Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUESTÃO DA FOME, UMA DAS GRANDES TRAGEDIAS NACIONAIS. COMENTARIOS AO ESTUDO DO IPEA, QUE APONTA PARA A IMPRESSIONANTE CIFRA DE 32 MILHÕES DE BRASILEIROS ACOMETIDOS PELA FOME. PESQUISA REALIZADA PELO PROFESSOR CARLOS MONTEIRO, DA USP, QUE MONTA O MAPA DA POBREZA NO BRASIL.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUESTÃO DA FOME, UMA DAS GRANDES TRAGEDIAS NACIONAIS. COMENTARIOS AO ESTUDO DO IPEA, QUE APONTA PARA A IMPRESSIONANTE CIFRA DE 32 MILHÕES DE BRASILEIROS ACOMETIDOS PELA FOME. PESQUISA REALIZADA PELO PROFESSOR CARLOS MONTEIRO, DA USP, QUE MONTA O MAPA DA POBREZA NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 03/12/1996 - Página 19464
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, ESTATISTICA, FOME, BRASIL, CONCENTRAÇÃO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA.
  • ANALISE, EFEITO, FOME, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, EFICACIA, INVESTIMENTO, ALIMENTAÇÃO, TRABALHADOR, AUMENTO, PRODUTIVIDADE.
  • NECESSIDADE, PRIORIDADE, COMBATE, FOME.

O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Srª Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, gostaria de abordar, neste meu pronunciamento de hoje, a questão da fome em nosso País, problema que preferimos ignorar mas que constitui uma das grandes tragédias nacionais.

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA - aponta para a impressionante e vergonhosa cifra de 32 milhões de brasileiros acometidos pela fome, uma população equivalente à da Argentina.

São 9 milhões de famílias, Srª Presidente, cuja renda, na melhor das hipóteses, permite-lhes adquirir apenas os nutrientes capazes de satisfazer suas necessidades nutricionais.

Metade dos brasileiros famintos reside nas cidades. Dentre a parcela de famintos rurais, há um predomínio absoluto deles na região Nordeste.

O citado estudo do IPEA utiliza o conceito de indigente para se referir às pessoas que passam fome, cuja definição técnica é a seguinte: pessoas cuja renda familiar corresponde, no máximo, ao valor da aquisição da cesta básica de alimentos que atende aos requerimentos nutricionais recomendados pela Organização Mundial de Saúde - OMS, para a família como um todo.

Uma outra pesquisa, realizada pelo Professor Carlos Monteiro, da USP, tenta mensurar a magnitude da fome no Brasil a partir do seu efeito nas pessoas desnutridas - no caso, a baixa estatura.

A vantagem desse tipo de pesquisa em relação ao estudo do IPEA, baseado em estimativa de renda, é que, ao contrário deste, ela não deixa de considerar eventuais alimentos que são consumidos pela população, mas que não são adquiridos nos mercados. Para as populações rurais, que cultivam roças de subsistência, essa é uma fonte de alimentação não negligenciável.

Pois bem, o Professor Monteiro baseia sua investigação numa pesquisa antropométrica por amostragem, levada a cabo pelo IBGE em todo o território nacional, que mensurou a estatura da criança brasileira nos cinco primeiros anos de vida.

Baseado na informação cientificamente reconhecida de que as pessoas que sofrem de pobreza absoluta e de desnutrição tendem a apresentar baixa estatura, o Professor Monteiro montou um mapa da pobreza no Brasil, que procura relacionar cada Estado brasileiro com padrões semelhantes de pobreza vigentes em outros países.

Por meio desse estudo, ficamos sabendo que os Estados brasileiros que apresentam menores índices de pobreza, situados no centro-sul do País, possuem padrões de desnutrição compatíveis aos de Costa Rica, Chile e Jamaica.

Por sua vez, os Estados mais pobres, localizados no Norte e no Nordeste, igualam-se a países africanos paupérrimos.

Assim, o Amazonas corresponde a Costa do Marfim; a Bahia, a Cabo Verde; o conjunto do Rio Grande do Norte e da Paraíba, a São Tomé e Príncipe; o Ceará, ao Congo; Pernambuco, a Zimbábue. Fechando as listagens das correspondências, o Pará representa Gana; Alagoas e Sergipe, Togo; e Maranhão e Piauí, o desolado Quênia.

Aí está, Srªs e Srs. Senadores, um retrato fiel da vergonha nacional!

Vivemos na oitava maior economia do mundo ocidental, e, ao mesmo tempo, grande parte do nosso povo suporta um padrão de vida muito semelhante ao de alguns miseráveis países africanos.

Que futuro pode esperar uma Nação dilacerada pela fome?

Deixemos de lado, Sr. Presidente, por um momento, o aspecto moral dessa situação e concentremo-nos no significado da fome e da alimentação inadequada para a produtividade e para a capacidade competitiva da economia brasileira.

Ao investigar esse tema, partimos de um pressuposto óbvio: o de que pouco valem a alocação de recursos para a produção, os investimentos em novas tecnologias e os programas de treinamento de recursos humanos, se os trabalhadores, que são os agentes que viabilizam a produção, encontram-se mal alimentados e, por via de conseqüência, não atingem o seu melhor rendimento.

Dessa forma, não poderá haver desenvolvimento econômico nem avanço considerável da capacidade competitiva da economia, sem que se façam progressos quanto à alimentação do trabalhador.

Apenas para exemplificar o que, por si só, já é evidente, vários estudos comprovam a alta correlação existente entre a alimentação e a produtividade no trabalho.

A má alimentação - todos sabemos - provoca fraqueza e baixa disposição física no trabalhador. Pesquisa divulgada pela ONU demonstra que o aumento de 1% nas calorias consumidas por trabalhador corresponde a um incremento de 2,2% na produtividade.

O estudo ressalta que esse crescimento da produtividade é superior ao obtido por meio da expansão de um ponto percentual nos investimentos em habitação, ensino superior ou segurança social. Esse dado atesta, indiscutivelmente, a eficiência, em termos de produtividade da economia, do investimento "alimentação".

Outro ponto que merece destaque é que o investimento em alimentação possui um alto efeito multiplicador em diversos setores da economia, não se restringindo somente à produtividade do trabalho.

Dentre esses efeitos destacaríamos a menor pressão sobre o sistema de previdência social, aí incluídos a saúde pública e as aposentadorias precoces, ou seja, a população é bem alimentada e, por essa razão, está menos sujeita a doenças. Em outras palavras, podemos melhorar a situação de sobrecarga nos hospitais públicos se investirmos em alimentação.

O que é mais grave nessa problemática da fome, Sr. Presidente, é que as pesquisas comprovam, também, que a disponibilidade interna de alimentos supera, em muito, a necessidade diária de calorias e de proteínas da população brasileira.

Em suma, Sr. Presidente Epitacio Cafeteira, o problema alimentar brasileiro reside no descompasso entre o poder aquisitivo de um amplo segmento da população e o custo de aquisição dos alimentos necessários para a satisfação das necessidades do trabalhador e de sua família.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sabemos que uma solução efetiva para o problema da fome no Brasil, subtraídas as questões estruturais de distribuição de terras e de rendas, somente virá com o retorno do crescimento da economia, o que aumentará o nível de emprego no País.

Não devemos, no entanto, permanecer eternamente à espera desse crescimento econômico. Coloquemos o homem brasileiro no lugar que lhe é devido: o centro das preocupações das políticas públicas. Combatamos a vergonha da fome e da desnutrição no Brasil.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/12/1996 - Página 19464