Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A IMPORTAÇÃO DESENFREADA, SEM UMA PROTEÇÃO MINIMA PARA AS INDUSTRIAS NACIONAIS.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A IMPORTAÇÃO DESENFREADA, SEM UMA PROTEÇÃO MINIMA PARA AS INDUSTRIAS NACIONAIS.
Aparteantes
Ademir Andrade, Artur da Tavola, Fernando Bezerra, Geraldo Melo, Lauro Campos, Lúcio Alcântara, Onofre Quinan, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 04/12/1996 - Página 19565
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • DEFESA, IMPLANTAÇÃO, POLITICA, PROTEÇÃO, PRODUTOR, INDUSTRIA, BRASIL, MOTIVO, AUMENTO, EXECUÇÃO, IMPORTAÇÃO, PREJUIZO, PRODUÇÃO INDUSTRIAL, PAIS.

O SR. PEDRO SIMON - Saibam V. Exªs, Sr. Presidente e Senador Epitacio Cafeteira, que o Brasil é o maior importador de picanha do mundo. Venho do Rio Grande do Sul, terra produtora de gado de corte. Tomamos conhecimento de que os Estados Unidos são o maior exportador de picanha para o Brasil - 1,5 milhão de toneladas, às quais, no ano que vem, deverão somar-se mais 50%.

Enquanto o Brasil importa tanta picanha, carne de primeira, carne de gente de alto poder aquisitivo, enquanto o Brasil se abriu às importações de peças de automóveis, a tal ponto que as empresas do setor estão vivendo uma hora dramática, a União Européia se reúne e estabelece uma sobretaxa para importação de peças de automóveis. Na União Européia, mandaram às favas a globalização e disseram que ali peças de automóveis do Japão, da Coréia ou dos Estados Unidos pagarão uma sobretaxa para entrar, porque estava em risco as indústrias de autopeças daquele bloco econômico.

Sr. Presidente, a tal da globalização pode ser verdade e as economias do mundo se preparam para se defender dela e nela atuar. Será que só o Brasil que não vê isso?!

O Brasil, no mês passado, teve na balança de importação 1,3 bilhão de déficit em dólares a mais que as exportações. Dentro desse déficit estão 1,5 milhão de toneladas de carne de picanha e a importação fantástica de peças de automóveis que são fabricadas aqui.

A União Européia entende a globalização do seu jeito, porque compreende a globalização. Vamos abrir as fronteiras, negociar com o mundo inteiro, sim, mas vamos proteger o que é nosso. Será que o Brasil não compreende isso?

Tenho em mãos o Jornal do Senado, que me chamou muita atenção. Eu não estava presente á sessão em que o Senador Geraldo Melo falou sobre o fracasso no combate à fome. Eu também não estava presente na sessão de ontem, quando foi debatido por V. Exª a questão referente ao problema da saúde no nosso País. Penso que está na hora de debatermos, com base na real situação em que vive o mundo, a nossa responsabilidade de responder a isso.

O Senador Geraldo Melo fala do fracasso no combate à fome no mundo inteiro. A Folha de S.Paulo publicou que no Brasil há cerca de 60 milhões de brasileiros que não têm sequer título de eleitor; não se sabe quando e onde nasceram e como se chamam. E vamos nos dar ao luxo de importar 1,5 milhão de toneladas de picanha dos Estados Unidos? Os Estados Unidos comem carne de pescoço e mandam a picanha para o Brasil.

O mercado, diz a notícia, está tão espetacularmente receptivo que, no ano que vem, a importação aumentará em 50%. Isso, dos Estados Unidos; somos também o grande importador de picanha da Argentina, que é outra grande produtora.

Será que é essa a globalização de que se fala? Será que não devemos ter uma tática dentro da política de exportação e importação? Será que, com a globalização, o Governo não deve ter a responsabilidade de pesar e medir, ver o que entra ou não?

O Brasil é o maior importador de uísque escocês do mundo - é verdade que deve entrar uma barbaridade de uísque falso. Viajei pela Escócia e tive a oportunidade de conhecer suas fábricas tradicionais e antigas de uísque. Não observei nenhum armazém, ou local de armazenamento, ao lado de alguma daquelas grandes empresas produtoras de uísque que correspondesse à metade dos armazenamentos que vi em Porto Stroessner, no Paraguai. Ali, observei um complexo de armazéns. Mas o Brasil é o maior importador de uísque escocês do mundo. E agora passa a ser o maior importador de carne de picanha do mundo.

O Sr. Geraldo Melo - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Com prazer ouço V. Exª.

O Sr. Geraldo Melo - Agradeço a V. Exª pelas referências que teceu ao pronunciamento que tive a honra de proferir, neste Senado Federal, ao regressar de uma missão no exterior, onde participei de uma reunião da União Interparlamentar, na ocasião em que se realizava a grande Conferência da FAO, a respeito da fome no mundo. Acrescento ao discurso de V. Exª um dado que chamei a atenção, da última vez, e que pode não ter sido muito bem entendido. Não quero que haja dúvidas com relação à minha posição. Como sabe V. Exª, sou um defensor da economia de mercado e a questão da globalização é uma fatalidade que o Governo brasileiro não tem condições de evitar. Mas, embora seja o defensor da empresa privada, da propriedade privada, dos meios de produção e da economia de mercado, não sou tão fanático assim pela capacidade milagrosa do mercado como sendo capaz de resolver todos os problemas da economia mundial. Este caso da fome serviu para que, aqui, enfocasse uma questão. Nem sempre o mercado, por si, fará os milagres que desejamos. Onde a fome existe é exatamente porque não há mercado. Aquela triste, trágica procissão de homens, mulheres, crianças, velhos, saindo do Zaire para Ruanda, o grito mais escandaloso de protesto contra a incompetência mundial para lidar com a fome, aquela multidão é gente, mas não é mercado. Ela não representa um mercado, porque não tem capacidade de compra, e a fome se abate sobre 800 milhões de pessoas, quase 15% da população mundial. Aí é o caso dos neoliberais refletirem sobre a maneira de inventar um tipo novo de mercado, capaz de atender aos estímulos da necessidade de multidões famintas, mas que não têm dinheiro para comprar comida e, portanto, não gerarão os estímulos automáticos que resolveriam, milagrosamente, como tantos defendem, os problemas de produção. Agradeço a V. Exª e peço desculpas por ter-me alongado.

O SR. PEDRO SIMON - Eu que lhe agradeço, nobre Senador.

A União Européia decidiu com relação aos preços exageradamente baixos das indústrias de autopeças da Coréia, do Japão e dos Estados Unidos. A partir disso, reuniram-se os seus 15 países-membros para estabelecer uma sobretaxa. Isso não é novidade. O Rio Grande do Sul esgotou sua indústria de sapatos ao colocá-los sobretaxados nos Estados Unidos. O mesmo ocorreu com São Paulo quando, por uma intempérie qualquer, o sul daquele país via sua produção de laranja destruída. Neste momento, os paulistas entusiasmavam-se para ganhar muito dinheiro na exportação do seu produto que, mesmo assim, passava a ter uma sobretaxa. Argumento para o fato de que essa globalização existe, mas que não devemos entrar crus, deixando tudo aos cuidados das leis de mercado. Devemos ter a obrigação de exercer esse controle. Temos mercado para importar quatro vezes mais picanha do que o anunciado nesta matéria. Não há dúvida que temos mercado para importar uísque escocês. No entanto, dentro dos 15% da população, comentada há pouco por V. Exª, há outros tantos que passam fome. Quer dizer, se no mundo há 15% que passam fome, no Brasil há 15% que passam fome. E a orientação da política econômica do País é deixar que saiam dólares para importar picanha e 15 milhões de brasileiros passando fome!

O Sr. Fernando Bezerra - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Ouço com prazer o aparte do Senador Fernando Bezerra.

O Sr. Fernando Bezerra - Senador Pedro Simon, quero agradecer a atenção de V. Exª por ter-me citado em seu discurso e pelo aparte que me concede. Quero, em primeiro lugar, dizer que concordo absolutamente com as colocações que V. Exª aqui faz, de que é dever de cada país proteger a sua economia, como faz a União Européia, que muitas vezes critica vários países do mundo, inclusive o nosso, mas que sobretaxa, por exemplo, o suco de laranja brasileiro em cerca de 80%; que sobretaxa os frangos e as carnes brasileiras em mais de 100%. Entendo que a abertura que se fez no País era necessária, era inexorável. Ela foi mal compreendida, inclusive, por parte da sociedade brasileira que, durante um longo período, dizia que a abertura atingia apenas o choro dos empresários brasileiros. Estes, hoje, compreendem que é inexorável e lamentam que a abertura não tenha sido feita de maneira programada, para proteger aqui o emprego e a economia brasileira. Creio ser este o momento apropriado para criarmos mecanismos imediatos de proteção, como fazem os Estados Unidos, a União Européia e o Japão. Tivemos o exemplo recente de que o Governo dos Estados Unidos sobretaxou o automóvel japonês em mais de 100%. Há o caso do mercado de autopeças brasileiro que vem sofrendo um absurdo em relação a isso. O mesmo vem acontecendo com a indústria têxtil, com a indústria de calçados e a indústria de brinquedos que, de forma incompreensível, usaram mecanismos de salvaguarda permitidos pela Organização Mundial de Comércio - OMC, e foram por isso duramente criticadas. Ouvi muitas críticas e não compreendi como a sociedade brasileira, inclusive, critica no sentido quase de estabelecer uma proteção do emprego no exterior. Quero dizer ainda a V. Exª que, defensor da economia de mercado, também não acho que o mercado seja solução para os problemas da sociedade. Então, quero congratular-me com o discurso que V. Exª faz, pela seriedade, pela preocupação que tem na proteção ou na salvaguarda dos interesses nacionais. Cumprimento V. Exª e quero dizer que me solidarizo integralmente com suas palavras. Muito obrigado.

O SR. PEDRO SIMON - Eu gostaria apenas de complementar o pensamento de V. Exª no que se refere aos brinquedos. A principal fábrica brasileira de brinquedos, a Estrela, que diminui o seu número de empregados de 14 mil para 1.200, e, mesmo assim estava prestes a fechar, passava por um momento difícil, quando o Governo fez, o que acho inteligente, chamou as indústrias de brinquedo, sentou numa mesa e disse que colocaria uma sobretaxa para importação do brinquedo, mas que eles passariam a ter duas obrigações. Em primeiro lugar, não aumentariam o preço dos brinquedos; em segundo lugar, que aumentariam a produção em tantos por cento para as vendas de Natal. O prazo se esgota no dia 05, depois de amanhã. O Governo brasileiro verá se a indústria de brinquedos nacional não aumentou. Então, para se comprar o brinquedo estrangeiro, teremos que pagar uma sobretaxa. É claro que isso parece até meio ridículo. Coitado do operário, da gente simples brasileira, podendo comprar o brinquedo da China por R$2,00 vai comprar do Brasil por R$3,00. Mas se ele comprar da China por R$2,00, quebrará a indústria nacional. Depois disso, a China não vai deixar o preço por R$3,00, mas, sim, por R$4,00 ou mais. Então, o Governo tem que ter a competência de graduar.

Por exemplo, em caso de formação de um truste nacional, quando se reúnem os fabricantes de cimento para jogar o preço para cima, o Governo importa. O Governo importa porque estão querendo boicotar o povo brasileiro. Aí, sim, é necessária a importação. No caso do setor têxtil, o que o povo brasileiro vai fazer com o algodão que ele produz, se o tecido é praticamente importado? Uma fábrica de confecção masculina em Porto Alegre tinha três mil empregados, hoje não tem 200, porque importa a roupa pronta por um terço do preço cobrado aqui. É bom, mas foram três mil desempregados. Foram três mil desempregados! Se garantissem que essas pessoas iriam nos fornecer trajes masculinos por dez anos com o mesmo preço, não haveria problema. Mas, no momento em que desaparece o parque nacional, no momento que não tem concorrente aqui, eles vendem pelo preço que querem.

Então, o que está faltando ao Governo é uma graduação. Usar as importações para manter a inflação baixa está certo! Usar a inflação para defender o Brasil contra a organização que abre falência contra os oligopólios que fazem alguns, para impor preços, está correto; mas abrir as importações, no sentido de chegarem aqui e esmagarem a indústria nacional, parece-me equivocado!

O Sr. Lúcio Alcântara - V. Exª permite-me um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Com o maior prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Lúcio Alcântara - Senador Pedro Simon, aproveito o pronunciamento de V. Exª, para lembrar a questão da fome, quando V. Exª fala da importação da picanha. O Presidente Fidel Castro, em Roma, chamou de tímidas as propostas da FAO, porque querem, em dez anos, diminuir os 800 milhões de famintos no mundo para 400 milhões.

O SR. PEDRO SIMON - E não concordaram em dizer que a responsabilidade é da humanidade! Esses 800 milhões são responsabilidade de todos nós; mas, segundo eles, "não, não é de todos nós; nós vamos ajudar, mas cada um que se vire".

O Sr. Lúcio Alcântara - E é tanto mais grave a situação quanto sabemos que no mundo todo, inclusive no Brasil, há muito desperdício de alimentos.

O SR. PEDRO SIMON - Há 30% de desperdício.

O Sr. Lúcio Alcântara - V. Exª inclusive foi Ministro da Agricultura e sabe disso. Alimentos apodrecem nos armazéns, há desperdício nos restaurantes, nas casas de quem tem poder de consumo. Enfim, tudo isso é alimento que se perde e que poderia, certamente, estar matando a fome de muita gente. No Brasil, sentimos que o Governo e a sociedade brasileira estão preocupados com o desequilíbrio da balança comercial. No entanto, há itens como esse: o Brasil vai importar essa picanha dos Estados Unidos; quando V. Exª começou a falar, pensei que fosse da Argentina; mas agora é essa picanha dos Estados Unidos. Em contrapartida, o Brasil...

O SR. PEDRO SIMON - Os Estados Unidos comem a carne de segunda e mandam a picanha para os brasileiros.

O Sr. Lúcio Alcântara - V. Exª se refere à questão da proteção, da defesa da economia do País com toda razão. Os Estados Unidos não aceitaram a importação de gasolina brasileira e recorreram à Organização Mundial do Comércio, sob vários argumentos. O Brasil estava exportando gasolina - um dos subprodutos da destilação do petróleo - com sucesso para os Estados Unidos. Mas o Governo americano não aceita mais a importação das gasolinas brasileira e venezuelana. O Brasil foi tradicionalmente um país exportador, com grandes saldos na sua balança comercial e não está ainda preparado para a nova fase de globalização, que tem seus efeitos benéficos, mas que tem também efeitos terríveis sobre a economia e sobre o emprego. Nosso País não se preparou para combater países que exportam com subsídios e que fazem dumping. No caso do algodão, o Ceará possui hoje o segundo parque têxtil e de produção de fios mais moderno do Brasil e já foi um grande produtor, chegando a produzir 100 mil toneladas por ano. Atualmente, produz aproximadamente 12 mil. A produção de algodão do Paraná também caiu bastante. As fábricas modernas do Ceará que produzem para exportação alegam que, se comprarem o algodão no Brasil, não terão chance de competir no mercado internacional, não conseguindo preço para exportar e correndo o risco de desempregar os trabalhadores e de afetar ainda mais a balança comercial. V. Exª está levantando questões muito complexas, que exigem uma calibragem permanente do Governo. Os funcionários do Governo brasileiro não estão preparados para se defender agilmente da importação de produtos, sob a forma de dumping ou com subsídios. Resultado: quando abrem o olho, é tarde. Foi o caso do setor de autopeças, que tomou uma série de providências tardiamente, o caso do brinquedo, e, ainda, sob uma saraivada de críticas de que o Brasil é troglodita, não quer internacionalizar a economia, não quer que os preços sejam baixos aqui dentro. Só que esse preço baixo tem um custo: desemprego, desequilíbrio na balança e assim por diante. Esta questão ainda vai dar muito pano para manga. E V. Exª traz, sem trocadilho, por causa do algodão, um tema da maior importância e não podemos impressionar-nos com isso. Devemos organizar-nos para nos defendermos, para nos protegermos dentro dos parâmetros gerais. Quantos anos durou a discussão da Rodada Uruguai? Por causa da agricultura. E continua. A União Européia fincou o pé, o açúcar de beterraba está caríssimo, sobretaxa suco e açúcar brasileiro e assim por diante. Também temos de cuidar da nossa vida, porque, neste jogo, nesta competição, sob o manto da globalização da economia, é cada qual cuidando de si.

O SR. PEDRO SIMON - Agradeço o aparte de V. Exª. Volto a repetir que estou falando de um assunto geral: as fábricas de autopeças no Brasil vivem sua maior crise. E o Brasil praticamente dobrou a produção de automóveis, que está em um bilhão e 500 milhões. As indústrias de autopeças vivem sua maior crise! Por quê? Por causa das importações.

A União Européia se reúne e determina que sejam sobretaxadas as importações de autopeças dos Estados Unidos, da Coréia e do Japão porque as estavam colocando a preços com os quais os europeus não podiam concorrer.

Parece-me que temos o mesmo assunto e duas decisões. Se podem fazer isso, por que não podemos discutir a matéria? E vejam que não temos praticamente nenhuma grande indústria de autopeças. São todas médias indústrias. Não temos holding, não temos nada. A rigor, quem coordena as indústrias de autopeças são as grandes montadoras, que praticamente fixam o preço e estabelecem a quota. Se existe uma indústria média, democrática, aberta, com milhões de mão-de-obra e pequenos e médios empresários, é a indústria de autopeças. Pois em meu Estado, inúmeras indústrias de autopeças fecharam as portas devido à concorrência.

Na mesma hora, na Europa, os 15 países da Organização Européia se reuniram e decidiram que está feita a sobretaxa. Carimbaram: autopeças do Brasil, da Coréia, do Japão e dos Estados Unidos vão pagar sobretaxa. É o mesmo assunto, à mesma hora. É o mesmo assunto, só que a nossa indústria de autopeças entrou em crise. Eles evitaram que a deles entrasse. É o mesmo mundo globalizado e são duas decisões diferentes.

O Sr. Onofre Quinan - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Pedro Simon?

O SR. PEDRO SIMON - Ouço-o com prazer, nobre Senador Onofre Quinan.

O Sr. Onofre Quinan - Prezado Senador Pedro Simon, entendo que a indústria de autopeças tem que ter uma proporcionalidade com a indústria de veículos. E o que está acontecendo no Brasil? Todo mundo sabe que temos um imposto de 35% para a importação de veículos pelas montadoras que têm indústria aqui; para as importadoras que não têm, 70%. Não sei se V. Exª sabe, nesse processo de globalização, o imposto para a autopeça era 2,5%, ou seja, não havia proteção alguma. Se fosse 0% ou 2,5%, seria a mesma coisa. Parece que passaram agora para 6%. Então, na relação da autopeça com o veículo montado ou o veículo importado pelo não-montador, há uma disparidade muito grande. Os valores dos veículos, autopeças e similares pertencentes aos veículos têm que estar interligados. Não sei por que existe essa distorção, pois o setor de autopeças é um segmento da indústria automobilística. Muito obrigado.

O SR. PEDRO SIMON - Agradeço a V.Exª pelo aparte, que dá lógica ao meu pronunciamento. A indústria montadora é estrangeira, ela monta seus produtos aqui; mas deve haver uma racionalidade na distribuição entre o que é da montadora e o que é da indústria de autopeças.

Sr. Presidente, mais de uma pessoa me fez a seguinte pergunta: se esse mundo está a caminho da globalização, se é um mundo sem fronteiras, aberto e competente, por que privatizar a Vale se essa empresa representa a grande chance para o Brasil, no setor de mineração, de negociar em condições de igualdade com o mundo e sem perder para ninguém? Privatizar a Vale do Rio Doce, entregando-a para o capital estrangeiro, para nossos concorrentes, parece-me uma infantilidade.

O Sr. Romeu Tuma - V. Exª me concede um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Com muita honra, nobre Senador.

O Sr. Romeu Tuma - V. Exª traz um assunto realmente empolgante, não sei se polêmico, porque o interesse nacional não é polêmico entre aqueles que têm o mesmo objetivo. Ainda ontem, participei de um congresso sobre a modernização dos portos. O valor agregado ao custo operacional envolve o transporte e uma série de outros fatores. E, como disse o Senador Lúcio Alcântara, não só na administração pessoal, mas também na administração dos preços que são agregados aos custos, estamos com algum atraso em relação aos portos estrangeiros. Acredito que, com a velocidade que se pretende modernizar a economia brasileira, talvez consigamos suprir esse déficit. O problema da importação dos brinquedos já vem trazendo uma angústia muito grande à indústria nacional. A Estrela praticamente pediu concordata e não sei se conseguirá sobreviver. Quanto às autopeças, o desejo da indústria automobilística é verticalizar; tentar, dentro dessa globalização, a indústria similar. Atualmente, entre as montadoras de veículos, a indústria "x" fabrica a lataria do carro em um país, o motor em outro, as peças componentes num terceiro e, num outro país, fazem a montagem. Então, temos um carro mundial porque todas as indústrias tentam buscar um preço melhor para competir.

O SR. PEDRO SIMON - Se V. Exª me permite, esse procedimento é feito pelas indústrias de automóvel, mas também por outros tipos de indústria. As grandes indústrias multinacionais produzem peças em diferentes países; caso haja algum problema nesses países, de nada adiantará o governo local encampar a fábrica porque ele ficaria talvez com apenas 30% do total do produto e sem os outros componentes.

O Sr. Romeu Tuma - É verdade. O Senador José Fogaça anunciou ontem que a GM está montando parte de uma indústria no Rio Grande do Sul, onde investirá 600 milhões; outra parte em São Paulo e uma terceira unidade, se não me engano, no Paraná. A Ford instalou uma fábrica de motores em São José dos Campos, São Paulo, mas a empresa está fazendo uma modernização que deverá ajudar a indústria de autopeças: a montagem em série com os componentes agregados, isto é, a própria indústria de autopeças passa a compor a linha de montagem da montadora e ficará responsável pela sua qualidade e vai integrar a linha de montagem. Provavelmente essa providência, juntamente com o aumento da alíquota que o Ministro da Indústria e Comércio determinou para as autopeças, promoverá uma melhoria para o setor. Até há pouco tempo havia grandes indústrias, com suas linhas de produção já modernizadas, mas que hoje estão fechando suas portas e diminuindo a produção. Quando eu estava na Polícia Federal e na Receita Federal, havia muitas fraudes na exportação de carne de frigoríficos brasileiros. Equipes do Mercado Comum Europeu vieram até aqui investigar o problema da saúde pública, quando o que existia aqui era o problema de fraudes fiscais. Exportava-se um milhão de línguas - para se atingir essa quantia seria preciso abater quase todo o plantel de gado brasileiro -, quando, na verdade, lá fora chegava um outro produto. Todos esses problemas trazem alguma conseqüência. É claro que os que importam e exportam estão envolvidos e são bandidos. Havia bandidos tanto no Mercado Comum Europeu quanto aqui. Penso que talvez falte investimento na indústria agropecuária. Gostaria de cumprimentá-lo porque sempre que V. Exª usa dessa tribuna é para tratar de assuntos importantes para a vida nacional.

O SR. PEDRO SIMON - Muito obrigado, Senador Romeu Tuma.

Sr. Presidente, volto a dizer que não há problema no fato de o Brasil estar entrando nesse mercado aberto, de haver a chamada globalização, de o Brasil estar abrindo as portas para o capital estrangeiro - milhões de dólares estão entrando neste País - e de o Brasil estar importando e exportando. Agora, Sr. Presidente, não se pode imaginar que, nessa globalização liberal, o Brasil não deverá ter os seus mecanismos de defesa, para saber como deverá ser sua atuação e a melhor forma de se proceder. Pelo amor de Deus, Sr. Presidente, não entendo!

Volto a repetir o exemplo - porque é singelo - do que aconteceu agora com o setor de autopeças, ou o que acontece com os americanos na sua autodefesa.

Por isso o Governo brasileiro, apesar de dizer "agora as fronteiras se abriram", "a negociação é aberta", tem a obrigação de informar que fórmulas o Brasil utilizará para entrar nessa aldeia global.

Querem importar picanha, e o Governo concorda; querem importar brinquedos da China, importem; querem importar não sei o quê, importem.

Sr. Presidente, quando fui Ministro da Agricultura - já contei este fato aqui -, fui chamado pelo Presidente Sarney porque o Ministro Setubal, das Relações Exteriores, disse na reunião que havia um plano espetacular dos americanos para nos vender leite em pó. Não me lembro bem dos valores, mas era algo em torno de 10 ou 20% do preço que pagávamos pelo nosso leite. Eu fui contra. Nós tínhamos feito um plano pelo qual estabelecíamos um preço e nós, Governo, garantíamos aquele preço ao produtor para que ele tivesse condições de produzir, notadamente em uma época de inflação maluca como era aquela antes do Plano Cruzado.

Nessa ocasião, o Presidente José Sarney virou-se para mim e disse: "Ministro Pedro Simon, logo V. Exª, que é popular, está contra a importação de leite, com o que se poderá vender leite praticamente de graça?" Ao que lhe disse: Senhor Presidente, sou contra. Se o Sr. Ministro Olavo Setubal me disser que há um projeto em que os americanos, por dez anos, vão nos fornecer o leite a esse preço, tudo bem. Vamos desmontar a indústria de leite nacional; não vamos produzir mais nada; porém, durante dez anos o povo vai tomar leite praticamente de graça. Nesse período, vamos ver o que faremos. Mas, por um ano? Iremos destruir a produção de leite nacional para, depois, eles nos venderem leite pelo preço que quiserem? Sou contra.

Sr. Presidente, não me arrependo do que fiz. A meu juízo, tive um gesto importante naquele momento.

A meu ver, o Governo brasileiro precisa ter uma fórmula para agir, precisa ter uma política de agir, mas não essa pela qual se diz ser neoliberal e que os antigos nacionalistas são dinossauros.

Temos que mudar, mas não assim. É por isso que estou nesta tribuna: para mostrar o exemplo dado pelos mais liberais, a União Européia. Quando o problema bateu à porta deles, disseram: "Não, não há globalização, não há liberalização. Aqui as autopeças, para entrarem, vão pagar um imposto especial, porque não vamos destruir nossa indústria de autopeças."

O Sr. Lauro Campos - V. Exª me permite um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Concedo o aparte a V. Exª com o maior prazer.

O Sr. Lauro Campos - Mais uma vez, V. Exª, nobre Senador Pedro Simon, trata de assuntos importantíssimos para a economia e para a vida nacional. Com roupagens diferentes, muitas vezes, nós nos preocupamos com as mesmas substâncias. V. Exª apresenta aqui suas preocupações com aquilo que já temos registrado também desde o ano passado. O processo de globalização vem favorecer o consumo dos ricos, pois subsidia a cesta de consumo dos ricos, permitindo que perfumes franceses, gravatas Hermés, picanhas, artigos de consumo apenas dos ricos sejam importados com taxa de câmbio altamente artificial, o que barateia esses produtos, enquanto os pobres têm que comer esse "frango real". São os pobres eliminados, obviamente, da possibilidade de importar e de se beneficiarem desses preços baixos que reduzem o custo dos produtos de consumo dos ricos como perfumes franceses, chocolates etc. Por outro lado, isso era realmente de estarrecer. Hoje, aproveitando a oportunidade, registro aqui um fato muito importante: pela primeira vez, ouço aqui o Presidente da Confederação Nacional da Indústria mostrar a sua preocupação com o que está acontecendo no Brasil: o sucateamento das pequenas, médias e até algumas grandes indústrias nacionais. Como foi dito há pouco, 80% da receita da Estrela provém da venda de brinquedos importados da China e outros países.

O SR. PEDRO SIMON - Com isso, quantos ficaram desempregados?

O Sr. Lauro Campos - É justamente esse o calcanhar-de-aquiles da nossa economia. O meu ponto de vista é o de que a Confederação Nacional da Indústria não percebeu que existe uma força externa mais forte, que faz com que os trabalhadores brasileiros não tenham apenas um conflito com os seus empregadores, que querem reduzir os salários e têm feito isso com muita eficiência durante todo o processo de crescimento a partir de 1959, ano de pico do salário mínimo no Brasil. Essas forças externas, chamadas de globalização por alguns e de imperialismo ou não-imperialismo por outros, atuam, agora, não apenas contra as indústrias nacionais, mas também, obviamente, como V. Exª salientou muito bem, contra os trabalhadores brasileiros. Então, trabalhadores brasileiros e pequenos ou médios empresários nacionais estão no mesmo barco: têm de lutar contra uma força que se opõe aos dois. Não há mais apenas um conflito entre empregado e empregador, trabalhador e capitalista; há um conflito muito maior que ameaça a existência das duas categorias, que estão, portanto, no mesmo barco e devem procurar formas diferentes de se relacionarem, formas diferentes de se respeitarem, formas diferentes de se protegerem contra essa força externa avassaladora que se chama globalização. E essa globalização é feita em favor dos globalizadores, globalização que parece não ter novidade alguma, mas se possui um novo conteúdo, esse é justamente o da violência e da perversidade, que produziu um bilhão de desempregados e mais de 800 milhões de pessoas que passam fome no mundo. Muito obrigado.

O SR. PEDRO SIMON - Senador Lauro Campos, agradeço a V. Exª o aparte.

O Governo brasileiro tem a obrigação de ter a sua estratégia e mostrá-la ao mundo.

Volto a repetir: o Brasil precisa ter sua estratégia, como fizeram os europeus com relação à defesa da sua indústria de auto-peças e como fazem os americanos quando algum problema os atinge. Da mesma forma, temos que analisar como iremos agir. Não podemos apenas imaginar que o mundo desapareceu, que não há mais fronteiras, que o mundo é um país aberto, sem definirmos nossa maneira de agir. Isso é impossível.

O Sr. Artur da Távola - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Artur da Távola - Sempre ouvimos V. Exª com atenção e respeito. Não posso deixar de manifestar uma inquietação quanto à visão que tem a respeito do problema. Ao mesmo tempo em que toca na ferida, V. Exª conclui negativamente. V. Exª toca na ferida quando se mostra perplexo com a situação ocorrente depois da guerra fria, de grande abertura das fronteiras econômicos dos países. Essa abertura atinge até os países de regime fechado, como a China, que talvez seja um dos países mais abertos do mundo e não tem nenhuma visão paranóica da globalização, e Cuba, que se abre economicamente pela percepção de que a economia fechada exclusivamente em volta do Estado, evidentemente, não cria condições favoráveis. Esse problema traz para o mundo de hoje esperanças e perplexidades. V. Exª está tratando bem o assunto porque V. Exª encarna a perplexidade. Por que esperanças? Esperanças, porque esse processo poderá melhorar as condições internas dos processos industriais de cada país, melhorar os padrões de produtividades, melhorar a qualidade dos produtos, criar um grau de competitividade maior entre esses mesmos produtos. A internacionalização poderá, enfim, trazer inúmeros benefícios na área da cultura, onde também surgem problemas, porque a globalização nessa área vive o drama de integrar culturas diferentes sem discriminá-las, sem massacrar formas culturais significativas.

O SR. PEDRO SIMON - A França aprovou projeto determinando a obrigatoriedade de um percentual de músicas e de filmes franceses que têm que ser exibidos nas televisões e nos cinemas da França, que praticamente está sendo esmagada pelos americanos nessa área. Essa lei foi aprovada há uns dois meses.

O Sr. Artur da Távola - A perplexidade existe. Por quê? Porque é uma nova realidade que toca em aspectos que homens da nossa geração têm dificuldade em compreender, como aqueles ligados à soberania. Nós fomos formados com a idéia de que a soberania do estado-nação - um estado que vem do século XIX, que cria os nacionalismos -, a formação dos estados foi muito difícil, precária, sofrida, dividida. Nós temos dificuldade de compreender tudo aquilo que venha por cima dos padrões de soberania com os quais nos acostumamos. A comunicação vem por cima. A economia multinacional vem por cima. O fenômeno da globalização não é uma escolha ideológica, ou escolha de time de futebol ou de preferência. Não é, nobre Senador! Ele é um processo que está posto na sociedade, com uma carga enorme de possibilidades positivas e igualmente com uma carga enorme de problemas ligados à sua expansão.

O SR. PEDRO SIMON - Até aqui estamos de acordo.

O Sr. Artur da Távola - V. Exª toca no problema com agudeza. Onde não estamos de acordo? Quando V. Exª diz: "Precisamos saber o que deseja e o que pensa o Governo sobre a globalização.

O SR. PEDRO SIMON - Não. Certamente não posso ter dito isso. Devo ter-me expressado muito mal.

O Sr. Artur da Távola - Entendi que V. Exª temia, ou teme, que o Governo brasileiro não esteja com uma visão clara deste processo complexo e esteja a permitir que segmentos significativos da economia nacional sucumbam diante de um processo que seria avassalador. O aparte do nobre Senador do PT, depois, ampliou ainda essa idéia. O que eu queria dizer é que há inúmeros pronunciamentos do Presidente da República no Brasil, fora do Brasil, dos quais aconselho a leitura. O Ministro de Assuntos Estratégicos, Ronaldo Mota Sardenberg, aliás muito pouco lembrado, tem feito pronunciamentos muito claros nessa linha, mostrando a posição do Governo. O Governo tem posição em relação a isso. O difícil dessa posição consiste no fato de que é uma economia que vai sendo tratada caso a caso. Há casos em que a internacionalização da produção e a compra para o mercado interno, por um preço mais barato, facilita o consumo popular, e há casos em que o exagero dessa medida pode perfeitamente destruir setores significativos da economia brasileira. Então, tratar caso a caso e ao mesmo tempo buscar, com uma disposição ferrenha, que o País se torne apto para entrar nessa competição, este, Senador Pedro Simon, é o grande mérito do Governo Fernando Henrique Cardoso. Ele tem a coragem de colocar para o País a idéia de que será capaz de organizar uma indústria contemporânea, com produtividade, com preços competitivos. Essa é a meta, esse é o esforço. Acerta aqui, não acerta ali, são circunstâncias da marcha, mas essa meta é clara, Senador. Então, o único ponto com o qual não concordo, embora participe da perplexidade de V. Exª é este: o da idéia de que o Governo realmente está perdido diante disso. E como V. Exª sabe que, com todo o carinho, por seu talento, eu o considero o Líder da Oposição nesta Casa, às vezes, fico a tomar o discurso de V. Exª como o discurso do Líder da Oposição. É uma liderança natural, Senador Pedro Simon, uma liderança que não foi usurpada. Ela nasce do seu talento, da sua experiência, da sua honradez.

O SR. PEDRO SIMON - Eu faço um esforço enorme para não atirar o Presidente Fernando Henrique Cardoso no colo do Senador Antonio Carlos Magalhães, e V. Exª faz um esforço dramático para me atirar na Oposição. Eu não sou Oposição. Votei no Fernando Henrique Cardoso.

O Sr. Artur da Távola - V. Exª é o Líder da Oposição nesta Casa.

O SR. PEDRO SIMON - Eu torço pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. É que V. Exª acha que apontar, que debater, que discutir é fazer oposição. Eu me considero mais aliado do Presidente Fernando Henrique Cardoso do que muita gente que bate palmas para medidas que estão erradas. Se o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso der certo, ao dizer o que eu disse, por exemplo, a respeito do Proer, sou mais amigo dele do que aqueles que aplaudiram. No momento em que pedi a criação de uma CPI para para os corruptos, estava sendo mais amigo do Fernando Henrique Cardoso do que os que a boicotaram, que não deixaram a Comissão sair.

O Sr. Artur da Távola - No caso do Proer, V. Exª fala como Líder da Oposição; não tenho dúvida.

O SR. PEDRO SIMON - Sete bilhões de reais para o Banco Nacional foi muito bom.

O Sr. Artur da Távola - Esse é o discurso da Oposição, ignorando o que se está salvando na economia brasileira graças à lucidez do Proer e a coragem de encetá-lo. Trata-se daquela ética da responsabilidade, do que se está defendendo no bolso do depositante.

O SR. PEDRO SIMON - Aprendi a conhecer a biografia de V. Exª, a luta de V. Exª, o brilhantismo de V. Exª. E agora, ouvir V. Exª dizer que o Proer, colocou R$7 bilhões no Banco Nacional...

O Sr. Artur da Távola - Mas não foi isso!... Essa é uma frase de efeito.

O SR. PEDRO SIMON - Ah! O Governo diz que o dinheiro do Proer não foi para a diretoria do Banco Nacional, foi para os depositantes, que iam perder os R$7 bilhões. Isso é verdade. Mas, e os R$7 bilhões dos depositantes, onde estão? O Governo diz uma meia verdade quando afirma que não está dando R$7 bilhões para os banqueiros, mas sim para os depositantes. Muito bem, isso é verdade! Mas os R$7 bilhões dos depositantes, das 1.500 contas-fantasma, durante dez anos, aonde é que foram parar?

O Sr. Artur da Távola - Os banqueiros roubaram e vão para a cadeia. É essa a diferença.

O Sr. Ademir Andrade - Quando, Senador?

O Sr. Artur da Távola - Os banqueiros roubaram e vão para a cadeia. V. Exª aguarde, porque o assunto está na Justiça. O Governo não tergiversou nessa matéria.

O Sr. Ademir Andrade - Com a nora do Presidente envolvida nessa situação?

O Sr. Artur da Távola - Com a nora do Presidente envolvida - aí é que está a honradez contra a armadura fácil de um discurso insubsistente de que o Governo é um Governo corrupto, que dá R$7 bilhões a ladrões. Não dá, e vai colocá-los na cadeia, porque vai fazer com que o processo na Justiça corra livremente, como aliás já está correndo.

O Sr. Edison Lobão - E os bens dos banqueiros já estão indisponíveis.

O SR. PEDRO SIMON - O rombo, nobre Líder do PFL, é de R$7 bilhões; os bens indisponíveis são R$ 150 milhões. O dinheiro que o Proer colocou são R$7 bilhões. Somados os bens de todos os diretores dos bancos, são R$150 milhões.

O SR. EDISON LOBÃO - Os bens particulares representam R$150 milhões; mas as ações dos Bancos já estão à disposição do Banco Central.

O SR. PEDRO SIMON - Senador Artur da Távola, meu querido companheiro e amigo, a quem prezo tanto, lá na província do Rio Grande do Sul, nas horas mais difíceis, mais dramáticas, aprendi a ver V. Exª na coragem de extraordinário homem de rádio, de jornal, de televisão e político. Penso como V. Exª, apenas não abro mão de alguns princípios que tenho. Considero-me defensor do Presidente Fernando Henrique, com quem voto nas causas que considero importantes. Quando fui Líder do Governo Itamar, defendia as mesmas posições. Fui a favor da CPI do Orçamento, que dificultou enormemente o Governo do Itamar, mas que era importante e necessária. Tenho apenas uma posição e não a mudo por estar a favor do Governo ou por ser da oposição.

Com relação ao que disse o nobre Senador pelo Rio de Janeiro, não estou cobrando uma posição do Governo. Penso apenas que é importante que ele tenha a sua estratégia para entrar na globalização. Nesta semana, quinze países da Europa reuniram-se e decidiram não admitir mais autopeças brasileiras, americanas, japonesas ou coreanas, porque considerava que estavam sendo prejudicados países. Numa época de globalização, nobre Senador, a indústria de autopeças do Brasil quase implodiu pela concorrência. Os europeus não o deixaram chegar lá. Não estamos trazendo nem um exemplo lá de trás, nem da coluna soviética, nem comunista, mas o exemplo da Europa. E não é só esse exemplo, nobre Senador.

Nós, do Rio Grande do Sul, cansamos de tentar exportar sapato para os Estados Unidos. Exportamos, mas pagamos sobretaxa, porque eles defendem o que é deles. O que estou argumentando é essa necessidade e, junto com ela, coloco outra, que o Brasil tem de ver, nobre Senador.

O Brasil é diferente da Europa e dos Estados Unidos. A Europa e os Estados Unidos têm 5% de classe pobre, 80% a 85% de classe média e uns 8% de classe alta. Quando o governo europeu ou o governo americano traçam uma política, traçam-na para todo o País. Os ricos são outra questão e os pobres são minoria. Eles têm uma política especial para os pobres. No Brasil, não. Aqui, temos cerca de 70% a 80% de classe pobre, 20% de classe miserável, 15% de classe média e 5% de classe alta. No Brasil, dentro ou fora da globalização, sempre foi assim e é errado. Temos de ter uma política especial no sentido de justiça.

Pergunto: está certo o Brasil importar milhões de toneladas de picanha dos Estados Unidos sem sobretaxa, enquanto o resto do País passa fome? Está certo o Brasil não ter uma política especial no sentido de importar o que é necessário, como diz V. Exª, quando a empresa ou um grupo de empresários organizam uma holding para tentar levantar o preço a qualquer custo, o que, lamentavelmente, existe muito no País?

Por esse motivo, nobre Senador, enfatizo a importância de uma estratégia e digo da importância de termos uma estratégia que valha a nível de Brasil como nação igual aos Estados Unidos, igual à Europa, mas valha também no Brasil, que é diferente dos Estados Unidos e da Europa. Afinal 80% da população é pobre. Para os Estados Unidos, importar ou não importar, abrir suas portas para a importação, pouco importa, pois 5% de pobres para eles não altera a questão.

Para nós, não. Verificamos que não é possível porque temos ao mesmo tempo dois brasis. Um, que somos nós aqui, do uísque escocês, do mundo normal, que vivemos a nossa vida; e o outro Brasil, que vive um regime dramático. Governar com as novelas da Globo, com a imprensa, com quem vêm aos nossos gabinetes, que é classe média ou alta, e não tomar conhecimento. porque não produzem e não consomem determinados bens os milhões de brasileiros que praticamente estão à margem da sociedade, principalmente no Estado de V. Exª, que é o Rio de Janeiro.

Há poucos dias, um político de lá, que havia ficado fora da política durante oito ou nove anos, voltou de sua viagem pelo exterior e deparou-se com um quadro dramático. Dizia que, quando estava aqui, quem morava na favela era a classe pobre; hoje, quem mora na favela é a classe média baixa, e os miseráveis foram para debaixo da ponte."

O Sr. Arthur da Távola - Permite-me V. Exª me permite um aparte, Senador Pedro Simon?

O SR. PEDRO SIMON - Ouço V. Exª com muito prazer.

O SR. PRESIDENTE (Waldeck Ornelas) - Senador Arthur da Távola, a Mesa pede a compreensão de V.Exª, porque o tempo do orador já estava esgotado há 9 minutos.

O Sr. Artur da Távola - Agradeço à Mesa e ao Senador. Eu estava até com uma certa timidez para interrompê-lo novamente. Ficará para uma outra oportunidade. Quero apenas anotar o fato de que o Senador argumenta com muito brilho, e na hora do exemplo é que, justamente, ganha a opinião pública, porque faz uma argumentação brilhante e ainda dá o exemplo da picanha. Para a população, para quem ouve o discurso, parece que o Governo importa só desnecessidades, quando um dos maiores itens na pauta de importação, que tem a ver diretamente com o progresso e com o enfrentamento da miséria, que S. Exª defende, como todos nós, é exatamente o de bens de capital, que tem por finalidade o desenvolvimento interno da nossa indústria, do nosso emprego e do nosso trabalho. É bela a argumentação de V. Exª e estou de acordo inclusive com o conteúdo, em várias passagens. A sedução oposicionista, o brilho, o talento, a capacidade tribunícia do Senador Pedro Simon jogam a idéia de que se importa picanha e uísque escocês para a maioria.

O SR. PEDRO SIMON - Somos o maior importador de uísque escocês do mundo - inclusive uísque falsificado.

Sr. Presidente, machuca-me o fato de que um Senador por quem tenho tanto carinho e tanto respeito por sua dignidade e correção ache que meu pronunciamento tem um estilo populista, o objetivo de querer agradar gente mais simples. Corro esse risco, Sr. Presidente. Na verdade, não sei por que estou falando sobre as pessoas da favela do Rio de Janeiro. As pessoas que moram debaixo da ponte no Rio de Janeiro não contam, não têm vez. O índice de natalidade tem diminuído, ou seja, nascem menos crianças, logo, menos miseráveis.

Ora, reconheço que, tanto para o Sr. Fernando Henrique quanto para qualquer outro, governar o Brasil é muito difícil. Em roda de nós gravitam apenas os que pensam, os que discutem o que nós discutimos, os que comem carne de picanha, tomam uísque, vão aos shoppings e vêem as belezas dos importados. Esses somos nós. Agora, ter ou não ter uma política voltada também para o social, mas quando ia me passar pela cabeça que ao dizer isso o nobre Senador do Rio de Janeiro iria dizer que sou líder da Oposição? O sociólogo Fernando Henrique, o homem da social democracia na presidência da República e eu, Pedro Simon, falar em social é defender uma tese de Oposição. Sinceramente, não entendo. Até penso que não, Sr. Presidente.

Falar no social é falar numa tese com a qual o Presidente da República está preocupado. Penso que ele está preocupado e aí concordo com o nobre Senador quando diz que a essência do Presidente da República é uma essência preocupada em o Brasil fazer essa transformação. Concordo. Quero deixar claro ao nobre Senador que concordo com o Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso nessas transformações que está buscando, ele quer, ele deseja que o Brasil cresça, que o Brasil avance, que o Brasil progrida. E dentro dessa economia que está aí ele está no caminho. Apenas penso que chamar a atenção para esses detalhes é ajudar;.chamar a atenção para a indústria de autopeças do Brasil que quase se desmantelou e o Governo nada fez, enquanto que nos Estados Unidos, na Europa quando isso começou os Governos gritaram. Penso que os governantes de lá estão certos. Mostrar para o Governo que na hora de o nosso suco de laranja ser exportado se foi mal a produção de laranja na Flórida, nos Estados Unidos, e não tem suco de laranja, eles taxam e não deixam o Brasil ganhar duas vezes, eles não deixam o Brasil ganhar o dobro. Eles taxam os produtos, e, nesse caso, não há economia de mercado. A economia de mercado é a lei da oferta e da procura. Eles não têm suco, mas nós temos suco, logo, devemos colocar o nosso preço. Não. Isso não ocorre, porque eles sobretaxam os produtos. Agora, a picanha entra no Brasil com a maior facilidade. Esse produto chega até aqui, como chega o arroz, que é um produto de primeira qualidade. Penso que essas alterações devem ser feitas. Esse é o sentido do meu pronunciamento.

Fui taxado como Líder da Oposição, o que muito me honraria. Durante muitos anos, liderei a Oposição aos generais, à ditadura, ao arbítrio. Naquela época, juntamente conosco estavam do nosso lado o nobre Senador do Estado do Rio de Janeiro e o Senhor Presidente da República. Não me ofende ir para a Oposição; não tenho nenhuma preocupação em não ir para a Oposição. Eu poderia até passar para a Oposição, mas não se deve dizer que eu faria isso por que defendo o social. Talvez, o Presidente Fernando Henrique concorde em defender o social mais do que muitos amigos seus.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/12/1996 - Página 19565