Discurso no Senado Federal

DISCORDANCIA DE S.EXA. DA POSSIVEL PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, EMPRESA ESTRATEGICA PARA O DESENVOLVIMENTO E A SOBERANIA NACIONAL.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • DISCORDANCIA DE S.EXA. DA POSSIVEL PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, EMPRESA ESTRATEGICA PARA O DESENVOLVIMENTO E A SOBERANIA NACIONAL.
Aparteantes
José Eduardo Dutra.
Publicação
Publicação no DSF de 28/11/1996 - Página 1911
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • MANIFESTAÇÃO, OPOSIÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD).
  • DEFESA, IMPORTANCIA, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, SOBERANIA NACIONAL.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a decisão do Governo Federal de vender a Companhia Vale do Rio, empresa estatal competitiva, rentável, estratégica, faz com que mais uma vez eu ocupe a tribuna para dizer à população, especialmente aos cidadãos do Rio de Janeiro, o que essa empresa representa para o Brasil e o quanto a sua venda abalaria a soberania do País.

Quando Getúlio Vargas criou, em 1942/43, como parte essencial do Projeto de Desenvolvimento Nacional, a Vale tinha como objetivo a exploração, o transporte e a exportação do minério de ferro produzido em Itabira, Minas Gerais. Ela enfrentou inúmeras dificuldades e muita pressão externa, mas, superando todos os obstáculos, se expandiu, diversificou-se e se tornou a maior empresa de mineração do mundo, detendo 23% do mercado internacional, com 90 milhões de toneladas de minério de ferro exportados anualmente.

A Vale opera em nove Estados diretamente ou por intermédio de suas empresas controladas e 26 coligadas. Os negócios a que esse conglomerado se dedica são a exploração de minério de ferro, manganês, ouro, bauxita e caulim, operação nos sistemas interligados mina-ferrovia-porto, no Pará, no Maranhão, em Minas Gerais e no Espírito Santo; navegação transoceânica, atividades nas áreas de peletização, siderurgia, ferro-liga e alumínio; manejo de maciços florestais para a produção de madeira, celulose e papel. Cada atividade complementa a outra, garantindo a sinergia entre os negócios do grupo.

Para construir esse sistema, a Vale vem firmando parceria com investidores brasileiros, japoneses, italianos, espanhóis, franceses, sul-africanos e argentinos. Ela é uma empresa de capital aberto, consagrada no mercado por sua transparência: 51% das suas ações pertencem à União e 49% já estão nas mãos de acionistas privados.

Queremos destacar que a mina de ferro de Carajás é uma das maiores do mundo, e suas reservas podem ser exploradas até nos próximos 400 anos. No Estado do Rio de Janeiro - este é o meu grande destaque - a Vale Sul produz aproximadamente 92 mil toneladas de alumínio por ano. Em Sergipe, explora o cloreto de potássio. A empresa é a maior produtora de ouro da América Latina, explorando minas na Bahia, Minas Gerais e no Pará, por meio de tecnologia avançada. A descoberta de uma grande mina de ouro em Carajás torna ainda mais absurda a idéia da venda da Companhia Vale do Rio Doce.

Além disso, a Vale gera 17 mil empregos diretos e aplica 8% de seu lucro líquido anual em investimentos voltados para o desenvolvimento social, saúde, saneamento básico, meio ambiente e cultura das regiões onde atua. A Companhia investe em desenvolvimento tecnológico e em programa de pesquisa de reservas minerais.

A Vale do Rio Doce, com suas múltiplas funções, cumpre o importante papel de fator impulsionador da economia e do desenvolvimento tecnológico do País. É uma empresa considerada modelo mundial no setor. Portanto, do ponto de vista do interesse nacional, não existe nenhuma razão, nenhum argumento que justifique a venda da Vale.

Depois que o Governo se desfez de uma empresa estatal com uma história e importância econômica como a Companhia Siderúrgica Nacional e pôs fim ao monopólio estatal do petróleo, conquista do povo brasileiro, a Companhia Vale do Rio Doce representa o último grande baluarte da soberania. Vendê-la, Srs. Senadores, é cometer o crime de lesa-pátria.

O principal argumento do Governo é de que a venda da Vale vai ajudar a resolver o problema do déficit público. Pela avaliação subestimada que está sendo feita, em torno de US$10 bilhões, o produto dessa venda mal vai dar para cobrir o déficit de um mês. Isso é um verdadeiro absurdo! Não é se desfazendo do País que iremos resolver os problemas do Tesouro.

Diz também o Governo que, no mundo globalizado, é um anacronismo o fato de o Estado intervir na economia; agora são as leis do mercado que devem regular toda a vida econômica. Isso não é assim nem na Inglaterra, berço do neoliberalismo. Mesmo nesse país, onde a força do mercado tem sólida tradição, o Estado tem papel ativo na economia. Aliás, Estados Unidos, Japão e demais países desenvolvidos nunca vacilam em proteger suas indústrias quando acham que isso é necessário. Um exemplo é a navegação de cabotagem, cujo monopólio nacional acabou de ser extinto no Brasil sob o argumento de protecionismo, mas que nos Estados Unidos só pode ser feita por empresas nacionais.

Sem dúvida, a globalização é um fato mundial irreversível do qual nenhum país conseguirá ficar de fora. No entanto, o centro da questão não é esse, mas como cada país se integrará na globalização. Como território ou como nação? E o Brasil, por suas dimensões continentais, sua grande população e incalculáveis recursos naturais, tem de se integrar como uma Nação soberana, com interesses claros e objetivos estratégicos definidos, e não como mero apêndice dos interesses hegemônicos da globalização.

Lamentavelmente o Brasil vive um momento em que o interesse nacional não é referência para as grandes decisões políticas. Em nome do combate ao estatismo, a ideologia privatista está dilapidando o patrimônio nacional. Claro que muitas empresas foram estatizadas durante o regime militar apenas para salvar interesses privados do prejuízo. Esse tipo de estatização prejudica o interesse público. Mas, Sr. Presidente, em um país em construção como o Brasil, que recebe fortes pressões externas, o Estado tem que ter função ativa e estratégica no desenvolvimento econômico. Empresas como a Petrobrás e a Vale do Rio Doce cumprem perfeitamente esse papel e, portanto, têm de continuar nas mãos do Estado, mas sob o controle da sociedade.

As entidades da sociedade civil, parte considerável da classe política e os setores mais sensíveis à defesa da Pátria, começam a se mobilizar para impedir a venda da Companhia Vale do Rio Doce, pois essa é a maneira mais concreta de se defender a soberania nacional.

Quero, desta tribuna, expressar total aprovação ao Manifesto de Apoio à Vale, que está circulando em todo o País. Concordo inteiramente com a proposta do meu companheiro e Líder da Bancada do Partido dos Trabalhadores, Senador José Eduardo Dutra, de que a decisão de vender a Vale tem que ser submetida à apreciação do Congresso Nacional.

Sem a nossa soberania assegurada, não teremos nada, não seremos nada. Com soberania teremos uma política econômica que desenvolva o País, elimine a fome, gere emprego e combata as desigualdades sociais, integrando os setores excluídos; com soberania conquistaremos a admiração e o respeito do mundo, porque seremos uma Pátria, uma grande Nação.*

Por isto venho a esta tribuna: para fazer mais uma vez um pronunciamento em defesa da Vale do Rio Doce. E temos encontrado eco nesta Casa. Sei que o Senador José Eduardo Dutra não será uma voz solitária da tribuna na defesa da Vale, porque estamos somando com o Senador; porque entendemos que não é possível entregar nosso patrimônio. Desde o Presidente do Congresso Nacional, Senador José Sarney, ao Senador José Eduardo Dutra e tantos outros, estamos nessa defesa, porque temos consciência de que essa venda é verdadeiramente uma entrega e nem sequer é um bom negócio do ponto de vista econômico.

O Sr. José Eduardo Dutra - Permite-me um aparte, nobre Senadora?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª, Senador José Eduardo Dutra.

O Sr. José Eduardo Dutra - Nobre Senadora Benedita da Silva, quero apartear o pronunciamento de V. Exª, com o qual concordo integralmente, apenas para registrar que mais uma voz se manifestou contra a privatização da Vale; uma voz que talvez seja considerada insuspeita pelo Governo, pois, sempre que alguém do PT ou de esquerda se manifesta contra essa privatização, ele é classificado como dinossauro, atrasado, saudosista. Hoje, os jornais manifestam o pronunciamento da nova grande vedete do PFL, o Prefeito da cidade de V. Exª, Sr. César Maia, em que S. Exª se manifestou contra a privatização da Vale do Rio Doce. Nesse pronunciamento, S. Exª, que é privatista, estabeleceu alguns argumentos que temos repetido: primeiro, a venda da Vale do Rio Doce é um péssimo negócio; segundo, privatizá-la é simplesmente copiar tudo aquilo que nos é ordenado de fora. Ele cita um fato concreto: que a Vale do Rio Doce, como importante alavanca do Brasil nesse processo de globalização, consegue colocar bônus no exterior com facilidade maior do que o Governo brasileiro. É empresa como essa que o Governo quer privatizar. Esperamos que o Senado da República se disponha a retomar suas prerrogativas. Ainda temos tempo até o dia 15 de dezembro. Meu projeto foi rejeitado ontem na comissão, mas já temos assinaturas suficientes para trazê-lo a plenário, inclusive por meio de requerimento de urgência. Esperamos que o Senado da República se disponha, até o dia 15 de dezembro, a retomar uma prerrogativa que era do Congresso e que foi entregue ao Executivo na época do então Presidente Fernando Collor de Mello. Muito obrigado, parabenizo V. Exª pelo pronunciamento.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador José Eduardo Dutra.

A Vale do Rio Doce presta um relevante serviço à economia do Estado do Rio de Janeiro. A produção de alumínio do Estado do Rio de Janeiro tem sustentado economicamente o Estado. É uma grande contribuição que temos, porque garante bem mais do que geração de empregos.

O Congresso Nacional - Senado e Câmara - não pode abrir mão de suas prerrogativas. Estou acompanhando V. Exª no seu esforço de resgatar para o Congresso Nacional a prerrogativa de discutir e decidir sobre a matéria. Não entendo por que ainda não encontramos o respaldo necessário. O que se quer fazer - e o que V. Exª tem continuamente colocado aqui - é pura e simplesmente trazer esse debate para o Congresso Nacional, envolvendo também a população. Sabemos perfeitamente que o processo de globalização é irreversível, mas não é possível que ele não contemple o fato de que temas como esse são de propriedade da sociedade brasileira. Como representantes do interesse do povo brasileiro, temos que garantir o espaço para o debate e discussão dessas questões.

Como discordo, evidentemente, que se dê à Companhia Vale do Rio Doce esse tratamento, estou dando minha tímida contribuição, somando-me a V. Exª e aos demais neste Congresso, para fazer com que a matéria venha para o plenário. Já que a comissão não pode apoiar, que possamos aprovar os requerimentos feitos e garantir assim, dentro dessa prerrogativa que nos é própria, que essa decisão seja tomada pelo Congresso Nacional.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/11/1996 - Página 1911