Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS A ARTIGO DO ARTICULISTA JOSIAS DE SOUZA, PUBLICADO NA FOLHA DE S.PAULO, DE 26 DE NOVEMBRO, INTITULADO 'FABRICA DE CADAVERES'.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA.:
  • COMENTARIOS A ARTIGO DO ARTICULISTA JOSIAS DE SOUZA, PUBLICADO NA FOLHA DE S.PAULO, DE 26 DE NOVEMBRO, INTITULADO 'FABRICA DE CADAVERES'.
Publicação
Publicação no DSF de 28/11/1996 - Página 19145
Assunto
Outros > IMPRENSA.
Indexação
  • ELOGIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, JOSIAS DE SOUZA, JORNALISTA, DENUNCIA, FALTA, ATENÇÃO, NUMERO, MORTE, PESSOAS, VITIMA, ACIDENTE DO TRABALHO, COMPARAÇÃO, ACIDENTE AERONAUTICO.

A SRª MARINA SILVA. (PT-AC. Para uma breve comunicação. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de registrar um artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo do dia 26 de novembro, escrito por Josias de Souza.

Primeiro, quero parabenizar a forma, o estilo e, acima de tudo, a perspicácia e a compreensão que o articulista teve em relação aos fatos que correlaciona.

Diz o artigo, intitulado "Fábrica de cadáveres":

      Para começar, proponho um esforço de memória. Traga para a superfície da mente a tragédia do vôo 402 da TAM.

      Não há de ser difícil. As imagens remanescem frescas. Roçam, em cores vivas, o topo do cérebro. Esqueça, por irrelevantes, os detalhes. Para a comparação que se fará mais abaixo, o reverso da turbina, as frases do piloto, importam pouco.

      Os corpos. É neles que desejamos focar o interesse. É como se ainda estivessem lá, estirados no asfalto, embrulhados em saco preto. O sangue escorrendo à farta pela quina da rua. Um odor espesso invadindo o nariz. Um cheiro de morte.

      Pronto. Estamos de volta à cena de horror. Morreram 98.

      Proponho agora um macabro exercício de imaginação. Imagine 40 acidentes como o da TAM. Insisto: 40! Na ponta do lápis: 98 x 40 = 3.920. Sim, 3.920 mortes. Alucinação?

      Não. Aconteceu aqui mesmo, no Brasil. Ano passado, os acidentes de trabalho mataram 3.967 pessoas. Temos aí os 40 acidentes da TAM. E ainda nos sobram 47 cadáveres. Há mais: os acidentes de trabalho, quando não matam, aleijam.

      Em 95, nada menos que 15.156 pessoas ficaram definitivamente incapacitadas para o trabalho. A estes é reservada a sina de sobreviver com pensões miúdas do INSS.

      Os números evocam um mistério: por que só os cadáveres da TAM nos sensibilizam? Por que não choramos pelos corpos que tombam sobre máquinas, que despencam de andaimes?

      Talvez porque eles não voem de avião. Freqüentam o andar de baixo da sociedade. Um andar para o qual não temos olhos.

      No último dia 11 de novembro, reuniram-se em Sergipe agentes de inspeção de trabalho. Divulgaram a "Carta de Aracaju", um "grito de dor".

      O texto utiliza imagens fortes. Imagens que, de fato, berram: "Imagine o Maracanã lotado. Multiplique por quatro. O número de acidentados em 95 ficou por aí". Somos mesmo um bando de cegos.

Como tenho dificuldades de enxergar, Sr. Presidente, talvez tenha ficado um pouco truncada a leitura; todavia, é por inteiro a emoção, uma vez que não vemos as pessoas que freqüentam o andar de baixo porque elas não aparecem na televisão. É de fato uma comparação muito forte: seriam 40 vezes o número de pessoas mortas naquele lamentável desastre aéreo e que não são sentidas porque não são mostradas. Ele nos chama de "cegos" e tem razão o articulista. Parabenizo-o pela feliz comparação, que faz com que nós, detentores da responsabilidade pública de cuidar de fazer as leis, assumamos efetivamente a responsabilidade de fazer com que elas sejam cumpridas, sendo punidos aqueles que provocam tantos desastres, tantos acidentes, os quais, muitas vezes, são piores que a morte, pois colocam pessoas em cadeiras de rodas, sobrevivendo de pensões minguadas, que humilham e aviltam a dignidade humana.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/11/1996 - Página 19145