Discurso no Senado Federal

REALIZAÇÃO, NO ULTIMO DIA 28 DE NOVEMBRO, DO TRIBUNAL INTERNACIONAL PARA JULGAMENTO DOS MASSACRES DE ELDORADO DOS CARAJAS - PA, E DE CORUMBIARA - RO. TRANSCRIÇÃO DO RELATORIO APRESENTADO PELO PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS, DA CAMARA DOS DEPUTADOS, PROFESSOR E DEPUTADO HELIO BICUDO.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • REALIZAÇÃO, NO ULTIMO DIA 28 DE NOVEMBRO, DO TRIBUNAL INTERNACIONAL PARA JULGAMENTO DOS MASSACRES DE ELDORADO DOS CARAJAS - PA, E DE CORUMBIARA - RO. TRANSCRIÇÃO DO RELATORIO APRESENTADO PELO PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS, DA CAMARA DOS DEPUTADOS, PROFESSOR E DEPUTADO HELIO BICUDO.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/1996 - Página 19658
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • PARTICIPAÇÃO, ORADOR, ORGANIZAÇÃO, NATUREZA JURIDICA, AMBITO INTERNACIONAL, JULGAMENTO, CRIME, HOMICIDIO, SEM-TERRA, MUNICIPIO, ELDORADO DOS CARAJAS (PA), ESTADO DO PARA (PA), CORUMBIARA (RO), ESTADO DE RONDONIA (RO).
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, RELATORIO, PRESIDENTE, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, CAMARA DOS DEPUTADOS, HELIO BICUDO, PROFESSOR.
  • CONDENAÇÃO, ESTADO DE RONDONIA (RO), ESTADO DO PARA (PA), OMISSÃO, INCENTIVO, CRIME, HOMICIDIO, SEM-TERRA, MUNICIPIO, ELDORADO DOS CARAJAS (PA), CORUMBIARA (RO).

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, desejo registrar a realização, no dia 28 de novembro, quinta-feira passada, do Tribunal Internacional para Julgamento dos Massacres de Eldorado dos Carajás, no Estado do Pará, e de Corumbiara, no Estado de Rondônia.

Solicito a V. Exª que faça constar, nos Anais da Casa, além do meu pronunciamento, também um relatório apresentado pelo Presidente da Comissão de Direitos Humanos, da Câmara dos Deputados, Prof. Hélio Bicudo, em que S. Exª fez uma evidenciação, uma tipificação dos fatos ocorridos nos dias 9 de agosto de 1995, no Estado de Rondônia, em Corumbiara, e 17 de abril de 1996, no Estado do Pará, oito meses após o massacre.

Quero aqui registrar o quanto foi importante essa atividade realizada pela Comissão de Direitos Humanos e várias entidades, com a participação de juristas e militantes das questões ligadas aos direitos humanos em âmbito internacional, pois se criou em torno desses episódios um fato político que cobra das autoridades tanto a punição dos Estados que cometeram esses crimes - no caso, julgados - quanto as providências necessárias para a reparação dos motivos que levam a esses crimes: a inexistência da reforma agrária.

À medida que o Governo brasileiro assume a determinação de realizar a reforma agrária - e aqui registro o esforço do Ministro Raul Jungmann com as medidas recentes que vem tomando relativamente à tributação feita aos latifundiários, o que considero uma contribuição à reforma agrária -, criam-se condições de realizar tal reforma, embora seja ainda um processo lento.

Durante todo o julgamento, de cujo júri fiz parte juntamente com vários outros colegas, fui construindo o meu voto - claro, pela condenação. Só que estavam em julgamento apenas o caso de Rondônia e o do Pará, quando, a meu ver, há outros que deveriam estar também no banco dos réus.

Durante o julgamento, no momento em que eu tentava justificar o meu voto, ocorreu-me que, enquanto estávamos ali falando de violência, de reforma agrária, de justiça social, de inclusão social, algumas pessoas poderiam estar rindo do nosso tribunal. Isso porque, embora tivesse um peso, uma significação simbólica muito forte, na realidade, ele não levaria a cabo as resoluções que estava assumindo. Lembrei-me, então, de um poeta que escreveu que, mesmo quando as pessoas riem das coisas que estamos fazendo, isso se constitui um bom sinal. Ele diz o seguinte - acho que já registrei este poema desta tribuna:

      "Quando o sábio superior ouve falar do Caminho, ele segue o Caminho imediatamente.

      Quando o sábio mediano ouve falar do Caminho, ele às vezes segue, às vezes não.

      Mas, quando o sábio inferior ouve falar do Caminho, ele dá sonoras gargalhadas. E, se ele não der sonoras gargalhadas, é porque não é o Caminho.

      Logo, se buscas o Caminho, então segue o som das gargalhadas."

Por isso, a violência policial que, com certeza, estava rindo de nós, os conservadores ávidos por destruir qualquer sinal de renovação, que estavam rindo, e os governos indiferentes que também deveriam estar rindo de nós, acenavam-nos com um bom sinal: de que estávamos no caminho certo, de que estamos no caminho certo.

E quando justifiquei o meu voto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fiz questão de ressaltar que não iria seguir as frias tábuas da lei, até porque não sou advogada nem jurista, e o meu voto era dado como jurada, como alguém que acompanhou os fatos, que sentiu indignação, tristeza, emoção com esses massacres lamentáveis.

A argumentação que usei para condenar os Estados do Pará e Rondônia foi a seguinte:

1 - O meu voto não tem como base as frias tábuas da lei.

2 - As argumentações técnicas e jurídicas, apresentadas pelos responsáveis pela acusação, são mais do que suficientes para um veredicto condenatório, visto que demonstraram através de provas materiais e documentais e no depoimento das testemunhas ter havido crime doloso por parte dos executores da chacina, e culposo por parte dos Estados em julgamento.

Mas como não ia julgar pelas frias tábuas da lei, mesmo levando em conta que elas foram cunhadas a ferro e fogo, justifiquei o meu voto, trazendo alguns elementos que, em iguais condições, deveriam estar ali presentes para também ser julgados, para não correr o risco de:

- julgar apenas pela voracidade do fogo, tão acostumado a queimar acampamentos de sem-terra;

- para não julgar apenas pela dureza do ferro, tão acostumado a profanar e a perfurar, sem escrúpulos, o sagrado templo do espírito de inocentes;

Por esta razão é que durante a minha justificativa, clamei ao Sr. Presidente que gostaria também de condenar:

1 - A violação dos princípios éticos, morais, sociais, culturais e espirituais que tratam os homens, outrora iguais, como seres diferentes, divididos em homens de 1ª e 2ª classes;

2 - A transformação do homo habilis e do homo sapiens em homo hostilis e belicus, destruindo quase que completamente o que poderia ser o homo solidarius;

3 - O derramamento do sangue, a não-realização dos sonhos dos irmãos sem-terra, ironicamente agora soterrados;

4 - A adolescência e a juventude interrompidas, a velhice não sentida da irmã criança, precocemente adormecida;

5 - A dor, a saudade, o medo, a revolta dos irmãos, pais, filhos, mães, viúvas, viúvos e amigos, tão dolorosamente sentidos;

6 - A terrível ânsia de domínio, revelada na ira dos irmãos soldados que, ferozmente caçando, moribundos tombaram no mesmo chão dos caçados.

Com esses argumentos, disse que seria muito importante que esses também fossem julgados porque, pelos processos formais, não nos era possível estabelecer esse julgamento. Como falei, não seria apenas um voto baseado em argumentos jurídicos meramente técnicos.

Para que isso acontecesse gostaria que também naquele julgamento estivessem presentes mais alguns elementos importantes. Para que isso, Sr. Presidente?

- Para que floresça a justiça;

- voe a liberdade;

- multiplique-se a esperança;

- fortaleçam-se os homens e mulheres de bem e de boa vontade; e

- para que o homem continue a ser imagem e semelhança de Deus, no amor, na justiça e na solidariedade.

E aí, com certeza, Sr. Presidente, haveria um julgamento em que todos os elementos possibilitassem a reparação daquela chacina. Como não foi possível, evoquei todos os elementos como prova para condenação de quem estaria em julgamento

1) A República Federativa do Brasil:

- por governar sem se importar;

- por reprimir sem exemplar;

- por delegar sem acompanhar; e

- por muito ser e nunca estar.

Porque parece que a Instituição chamada Estado nunca está presente nos momentos mais dolorosos e sentidos da população dos excluídos.

2) Os excessos do Poder Judiciário, que também não estavam em julgamento, mas que gostaria que estivessem:

- por condenar sem mediar;

- por repartir sem pesar; e

- por mostrar os caminhos sem sequer dar-se ao trabalho de olhar.

Lamentavelmente, não foi possível esse julgamento. Então, assim sendo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sugeri a condenação dos Estados de Rondônia e do Pará, pelos seguintes motivos:

- por se omitirem de evitar;

- por se empenharem em insuflar; e

- por se eximirem de reparar.

Ao final, conclamei a todos os presentes - e aproveito para fazer o mesmo aqui - para que condenemos, moral, cultural e socialmente, todos os corações e mentes indiferentes, que nada vêem, nada ouvem e nada sentem nas dores dessas tragédias que nos tornam menos gente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/1996 - Página 19658