Discurso no Senado Federal

CRISE DO SETOR EXTRATIVISTA DE BORRACHA NATURAL.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • CRISE DO SETOR EXTRATIVISTA DE BORRACHA NATURAL.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/1996 - Página 19711
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, SETOR, PRODUÇÃO, BORRACHA, PAIS, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, MALASIA, INDONESIA, LAOS, CAMBOJA, VIETNÃ, TAILANDIA, RESULTADO, NECESSIDADE, GOVERNO, URGENCIA, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, INVESTIMENTO, APOIO, PRODUTIVIDADE, AREA.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a pronunciar-me desta tribuna sobre a crise do setor de borracha natural. Já o fiz no início do ano passado e, desde então, a situação tem-se agravado, o que causa profunda preocupação aos que acompanham esse assunto e têm compromisso com o bem do País, tanto no aspecto social como no puramente econômico.

O Brasil é importador de borracha natural, se bem que tem uma significativa e crescente produção própria. Já vai longe a época - quase um século - em que a borracha era sinônimo de seringueira nativa e o Brasil encabeçava as estatísticas mundiais de produção.

Hoje, borracha natural vem quase sempre de seringueiras plantadas e cultivadas. Os produtores líderes encontram-se no Sudeste Asiático: Malásia, Indonésia, Laos, Camboja, Vietnã e Tailândia respondem atualmente por quase 90% da produção mundial. Seus seringais cultivados são de boa qualidade, mas esses países usam também de subsídios para se manterem em posição vantajosa no mercado.

Nossa Câmara Setorial da Borracha calcula que o subsídio nos países do Sudeste Asiático é de 68%. Malásia e Indonésia chegam a subsidiar diretamente seus produtores. Além do subsídio direto, são abundantes os indiretos: pesquisa tecnológica dedicadas ao setor, apoio creditício, disseminação de técnicas modernas de plantio e cultivo, fornecimento de mudas de qualidade. E mais: subsídio às vilas residenciais dos trabalhadores em seringais, incluindo habitação, saneamento básico, tratamento de água, energia, escola e assistência médica.

O Brasil ainda conta com significativa produção de seringais nativos na região Amazônica. Mas já ingressou na era dos seringais cultivados. De 20 anos para cá, têm-se multiplicado esses seringais, principalmente nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e no meu Estado de Mato Grosso. Os seringais cultivados empregam 60 mil brasileiros, cujas famílias não vegetam empobrecidas na periferia das grandes cidades, mas vivem digna e produtivamente no meio rural.

No entanto, os seringais cultivados no Brasil são mantidos pelos proprietários, sem ajuda governamental, em situação desvantajosa em relação aos asiáticos, inclusive no tocante ao custo da mão-de-obra, que lá é muito mais barata.

Este ano, o consumo nacional de borracha natural deverá ser de 150 mil toneladas, e a produção própria, da ordem de 60 mil toneladas. Portanto, somos um País dependente de importação. Excessiva e indesejavelmente dependentes, com a dependência concentrada em uma só região do globo. Do ponto de vista estratégico, isso é muito negativo, ainda mais considerando que a borracha sintética, por sua vez, tem o seu preço atrelado ao do petróleo, aumentando a incerteza estratégica. Trata-se de um grau de dependência, ademais, desnecessário e injustificado, já que temos uma das maiores potencialidades agrícolas do mundo, com climas e solos apropriados também aos seringais.

A vocação para a produção da borracha natural, sem dúvida a temos. Nossa produção total tem evoluído à medida que os seringais cultivados vão atingindo idades mais produtivas. É verdade que os seringais nativos têm produzido menos. Sua produção decresceu, de 1990 a 1995, de 14 mil toneladas a 4.500. Este ano, deverá subir, no máximo, para 8 mil. Os seringais cultivados, que, em 1990, produziram 28 mil toneladas de borracha natural, produziram 38 mil em 1995 e, este ano, deverão chegar a 46 mil toneladas.

Quanto à produtividade, podemos, sim, competir com o Sudeste Asiático. A produtividade brasileira nos seringais maduros é de 1.200 quilos por hectare. No entanto, a maior parte dos nossos seringais cultivados ainda não atingiu o estágio de produtividade ideal. Na Malásia, maior produtor mundial, a produtividade é de 1.300 quilos por hectare; na Indonésia, segundo maior produtor do mundo, é de apenas 800 quilos por hectare.

O mais grave dos problemas que ameaça nosso setor de borracha natural é o desequilíbrio de preços, sendo mais alto o do produto brasileiro que os praticados no mercado internacional. Essa defasagem, Sr. Presidente, Srs. Senadores, nos anos que correm, decorre de fatores estruturais, relacionados à pouca idade dos nossos seringais cultivados e nossos salários mais altos; é agravada pelos subsídios de que goza a produção asiática; e tornou-se crítica com a queda dos preços internacionais, que vem ocorrendo desde meados do ano passado.

Quanto à questão salarial, o custo para o produtor no Brasil é de US$500 mensais por empregado, incluídos os encargos sociais. No Sudeste Asiático, o maior salário é o da Tailândia: US$200 por empregado. E a mão-de-obra representa 70% do custo do produto. Por essa razão e pelas outras que vimos, o produto nacional é oferecido a US$ 2.60 o quilo, enquanto o importado chega aqui por US$ 1.60. Ou seja, um dólar mais barato de que o produto brasileiro.

Ao longo dos últimos anos, o governo vem enfrentando a questão dos preços internos mais altos com o contingenciamento da importação. Isto é, as indústrias consumidoras de borracha natural - e isso significa, para mais de 80% do consumo nacional -, as fábricas de pneus têm que comprar no mercado interno uma determinada proporção de seu consumo.

Tal sistema tornou-se difícil de sustentar com a recente e forte queda dos preços internacionais. Ficam pressionados nossos produtores de borracha natural, com a tendência dos seus preços de venda serem achatados abaixo de seus custos. E ficam prejudicadas as indústrias, por terem de competir com fabricantes de outros países que têm acesso a um insumo mais barato.

Recentemente, assistimos a um fato grave: a empresa Goodyear desativou uma de suas linhas de produção em São Paulo, de pneus convencionais, e a transferiu para a Argentina. Do total de 30 mil pneus por dia que a Goodyear produz no Brasil, acabamos de perder dois mil. O motivo, segundo a empresa, é, principalmente, o preço da borracha natural brasileira, que está um dólar acima do preço internacional. Pelo sistema de contingenciamento das importações, o fabricante é obrigado a comprar parte do insumo no mercado interno, e a borracha natural pesa 30% no custo do produto, fazendo com que a indústria perca mercado para seus concorrentes do exterior.

Além dos problemas estruturais de custo e da ameaça de perder os clientes internos por força de mecanismos de concorrência da economia globalizada, o setor de borracha natural sofre de deficiências institucionais e é penalizado pela falta de uma diretriz oficial única. Com a extinção, em 1990, da Superintendência para o Desenvolvimento da Hévea - Sudhévea -, a supervisão governamental sobre o setor foi assumida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis - Ibama. Interferem também na política da borracha a Secretaria de Política Industrial do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo e o Ministério da Fazenda, que fixa o preço do produto. Aliás, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cana-de-açúcar e borracha são os únicos produtos vegetais cujos preços ainda são controlados neste País.

O Ibama seria realmente o órgão adequado para supervisionar os assuntos dos seringais nativos que envolvem a questão ecológica. Nesse subsetor, o Ibama vem empreendendo algumas ações meritórias, apoiando o seringueiro da Amazônia com a instalação de usinas cooperativas de beneficiamento e dando-lhe treinamento para trabalhar na fase de usinagem da borracha. Procura, também, o Ibama promover no exterior a idéia de que os consumidores com consciência ecológica deveriam comprar produtos feitos de borracha de seringais nativos da Amazônia, pois apoiar essa atividade extrativista, manter o sustento das dezenas de milhares de famílias que disso vivem naquela região, ajuda a preservar a Floresta Amazônica.

Mas carece o setor de borracha natural como um todo de uma política governamental única, ativa e coerente, uma política que dê apoio a essa importante atividade geradora de empregos e responsável por um produto de primordial importância em nossa estrutura industrial. É sabido que os países do Primeiro Mundo subsidiam fortemente sua agricultura e sempre encontram meios de apoiar os setores de alto interesse nacional. Não há por que agirmos de maneira diferente.

O setor sofre, como tantos outros, com a carga fiscal excessiva e com os juros altos. Isso teria que ser examinado pelo governo. Mas há questões específicas nesse setor que exigem soluções específicas. A Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos propõe que o governo estabeleça um programa de incentivos aos produtores de borracha, para que o setor possa ir se ajustando gradualmente até atingir os preços competitivos do mercado internacional. O prazo de transição poderia ser de 10 anos, com equalização dos preços interno e externo nesse período. Como declarou o presidente daquela entidade, "o Brasil tem terra, clima e boa mão-de-obra para produzir borracha de qualidade; seria um pecado o País não aproveitar esse potencial".

Os produtores de borracha sugerem que o Governo incentive a indústria consumidora de borracha, devolvendo-lhe a parcela do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, necessária para compensar a diferença de preços entre a borracha nacional e a importada. Para o País, isso teria um custo muito menor que o da eliminação de sessenta mil empregos: o diferencial de IPI atingiria o montante de cerca de US$40 milhões.

Sr. Presidente, há uma demanda crescente para a borracha no mercado internacional, e o Brasil tem investido no setor US$2 bilhões. Não se justifica deixar que seja destruído nosso setor de borracha natural. Propostas e sugestões têm surgido; resta ao Governo saber escolher entre elas as que mais convêm ao País e adotar um ordenamento inteligente que solucione a crise do setor.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/1996 - Página 19711