Discurso no Senado Federal

APROVAÇÃO, ONTEM, NA COMISSÃO DE ECONOMIA DO SENADO, DE RELATORIO E DO PARECER DE SUA AUTORIA, SOBRE O PROJETO DE LEI DA CAMARA 50, DE 1996, QUE INSTITUI A AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL, DISCIPLINA O REGIME DAS CONCESSÕES DE SERVIÇOS PUBLICOS DE ENERGIA ELETRICA E DA OUTRAS PROVIDENCIAS. PAPEL IMPORTANTISSIMO DO SENADO NA CONFIGURAÇÃO DA ANEEL.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA.:
  • APROVAÇÃO, ONTEM, NA COMISSÃO DE ECONOMIA DO SENADO, DE RELATORIO E DO PARECER DE SUA AUTORIA, SOBRE O PROJETO DE LEI DA CAMARA 50, DE 1996, QUE INSTITUI A AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL, DISCIPLINA O REGIME DAS CONCESSÕES DE SERVIÇOS PUBLICOS DE ENERGIA ELETRICA E DA OUTRAS PROVIDENCIAS. PAPEL IMPORTANTISSIMO DO SENADO NA CONFIGURAÇÃO DA ANEEL.
Aparteantes
Hugo Napoleão, Jader Barbalho, Lauro Campos, Mauro Miranda.
Publicação
Publicação no DSF de 28/11/1996 - Página 19140
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE ECONOMIA, SENADO, RELATORIO, PARECER, AUTORIA, ORADOR, PROJETO DE LEI, CAMARA DOS DEPUTADOS, CRIAÇÃO, AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA (ANEEL).
  • ESCLARECIMENTOS, COMPETENCIA, AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA (ANEEL), DIREÇÃO, POLITICA ENERGETICA, PAIS, REESTRUTURAÇÃO, SISTEMA, SERVIÇO, ENERGIA.
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, SENADO, AVALIAÇÃO, APROVAÇÃO, REJEIÇÃO, PESSOAS, DIREÇÃO, AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA (ANEEL).

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, aprovamos ontem na Comissão de Economia do Senado o texto do relatório e do parecer que proferimos a respeito da Agência Nacional de Energia Elétrica, a chamada Aneel. Quero fazer aqui não apenas um destaque, mas reiterar uma série de considerações a respeito da importância dessa decisão.

A Aneel é uma grande inovação institucional no Brasil. A Aneel significa uma verdadeira revolução, uma transformação profunda em hábitos, em métodos, em estruturas, em formas básicas de decisão; mas sobretudo significa, Sr. Presidente, Srs. Senadores, uma mudança profunda em um conceito que tradicionalmente sempre teve outra formulação: o conceito do que é público, do que é de interesse público e do que é de controle público.

A Aneel é uma comprovação de que se pode criar um organismo institucional de caráter público, sob controle público, debaixo do interesse público e que não seja basicamente um organismo estatal, ou pelo menos não é um organismo gerido diretamente pelo Governo.

A Aneel é o órgão regulador que fiscaliza e que conduz todo o processo de reestruturação do sistema de serviços de energia elétrica no Brasil. É um órgão constituído por uma diretoria especializada, com quadros funcionais especializados, que vão conduzir a política energética do País.

Os diretores são nomeados pelo Presidente da República. O mandato desses diretores é de quatro anos e, passados quatro meses da sua nomeação, depois de aprovados pelo Senado, seus mandatos passam a ter caráter fixo. Ou seja, não podem mais ser demitidos, não são demissíveis ad nutum pelo Presidente da República. Portanto, adquirem um conteúdo e um caráter de independência formal dentro do Governo.

O Senado tem um papel institucional importantíssimo na configuração da Aneel. São os Senadores que fazem a avaliação, a sabatina e procedem à conseqüente aprovação ou rejeição das pessoas que vão dirigir essa instituição.

A figura não é inteiramente nova no Brasil. Atualmente, o Procurador-Geral da República já é nomeado dessa forma: é indicado pelo Presidente da República, aprovado pelo Senado e, uma vez aprovado, também não pode mais ser demitido pelo prazo de dois anos. Todos os diretores da Aneel terão mandatos incoincidentes de quatro anos, o que significa dizer que o Presidente da República deverá nomear, a cada ano, um novo membro da diretoria , mas não a sua totalidade, pois o mandato de alguns desses diretores irá ultrapassar o mandato do próprio Presidente da República. É isso que vai dar o caráter de independência institucional ao órgão regulador do sistema de energia elétrica no Brasil.

O órgão regulador tem a tarefa de fiscalizar; acompanhar os serviços; multar as empresas quando esses serviços não atendem ao que está estabelecido no contrato de concessão; alterar as tarifas, quando isso for permitido pelo contrato - pela nova lei de concessões a tarifa que é fixada em contrato não pode ser alterada -; ter sob sua responsabilidade a condução dos editais de concorrência e depois a assinatura do contrato junto à empresa vencedora.

Estamos diante, Sr. Presidente, de algo realmente novo no Brasil. Há quem possa, do ponto de vista das empresas, dizer que esse órgão continua dependente do Governo, porque vai sobreviver do Orçamento da União e, portanto, será um órgão subordinado aos interesses governamentais. Não! A Aneel terá recursos próprios e também independentes. O projeto cria uma taxa de fiscalização de 0,5% do faturamento anual das empresas de energia elétrica e, dessa taxa de fiscalização, a Agência retirará os recursos para a sua manutenção, logo ela não dependerá de dotações orçamentárias para pagar o salário de seus funcionários, diretores e para se manter como uma autarquia.

Por outro lado, Sr. Presidente, é importante dizer que a Aneel não vai causar maiores ônus às empresas, porque esses 0,5% farão parte de uma outra taxa que já é cobrada há muito tempo, que não é nada nova, chamada de Cotas do Fundo Geral de Reversão, as quais são da ordem de 2,5% ao ano. As empresas pagarão 2% para o Fundo de Reversão e 0,5% para a própria Aneel, por meio dessa taxa de fiscalização.

O órgão, portanto, tem diretores com mandato certo, aprovados pelo Senado e nomeados pelo Presidente da República; diretores com mandatos incoincidentes; e recursos próprios, independentes e autônomos para a sua sobrevivência, para a sua manutenção.

Há quem imagine que isso possa significar, mais cedo ou mais tarde, uma apropriação da Aneel por parte das chamadas empresas privadas que vão operar o setor de energia elétrica no futuro. Não é essa a experiência mundial. Não é esse o resultado obtido nas experiências, por exemplo, vividas nos Estados Unidos, onde essa independência do órgão comprovou que essa sua configuração, essa sua não-vinculação, essa sua não-dependência, gera um compromisso tão-só e unicamente com o interesse público. O mais importante é que não é só com o usuário de energia elétrica, mas com o País, ou seja, deve manter uma oferta razoável e consistente de energia elétrica para garantir as taxas de crescimento a que o País se propõe na sua política econômica.

Para isso, a Aneel tem que, primeiro, evidentemente, atender aos interesses do usuário, mas, sobretudo, atendendo à estratégia de desenvolvimento do setor energético do Brasil, à estratégia de crescimento, de expansão dos serviços e de aumento da oferta.

Como sabemos, o Brasil é um país que está vivendo os limites da atual situação, os limites do seu potencial, da sua capacidade atual. Se não houver aumento da oferta nos próximos anos, seguramente haverá colapso dos setores que dependem da fonte de energia elétrica no Brasil.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, o órgão também será independente porque os diretores nomeados com mandato de 4 anos, tendo saído da condição de diretores, tendo concluído seus mandatos, não poderão trabalhar em nenhuma empresa do setor, seja estatal, seja privada. Estarão obrigados a uma quarentena de doze meses durante a qual receberam o mesmo salário correspondente a sua condição de diretor por um ano, sendo proibidos nesse período quarentenal de trabalhar em qualquer empresa do setor, privada ou estatal. Há quem entenda que esse deveria ser um órgão da administração direta subordinado ao Governo, portanto, sob o controle daquele governo que foi eleito democraticamente pelo povo.

Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, até aqui, 95% das empresas que operam o setor de energia elétrica no Brasil são concessionárias estaduais ou concessionárias do Governo Federal, mas todas elas de natureza estatal, ou pelo menos 95%. Há alguns nichos localizados aqui ou ali, como no Estado do Paraná, por exemplo, ou em São Paulo, onde há algumas pequenas empresas que são empresas privadas há muito tempo. Na verdade, quando isso se tornar algo mais volumoso, mais significativo, será muito importante a desvinculação dos Governos e do Estado. A experiência mundial tem comprovado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que, quando se abrem concessões para empresas privadas, em qualquer setor, se o Estado e o Governo continuam sendo o órgão controlador, o órgão que fiscaliza, o órgão que fixa tarifas, o órgão que controla e conduz as concorrências, inevitavelmente abrem-se as portas ao clientelismo quando não à corrupção.

Portanto, é básico, é essencial, é indispensável que a Aneel, como todos os demais órgãos reguladores, sejam independentes. Tais órgãos não podem depender de favores, não podem depender de uma autorização, aqui ou ali, de quem governa, não podem depender de facilidades que lhe venham ou não a ser garantidas.

O Sr. Jáder Barbalho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Logo lhe concederei o aparte com muita honra, Senador Jader Barbalho.

Isso me parece ser uma grande inovação. No Brasil, a única experiência que temos em relação a essa forma de concessão, ou seja, o controle pelo Estado de um sistema de concessões operado por empresas privadas, é no setor de transporte público municipal ou estadual. É nesse ponto que se dá claramente o problema. Como não há um órgão regulador independente, as empresas de ônibus dependem dos Prefeitos. Não digo generalizadamente de forma absoluta, mas há casos relatados pela crônica política do País de graves práticas de clientelismo entre essas empresas e os Prefeitos: ou o Prefeito faz uma extorsão mediante criação de dificuldades, ou a própria empresa ganha vantagens mediante qualquer modelo de suborno que possa ser usado. Os empresários do setor da chamada área de transporte municipal, estadual ou interestadual saudaram, satisfeitos, a Lei de Concessões, porque ela lhes dava garantias e um nível de independência que impossibilitava a manipulação.

Um desses empresários, em um debate, chegou a dizer que, com a nova Lei de Concessões, com o novo modelo institucional que está se definindo no Brasil, os empresários que operam concessões públicas deixam de ser clientes dos Prefeitos para serem parceiros, com regras, com normas, com contratos que têm de ser cumpridos, sem pressões, sem extorsões, sem práticas que muitas vezes são danosas ao próprio interesse público.

Portanto, a independência da Aneel é a garantia de que os empresários do setor não serão clientes do Governo, mas parceiros estabelecidos de forma clara, garantidos pelas regras fixadas no contrato, na lei e também na Constituição.

Com muita honra, ouço V. Exª, Senador Jader Barbalho, que, há algum tempo, já me havia pedido o aparte. Peço desculpas a V. Exª pela demora.

O Sr. Jáder Barbalho - Senador José Fogaça, é uma satisfação muito grande ouvi-lo discorrer sobre tema da maior importância para a sociedade brasileira. Quero cumprimentá-lo pelo discurso e, acima de tudo, cumprimentar o Senado por mais uma vez ter escolhido V. Exª como Relator de matéria da maior importância para o Brasil, como é essa relativa à energia elétrica. Quero festejar as observações que V. Exª faz. Trata-se de um avanço - como bem ressaltou V. Exª -, principalmente no momento em que caminhamos para a privatização desses setores que possuem demanda reprimida. Não há nenhuma dúvida de que a iniciativa privada irá ocupar o espaço que até hoje o Poder Público não pôde preencher. Quando isso aconteceu, a população é que foi apenada. E continua sendo. Quero dizer a V. Exª que, tendo sido Governador do Pará, por duas vezes, uma das coisas que eu lamentava - e lamentava com o sentimento da impotência- , era exatamente o fato de não poder atender, por meio das Centrais Elétricas do Pará, populações do meu Estado que estavam dispostas a pagar energia elétrica; onde havia mercado, portanto, mas, lamentavelmente, a nossa companhia de energia elétrica não possuía os recursos para investir. O discurso de V. Exª se refere a um novo tempo em que desejamos que, efetivamente, a convocação da iniciativa privada possa ser atendida e para esses investimentos possa acorrer o investimento que o Poder Público não pode fazer. Em última análise: a comunidade ser atendida. Desejo cumprimentar V. Exª pela visão que tem desta questão e pelas informações que traz para o debate no plenário do Senado Federal. Hoje, estamos tratando da questão da energia elétrica. Logo mais, trataremos da questão relativa às telecomunicações. O que V. Exª desenha hoje sobre o que será a Aneel, não tenha a menor dúvida, é o modelo que se há de desenhar também para a área de telecomunicações. Neste meu aparte, congratulo-me com V. Exª pelas observações que faz e cumprimento o Senado Federal por ter tido em V. Exª, mais uma vez, o relator atento de matéria tão importante para a sociedade brasileira.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Obrigado, Senador Jader Barbalho, não só pelas palavras de V. Exª, mas sobretudo pela maneira como esclareceu o Plenário com o exemplo prático do Estado de V. Exª, sobre um fato que é inequívoco e irretorquível. Se depender dos Estados ou mesmo do Governo Federal, o Brasil não terá ampliação considerável da oferta de energia nos próximos anos.

Há casos em que as empresas estatais, por um processo de endividamento cuja origem histórica conhecemos - mas não é o fato de conhecê-lo que vai mudar essa realidade - estão tolhidas em sua capacidade de investir, estão absolutamente impossibilitadas de expandir a infra-estrutura de energia elétrica. Ou atraímos os capitais privados, ou não haverá aumento, não haverá expansão.

O que há de novidade, Senador Jader Barbalho? Há o fato de que essa área não deixou de ser pública, de ser de controle público, e onde tem que predominar o interesse público. Ela se desestatiza, mas não se "despublicisa". Isso é da maior importância, inclusive ideológica - se é que isso é importante neste caso.

Não se trata aqui de vendermos uma usina siderúrgica para uma empresa privada brasileira ou estrangeira. Uma vez vendida, ela sai completamente do âmbito e do controle do Estado, a não ser, dentro das regras da lei, no pagamento de impostos, naquilo que ela se relacione com o Estado.

Não é o caso, Senador Jader Barbalho, do setor de energia elétrica, porque essas empresas são operadoras de capital privado, mas são empresas que prestam serviços públicos e que têm de seguir todas as regras que seguem as empresas estatais que hoje operam no setor, sob fiscalização da Aneel e do Senado Federal, que é quem vai tomar conta, pedir contas, pedir informações - é um novo encargo do Senado Federal. Não é da Câmara dos Deputados, é do Senado Federal.

Teremos um relacionamento de comprometimento mútuo com esse órgão tal como temos hoje com o Banco Central, por exemplo. Ou seja, o papel de fiscal do Banco Central é proeminentemente um papel do Senado, porque é o Senado que aprova os diretores do Banco Central e o seu presidente.

O papel de fiscal da Aneel é, proeminentemente, um papel do Senado, porque é assim que a lei estabelece institucionalmente. De modo que essa inovação, essa mudança, eu quero saudá-la e dizer que isso significa para o Brasil um passo de modernização institucional, de melhoria econômica e de garantia para o nosso crescimento econômico.

O Sr. Hugo Napoleão - Permite V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Concedo o aparte ao Senador Hugo Napoleão, líder do PFL, com muita honra.

O Sr. Hugo Napoleão - Muito obrigado, Senador José Fogaça. Tenho acompanhado o pronunciamento de V. Exª a respeito da Aneel, que acaba de chegar ao Senado, vindo da Câmara dos Deputados. A posição do meu Partido com relação aos órgãos reguladores é clara, inclusive já definida em reunião de sua executiva nacional em mais de uma oportunidade. Não falo especificamente da Aneel; falo, por exemplo, do órgão regulador de telecomunicações ou de qualquer modelo de órgão regulador. É a idéia de um órgão regulador autônomo, que não tenha necessariamente uma submissão ao Executivo e que possa, efetivamente, ter certa liberdade dentro de conceitos, evidentemente, de probidade, da necessidade que, aliás, consta do próprio projeto.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - O projeto estabelece que o caso em que se pode fazer a demissão, em que o diretor ou o presidente da Aneel pode ser demitido é o caso de comprovada improbidade na condução da sua administração. Portanto, de acordo com o que V. Exª está observando.

O Sr. Hugo Napoleão - Perfeitamente, isso está delineado. Já me referi especificamente ao caso em que, eventualmente, na saída de um membro do órgão regulador, ele passe um interstício, que, no caso, como eu dizia, está previsto em um ano, sem vinculação direta ou indireta com quaisquer empresas do mercado. Mas o que eu gostaria de dizer é que essa posição, que é clara, nítida, definida - e nós dois tivemos oportunidade de debater a questão em seminário internacional - é que o órgão tenha a sua autonomia. Não me parece que, pelo desenho de autarquia previsto para a Aneel, essa situação esteja configurada completamente nos termos em que o meu Partido defende. Espero que, quando a nova lei de telecomunicações chegar ao Congresso Nacional, possamos configurar maior autonomia às suas ações. Não tenho dúvida de que V. Exª vem abordando com precisão, com conhecimento de causa e com profundidade, que jamais lhe faltaram no desempenho da missão parlamentar, esse projeto que se encontra à consideração do Senado da República.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Senador Hugo Napoleão, agradeço a V. Exª. De fato, o PFL manifestou essa posição. Ouvi também, em debates com a FIESP, que tive oportunidade de fazer, observações quanto a esse aspecto, ou seja, o órgão, na verdade, é independente dentro do Governo. É o que mais ou menos dizem os americanos com relação ao seu Banco Central: independente dentro do governo. Vale para a Aneel aquilo que os americanos dizem do seu Banco Central. Nós, dizem os americanos, somos absolutamente sujeitos ao Senado Federal, porque é ele quem nomeia os nossos diretores, e dependemos do que o Orçamento vai dizer que podemos gastar. Não dependemos para a obtenção dos recursos. O problema não é o quanto dispomos; o problema é o que nos é autorizado a gastar, o que nos é autorizado a utilizar dos recursos que temos.

O fato de o órgão continuar sendo uma autarquia e, portanto, um órgão dentro da estrutura do Governo, embora independente, dá ao Senado, ao Congresso o grande e majoritário poder sobre esse órgão. Não é o poder de controlar, não é o poder de manipular, que seria extremamente negativo; é o poder de fiscalizar. O Senado é o fiscal dos fiscais. E isso, parece-me, é a grande mudança, a grande revolução. A Aneel depende muito menos das empresas, deve muito menos satisfação ao Governo, menos satisfação às empresas e muito mais satisfação ao Senado e ao Congresso.

Portanto, embora conhecendo e respeitando a posição do Partido de V. Exª, que já me tinha sido trazida, devo dizer que o modelo que construímos foi aquele que o consenso entendeu ser o mais adequado. Agradeço o aparte de V. Exª.

Quero dizer, Sr. Presidente, que já obtivemos a urgência. A matéria está na pauta, está correndo o prazo, e faço um apelo a esta Casa para que aprove a Aneel. Tive a necessidade de rejeitar algumas emendas, entre elas a do Senador Mauro Miranda, mas creio que a necessidade de aprovarmos o mais imediatamente possível esse projeto significa a garantia também de que os investimentos virão com maior celeridade.

O Sr. Mauro Miranda - V. Exª me concede um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Mauro Miranda - Quero cumprimentar V. Exª, que mais uma vez brilha nesta Casa relatando esse importante projeto que trata da Agência Nacional de Energia Elétrica. Minha emenda visa à descentralização, ou seja, à participação direta dos Estados que têm potencial energético. Entendi perfeitamente as ponderações de V. Exª no sentido de apressar soluções para que o projeto tramite com toda rapidez. Votei em todos os níveis possíveis de urgência urgentíssima, porque o bem maior estaria garantido. Conversei com o Ministro das Minas e Energia, cuja opinião também é no sentido da descentralização e da participação dos Estados que têm os potenciais energéticos, desde o início, de qualquer projeto de geração de energia elétrica. Assim, cumprimento novamente V. Exª por esse trabalho que vai adiantar muito o nosso setor energético. Muito obrigado.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Muito obrigado, Senador Mauro Miranda. As emendas de V. Exª tinham o mérito de já explicitar na lei e de já garantir na lei os detalhes dessa descentralização: como ela se daria e a quem competiria as parcelas da taxa de fiscalização. V. Exª avançou, pois apresentou maiores detalhes sobre essa descentralização.

Mas, como nos garantiu o Ministro das Minas e Energia - também recebi um telefonema de S. Exª- , a descentralização, que já está prevista, embora em regras gerais, vai ser levada a efeito. E já há um exemplo primoroso disso. São Paulo já criou seu órgão por lei estadual e, portanto, já se habilitou para fazer o papel de órgão regulador de tudo que representar a atividade de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica no seu Estado.

O Sr. Lauro Campos - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Com muita honra dou o aparte a V. Exª.

O Sr. Lauro Campos - Nobre Senador José Fogaça, tenho uma certa dificuldade de compreender uma proposta que ainda está em abstrato. Quando o Ministro Sérgio Motta esteve aqui e falou a respeito da criação de conselhos, que na realidade constituem organizações muito semelhantes à Aneel, fiz-lhe uma interpelação e considerei que realmente não era uma novidade tão grande, porque se assemelhava muito, em estrutura, em organização - nas funções de fiscalização e outras - ao Banco Central. Vejo agora V. Exª se referir ao FED, justamente confirmando minha suposição. Infelizmente o Banco Central não tem agido de maneira tão digna de aplausos quanto gostaríamos, principalmente em suas funções de fiscalização. Para que eu me esclarecesse, gostaria de perguntar se as concessões serão feitas de patrimônios de empresas já existentes ou se serão apenas para abrir o capital para que essas atividades privadas possam desempenhar desde o início a exploração desses setores. Muito obrigado.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Muito obrigado, Senador Lauro Campos. A pergunta de V. Exª é importantíssima. Em primeiro lugar, antes de deter-me na parte final da intervenção de V. Exª, gostaria de dizer que a Aneel é dessemelhante do nosso Banco Central, porque o nosso Banco Central não é independente. Ou seja, os diretores do Banco Central do Brasil não possuem mandato fixo. Creio que essa é uma das razões pelas quais o Banco Central tem pouco poder de intervenção e fiscalização junto aos bancos privados. Sei que há quem discorde disso, sei que há quem pense o contrário, mas é uma discussão que está posta e terá suas conseqüências.

No caso da Aneel, essa independência já se configura inteiramente. Eu não compararia o que V. Exª chama de "desacertos do Banco Central" com o futuro da Aneel. Porque a Aneel será independente e o Banco Central não é ainda. Poderá vir a ser, se aprovarmos uma lei complementar que regulamenta o art. 192.

Respondendo à parte final da pergunta de V. Exª, quero dizer que penso que é da maior importância aquilo que V. Exª está colocando. Quando se vende uma empresa estatal, como se vendeu a Light no Rio de Janeiro, isso, sim, é privatização. E aí, Senador Lauro Campos, a Lei das Concessões não está, digamos assim, ferida, ou seja, ela não atinge essa operação, que é operação de venda de uma empresa estatal para um grupo privado. Por quê? Porque aí houve, sim, uma privatização, uma desestatização. Embora a empresa continue dentro do setor público e funcionando como uma concessionária de serviço público, o ato de vender a Light para um grupo americano e francês é um ato de privatização debaixo da Lei das Privatizações, aprovada aqui em 1990 e que agora queremos modificar com o projeto do Senador José Eduardo Dutra a respeito da Vale do Rio Doce. É essa lei que se aplica para o caso da Light.

Quando se aplica a Lei das Concessões? Quando houver uma concorrência pública para abrir uma usina ou para montar um sistema de distribuição e uma empresa privada se apresentar para concorrer, podendo até concorrer com outras empresas estatais. Aí é que entra, de fato, todo o processo, que é o da Lei das Concessões e agora da Aneel. Encerrada a operação de venda da Light para a empresa americana e francesa, ela entra para o mundo jurídico sob o bojo da Lei das Concessões. Mas, a legislação que permitiu a venda da Light não foi a Lei das Concessões e, sim, a Lei das Privatizações. Trata-se de um outro âmbito, de uma outra esfera, assim como a lei que permite, hoje, a venda da Vale do Rio Doce; são situações distintas.

O que há de característico, de peculiar, é que a nova empresa surgida da venda resultante dessa operação comercial está debaixo desse guarda-chuva jurídico, que é a Lei das Concessão e a Aneel. Qual a diferença? A diferença é que as antigas empresas estatais, ou seja, as atuais, tinham concessões de vinte anos, sem contrato, e as novas operadoras de serviços de energia elétrica só poderão entrar com contrato e com a realização de concorrência pública: há que ser publicado um edital de concorrência, há que haver uma disputa e aquele que oferecer o melhor preço de energia para o usuário e quem ficará com a concessão. E, a partir daí, essa empresa privada está debaixo de regras moldadas e definidas no estabelecimento, digamos assim, de um desenho que é basicamente público, ou seja, de interesse público, sob regras que o Congresso Nacional fixa e ele mesmo fiscaliza.

O Congresso Nacional não pode, por exemplo, fiscalizar as usinas siderúrgicas que foram vendidas para o setor privado; não pode fiscalizar uma antiga empresa de tecelagem que foi vendida; não pode fiscalizar mineradoras como a Vale do Rio Doce, porque as concessões não dependem de um órgão regulador, cujo presidente, cujos diretores sejam aprovados pelo Senado. Mas quando uma empresa de energia elétrica resolve comprar outra, ela aceita, pelas regras da lei brasileira, colocar-se debaixo do guarda-chuva da Lei de Concessões, da Aneel e, evidentemente, do Senado. Essas empresas devem satisfação ao órgão regulador e fiscalizador e também a quem tem o papel de fiscal que, no caso, é o Senado.

Então, essa lei da Aneel não autoriza vender empresas estatais já existentes. Se dependesse da lei da Aneel, a Light nunca poderia ser vendida.

V. Exª pode perguntar: mas como isso aconteceu? A Light foi vendida não por causa da Lei da Aneel ou da Lei das Concessões, mas porque, em 1990, no Congresso, aprovamos a chamada Lei das Privatizações, cujo teor, por sinal, o Líder do Partido de V. Exª, Senador José Eduardo Dutra, quer mudar, introduzindo algo que já existia em 1990 e que havia sido vetado pelo então Presidente Fernando Collor: dar ao Congresso o poder de editar um decreto legislativo e sustar a privatização, se o mesmo entender que a privatização não segue as regras de honestidade e transparência.

Nesta minha tentativa de esclarecimento, busquei mostrar que essa venda não é resultado do que estamos fazendo aqui, mas do que já foi autorizado no passado. Estamos agindo exatamente no sentido inverso, garantindo que essa venda não exclua a empresa do nosso controle. Ao contrário, estamos criando mecanismos pelos quais essa empresa passe rigorosamente por um sistema de controle público e transparente, que, por sua vez, está sob a fiscalização do Senado Federal e do Congresso Nacional.

Dito isso, Sr. Presidente, agradeço a V. Exª a tolerância e encerro aqui o meu pronunciamento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/11/1996 - Página 19140