.

Em 1935, em nome da luta contra o comunismo, o Governo também desfechou tremenda reação contra os brasileiros, civis e militares, matando-os, prendendo-os, processando-os, condenando-os. Também nessa época e nesse pressuposto de que havia a iminência do domínio comunista no País, o Governo, por assim dizer, dividiu a sociedade brasileira, feriu as instituições, subverteu a Constituição, criou tribunal de segurança e, por intermédio dele, processou e condenou brasileiros, sem direito à defesa ou com direito a uma defesa terrivelmente limitada e submetida a julgamento de livre consciência.

Por igual, em 1964, o exagero e o equívoco conduziram o País a subverter as instituições democráticas, restaurando-se o regime de força. Em nome da defesa da ordem democrática, da ameaça de uma revolução sindicalista, a Constituição de 1946 foi trucidada. Sobre ela colocaram-se os atos institucionais e os atos complementares; os tribunais tiveram sua competência delimitada pelo arbítrio militar; brasileiros, de diferentes idéias, foram presos, torturados, massacrados, muitos desapareceram até hoje, sem que suas famílias pudessem ter conhecimento de seu destino.

Depois de longo esforço, restabelecemos a ordem democrática, sob a Constituição de 1988. Mas, em realidade, ainda não conseguimos a estabilidade. Ainda não decorridos dez anos de sua vigência, ela tem sido submetida a sucessivos processos de alteração, alterando-se-lhe a essência, o espírito, a destinação. Tempo é de meditarmos sobre todos esses acontecimentos e atentarmos em que a Nação precisa, sobretudo, de segurança na manutenção de suas instituições, para a garantia da paz de seus filhos.

A Guerra de Canudos serve, assim, como um marco inicial para que se repense a história brasileira. É indispensável que não fiquemos a nos dirigir por excessos e equívocos, mas que nos debrucemos sobre os fatos e, analisando-os, sejamos capazes de estabelecer o clima seguro para a manutenção das instituições democráticas da segurança social e econômica de que precisam os brasileiros, para que todos convivam sem as desigualdades e as injustiças que hoje continuam a nos atormentar.

Se os que atiraram tropas tão violentamente sobre Canudos imaginaram que havia um movimento anti-republicano, hoje há muitos que supõem que os que divergem, que os que contrariam, que os que contestam, são representantes de um passado vencido.

Devemos atentar em que numa sociedade complexa e dividida como a do Brasil, com mais de 150 milhões de habitantes, ninguém pode ser titular da verdade, nem dos chamados princípios da modernidade. Será, antes, no confronto democrático das idéias que haveremos de descobrir o caminho para a solução dos nossos problemas, a contenção das nossas disparidades sociais e econômicas.

Recordando Canudos, o que é relevante, portanto, já não é a história dos acontecimentos; é o exemplo do que neles devemos encontrar para fixar, afinal, o caminho seguro à solução dos problemas brasileiros. Canudos deve nos servir de advertência, para que não continuemos a querer criar a história e desdobrá-la por excessos e equívocos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/11/1996 - Página 18986